Fazia anos que eu não via
qualquer nesga de sol. As correntes que um dia me prenderam, hoje, me
libertaram. Enquanto aqueço meu corpo, adaptando-me novamente à vida, um
desgraçado esfria no porão.
quarta-feira, 30 de dezembro de 2020
MINICONTO: CATIVEIRO - THIAGO LUCARINI
sábado, 26 de dezembro de 2020
POESIA - ÁGUAS PARA CRESCIMENTO - THIAGO LUCARINI
Estive sob tantas chuvas
Algumas me aliviaram
Outras quase me afogaram,
Mas todas ne fizeram
crescer.
quarta-feira, 23 de dezembro de 2020
MINICONTO: OPINIÃO - THIAGO LUCARINI
POESIA - VÍCIOS DA SOLIDÃO - THIAGO LUCARINI
A solidão é cheia de vícios
E ela traz sobre a vida de quem a aceita
Suas manias tantas.
Estar sozinho é deixar crescer asas
Difíceis de serem podadas.
terça-feira, 22 de dezembro de 2020
PODCAST - SIGA A LUZ
Para quem gosta de ouvir contos de terror/horror e relatos sobrenaturais das pessoas, agora, você tem a opção de ouvir o meu podcast: Siga a Luz. Um lugar, onde, eu, Thiago Lucarini, seu host, contos histórias fictícias minhas e relatos assombrosos dos meus ouvintes. Abra o podcast no seu agregador de preferência e divirta-se entre sustos e arrepios.
sábado, 19 de dezembro de 2020
POESIA: PREVISÃO CLIMÁTICA - THIAGO LUCARINI
Também
chove?
Vejo
relâmpagos
Ouço
trovões
Horizonte
escuro,
Mas
não sei
Se
longe de mim
Também
chove,
Pois
tantas vezes
A
chuva parece pertencer
Apenas
ao meu céu.
MINICONTO: FURÚNCULO - THIAGO LUCARINI
O furúnculo na perna
latejava e doía há dias, incomodando, A erupção avermelhada e cheia de pus
estava muito grande, deixando a pele febril, brilhante. Sentou-se com as pernas
cruzadas pronta para dar fim ao tormento, colocou gazes ao redor do caroço, fez
um pique na parte superior e começou a espremer, sangue coagulado e detritos saíram,
vazando. Quase no fim do processo, algo surgido do pus agarrou-se ao polegar
dela, emitindo um choro sinistro, era uma criatura viva, pequenina e de aparência
larval e humanoide ao mesmo tempo. Ela gritou assustada e perdeu os sentidos.
Quando acordasse, descobriria que o furúnculo apenas havia se mudado de lugar.
quinta-feira, 17 de dezembro de 2020
CRÔNICA: CADEIA ALIMENTAR - THIAGO LUCARINI
Estava eu com vontade de comer peixe. Cansado dos
mercados e seus frescos ou enlatados prontos
para consumo, fui a uma venda de peixes vivos. No tanque, escolhi do cativeiro
aquele que mais me agradou, o vendedor, um rapazote, o pegou com uma rede e
rapidamente lhe deu um golpe com uma ferramenta de claro uso em abate, da qual,
desconheço o nome. Naquele instante, pensei que meu jantar tinha ido por água
abaixo, pois um grande remorso me invadiu. De forma planejada, contribuí com a
morte de um ser. Silenciosos, peguei meu pacote e fui embora. O peixe nos seus
últimos suspiros pulava na sacola, movimentos involuntários de resistência,
porém não existia firme linha para se segurar, se livrar da panela. Meu coração
igualmente pulava, eu sabia da necessidade, um só haveria de viver.
Em casa, me
apressei a arrumá-lo, escamar, estripar e todo o restante do processo. Eu
sentia-me um pleno maníaco assassino com a mão num corpo de água tão frio. A
vida rápida e pronta do cotidiano dos açougues e ilhas de congelados nos
tiraram o horror da morte de outros seres com intuito de sobrevivência própria.
O peixe com seus espasmos involuntários insistia em algo que não tinha mais
volta, já estava morto, e contraditoriamente, o corpo recusava-se de algum
jeito a deixar a alma ir totalmente. Sem eu perceber, levei meu dedo à boca espasmódica
do falecido que muito do vingativo me mordeu. Quase xinguei, contudo, não o
fiz, pois sentia-me merecedor de tal punição do morto.
Em meio a dor e frustração, percebi o quanto sou grato
pelo tempo em que vivo. Deus me livre ser preciso eu matar uma vaca, um porco,
uma galinha, outro peixe. Estou seguro, uma
vez que não preciso sair à caça todos os dias, ter que matar consciente e
regularmente. Gosto da morte que não suja as minhas mãos, da ilusão dos pedaços
fatiados e pendurados em ganchos, que não confessam qualquer traço de vida
escondida ou preexistente. Já abatidos é mais fácil ignorar sua história, sua
dor, e isso, egoistamente, me basta, posto que asseguram a minha sensação de
inocência. Matar para comer é necessidade, mas ter essa experiência, assim,
nascida de um simples desejo para o jantar é amedrontador, é confirmar o que
sabemos desde sempre: a vida sustenta-se sobre os ossos dos mortos. É questão
de tempo até eu ser o abatido, ser comida da natureza. Parte do ciclo em contínuo
processo.
De volta ao conforto e comodidade, meus incapacitantes
naturais, olhei o peixe pronto na panela. Estava com uma cara maravilhosa. Se o
comi? Claro! Custou caro. Em mim não restava qualquer lembrança do prévio remorso.
Não há moralidade na fome. Acabou que o peixe rendeu não só um prato delicioso como
uma crônica de brinde.
POESIA - SUPERSTIÇÃO - THIAGO LUCARINI
Eu
acreditei que você me amaria,
Fiz
benzedura e banhos de ervas e sais
Na
lua cheia à meia-noite de primavera
Na
expectativa de trazer seu coração.
Mas
o amor não se presta a superstição
Nem
a minha crendice do que deveria ser.
Não
há ritual, atalhos para o amor brotar,
Ele
tem seu próprio tempo, basta aceitar.
sábado, 12 de dezembro de 2020
MINICONTO: O ACUSADOR - THIAGO LUCARINI
A própria besta aconselhava
o líder daquela nação, deu a ele suas filhas em casamento, a insensibilidade e
a ignorância. O maligno vestiu o rei com o manto prateado da falsa messianidade
tecida nos fornos do inferno, brilhante e mortal. Assim, seus servos iam atrás do
mito de retidão e bondade como gado atrás do sal, não tardou e o reino caiu em
ruínas e, enquanto ruminavam o abate, todos dançavam no compasso orquestrado
pelas esposas. Sucedeu que só restou o diabo enganoso com riso fácil por tantas
almas que arrecadou.
MINICONTO: VELA AOS ANJOS - THIAGO LUCARINI
Eu andava pelas cinzas do
que restou do barracão. Tijolos enegrecidos pelo fogo pareciam olhos atentos a
me observar, mas não podiam me julgar, não há condenação maior do que aquela
dentro de mim. Fumaça sobe do rescaldo, eu sinto frio apesar do calor residual.
Os moveis são esqueletos de toda uma vida deposta, a casa agora é um caixão
selado em ruínas, altar do medo infantil do escuro. Meus pés vacilam ante toda
a cena. Não tenho lágrimas suficientes para apagar a memória. Eu não devia ter
deixado a vela acessa junto aos anjos levados de mim.
MINICONTO: VARAL - THIAGO LUCARINI
Eu gritei assustada e
paralisada de medo. Os prendedores do varal começaram a saltar dos arames feito
sapos em fuga, indo ao chão. Minhas roupas recém-lavadas caíam, pois os arames
se agitavam e vibravam tensionados por uma forte opressão. Enquanto um dos lençóis
despencava ele pairou no ar ao encontrar uma resistência não natural. Logo o
lençol seguiu o curso inevitável da gravidade, mas antes de ele tocar o solo
totalmente, eu vi pés sumirem sob sua contraditória brancura floral. Desmaiei.
MINICONTO: DESPEDIDA - THIAGO LUCARINI
Seu marido chegou sem ela
percebê-lo e a beijou afetuosamente. Sentou-se no sofá e pediu para que Suzana
sentasse ao seu lado. Não era incomum, pois ele sempre foi muito amoroso. Na
televisão passava o jornal local. Logo ela fez menção de se levantar, mas Milo
segurou sua mão e na tevê entrou um link ao vivo, noticiando um grave acidente
na rodovia que havia acabado de ocorrer, tinham identificado um dos motoristas
e o jornalista disse o nome completo de Milo. Suzana trêmula se virou para seu
marido, que com olhos marejados e um sorriso, desaparecia.
MINICONTO: LABIRINTO - THIAGO LUCARINI
Os elevadores estavam
desativados àquela hora da madrugada. Xinguei alguns bons palavrões. Cambaleando,
comecei a subir as escadas até o 13º andar. Em alguns momentos escutei portas
se abrindo, passos próximos, vozes distantes. De uma forma incomum para o horário
o prédio estava bastante agitado. Continuei a subir, meu andar não chegava
nunca, e depois de um tempo, percebi que algo estava errado, pois continuei a
subir sem jamais chegar ao meu apê. Eu não acho saída. Meu celular não tem
sinal aqui, olho o relógio e fazem 24 horas que estou preso nas escadas.
MINICONTO: VIGIADO - THIAGO LUCARINI
Sentia-se vigiado. Não
havia lugar dentro de sua casa que não sentia aquela presença. Estava
constantemente arrepiado, calafrios percorriam seu corpo. Detestou estar
sozinho naquela noite. Conferiu por mais de uma vez os cômodos e a área externa
da residência. Trancou todas as portas e janelas. O silêncio que se seguiu era
reconfortante. Concluiu que estava apenas sendo paranoico. Sucedeu que após se
deitar não passou sequer um minuto completo e escutou o som de uma respiração
pesada ao seu lado na cama.
MINICONTO: BANQUETE - THIAGO LUCARINI
Certamente é a refeição
mais gostosa que terá a chance de provar. É a mais cara também. Para estar no
banquete exige-se vestimenta adequada, requinte e elegância. Pela raridade do prato
eventos como esse acontecem de uma a no máximo duas vezes por ano. Há anos de
total escassez também. Observamos todos os preparativos, pois tudo deve ser
feito na primeira hora. Estamos perto, apesar de já passar das quatro da manhã.
Todos os presentes estão eufóricos para experimentar aquela iguaria. Ouvimos um
grito. Salivamos. Finalmente a bolsa rompeu.
MINICONTO: DISTORÇÃO - THIAGO LUCARINI
Sempre que me coloco diante
do espelho vejo aquele monstro de feições desproporcionais sem qualquer
semelhança com uma imagem real. O maldito tem aspecto apodrecido e sujo, cheio
de feridas espalhadas pelo corpo ressequido. Eu não conseguia me pentear, me
barbear direito, escovar os dentes em paz, tirar uma simples foto. A criatura
horrorosa não me dá trégua nunca. Sinto nojo e asco dela. Eu tenho saudades de
me ver, ver o eu e não a substituição, mas todo reflexo é morada dele. Jamais
me vejo. O abominável nunca me machucou nem se insinuou, no entanto, me privou
de mim, do amor e, por isso, eu o odeio.
MINICONTO: ROUPA SUJA - THIAGO LUCARINI
Eu gostava de lavar minhas
roupas na mão com sabão caseiro. Na ocasião, eu lavava algumas peças e aos
poucos a água antes límpida se enchia de espumas brancas. Havia tantas que
quase nem dava para ver as roupas, era a vez de esfregar a cueca do meu
namorado, assim que a peguei do monte submerso, surgiu uma cabeça feminina que
segurava a outra extremidade da peça com os dentes, a coisa avançou sobre minha
mão e me mordeu. Eu gritei de dor, logo já não havia nada ali, porém as espumas
antes alvas tingiam-se de vermelho com o sangue que escorria do rasgo aberto na
minha mão.
MINICONTO: DECOMPOSIÇÃO - THIAGO LUCARINI
O sol a pino fazia as
larvas se agitarem sobre o meu corpo e caçarem um lugar mais ameno do calor
escaldante entre minhas entranhas frias. A quentura fervia os líquidos da morte
dentro de mim, fazendo sangue coagulado e chorume escorrerem pelos poros. Uma
bola de gás subiu pelo meu estômago, empurrando restos de comida apodrecida
garganta acima, Merda saía por baixo também. Insetos desfilavam em passeata
sobre minha carne lamacenta. Aves carniceiras bicavam as partes moles. Eu podia
sentir tudo, não havia dor, porém, era bastante incômodo estar preso ao meu
corpo em acelerada decomposição.
MINICONTO: AMEAÇA - THIAGO LUCARINI
Sou médico socorrista dos
bombeiros. Um dia após chegar do plantão e dar um beijo de boa noite na minha
filha, eu me deparei com a Morte em seu berço. Ela me alertou de que eu estava
interferindo no seu trabalho e que nem todos deviam ser salvos. Agora toda vez
que há uma chamada de resgate, devo estar atento à maca na ambulância, pois se
a Morte estiver sobre ela, eu não devo agir, mas se a maca estiver vazia, posso
seguir com a rotina de salvamento. O que me amedronta é que sempre a Morte
aparece, ela segura uma das bonecas da minha filha numa ameaça clara a sua vida
mal iniciada.
MINICONTO: ANA DO BALÃO - THIAGO LUCARINI
Ana do Balão, como ficou
conhecida, era uma criança mimada e birrenta, que morreu no dia do seu aniversário
num trágico acidente de carro. Dizem que seu espírito vaga pelas estradas,
arrastando um balão murcho. Se ela aparecer no seu carro como uma carona
indesejada, Ana irá te perguntar: “Hoje é seu aniversário?” Se sua resposta for
“não” você perderá o controle do veículo, sofrendo algum revés. Se sua resposta
for “sim” você terá um mal súbito ao volante, causando um acidente. Relatos
afirmam que a resposta para tentar escapar da Ana do Balão é: “Eu não faço
aniversário.” Ou perguntar ao fantasma: “Quando é o seu aniversário?” Fica o
aviso!
MINICONTO: O BATEDOR DE PORTAS - THIAGO LUCARINI
Não é só o vento, dizem
isso apenas para nos acalmar ou negar a situação real. Eu também desacreditava,
mas tudo mudou. Eu fui banhar e deixei a porta encostada, não demorou muito e
ela começou a bater repetidamente, continuei meu banho ao som das batidas. Já
enrolado na toalha peguei na maçaneta e puxei a porta entreaberta para abri-la
totalmente, porém uma força contrária à minha travou a porta, coloquei toda a
minha energia, mas não consegui movê-la. Coloquei a cabeça pela fresta e vi um
ser encarquilhado segurando a maçaneta do outro lado. Ele ria sem me perceber,
eu gelei. A seguir a porta se escancarou, rangendo no vazio.
MINICONTO: VISITA - THIAGO LUCARINI
Eu fiquei responsável por
cuidar da minha sobrinha de três anos naquele dia. Por volta do meio-dia e
meia, ela me encarou, apontou o dedinho para a rua e disse: “Vovó chegô, vovó
chegô.” Eu olhei para fora e não havia ninguém. Minha sobrinha começou a
conversar sozinha como se minha mãe estivesse realmente ali. Minutos depois,
meu celular tocou, no visor apareceu “Mãe amada” atendi: “Falo com o filho da
senhora Paula?” Receoso, confirmei e a voz séria e formal me informou: “Lamento
dizer, mas a Paula sofreu um acidente e veio a óbito...” Tremendo e sem chão,
mirrei minha sobrinha, que brincava inocentemente com a “vovó”.
MINICONTO: COELHO - THIAGO LUCARINI
Aquele coelho de pelúcia
não é um simples brinquedo. Muitos riem de mim, mas falo sério. Eu o peguei
andando pela casa algumas vezes. Meu marido diz que eu estou ficando louca. Só
eu ver não significa que é menos verdade. Já tentei me livrar dele de tudo
quanto é jeito, porém nada adiantou. Durante o dia deixo o coelho preso pelas
orelhas no varal, isso o irrita. Contudo, pelo menos eu sei exatamente onde ele
está. Algo que não posso dizer durante a noite, quando escuto seus passos
macios pelo telhado, dentro de casa. Tirei uma foto dele e se você tiver
coragem de encará-lo por algum tempo, verá que ele se mexe. Por favor, diga-me
que não estou louca.
quarta-feira, 2 de dezembro de 2020
POESIA: A COVARDIA DOS DIAS SEGUROS - THIAGO LUCARINI
Tenho pés que se prenderam
No meio do caminho como se fossem raízes
Já não sigo não avanço.
Parado minhas raízes engrossam
E sussurram: "além do limite há perigo."
Prometem segurança e sombra
Não é fato não é verdade,
Pois coisas estagnadas também tombam.
Plantado no plano intermediário
Da total covardia dos dias seguros
Reconheço que o meio-termo
Não é lugar de voo não é vida.
segunda-feira, 23 de novembro de 2020
POESIA: AUSÊNCIA DE ROUPA - THIAGO LUCARINI
Feito uma roupa velha, às vezes,
Pego um amor passado e o visto.
Sempre sozinho, não ouso torná-lo
Público às lágrimas em mim.
E numa prova de resultado antes já achado,
Eu tento desamassar amarguras,
Remendar buracos deixados pelo descaso,
Em vão, atar botões feitos de ausência.
A roupa velha traz ao corpo
Um novo abraço de último adeus,
Que não serve nem aquece, mas fere, e assim,
É posta de volta na gaveta escura do coração.
MINICONTO: ÁRVORE - THIAGO LUCARINI
De frente a janela do meu
quarto havia uma árvore, uma velha mangueira. Suas folhas ciciavam o tempo todo
me atormentando. Eu a detestava e o sentimento era mútuo. Durante as chuvas, a
árvore sempre quebrava partes do telhado, em noites de ventania, seus galhos
raspavam o vidro da janela, espantando meu sono. Naquela noite o ciciar
infernal me despertou outra vez, encarei a maldita, e pela primeira vez, eu vi
olhos não naturais me encararem de volta. Furioso, fui à garagem, peguei um
machado e comecei a cortar o seu tronco. Já amanhecendo, a árvore tombou,
caindo sobre minhas pernas, decepando-as. Seiva e sangue, carne e madeira se
misturavam na alva, ambos morrendo.
MINICONTO: TROTE - THIAGO LUCARINI
Eu não devia ter passado o
trote. Liguei só para zoar, fazer uma brincadeirinha de leve. Achei que a família
apreciaria um pouco um pouco de humor num momento tão difícil. Mas assim que
desliguei o telefone, aconteceu. Ao meu lado surgiu uma criança com marcas de
estrangulamento e com o torso parcialmente carbonizado. De imediato, reconheci
a vítima do caso e entrei em pânico. O fantasma me persegue há dias. A polícia
e a família ainda procuram, na dúvida e esperança, a criança ou um corpo,
enquanto eu carrego a certeza e o assombro frio da morte.
sexta-feira, 20 de novembro de 2020
MINICONTO: VÍCIO - THIAGO LUCARINI
Minha cabeça doía e
latejava, minhas mãos tremiam, tudo efeito da abstinência do cigarro. Não posso
nem devo voltar a fumar, pois eu vi o horror do vício que me consumia. Na noite
do dia em que tomei a decisão de parar de fumar, eu acordei de madrugada e ao
lado da minha cama estava um ser velho e encurvado, parecia feito de alcatrão,
com olhos acesos como guimbas de cigarro que iluminavam seu rosto cadavérico. O
Vício mascava tabaco, saliva escura de fumo escorria por sua boca murcha e caía
diretamente sobre a minha. O Vício me
observa como um mau agouro, mas ele está enfraquecendo, e assim continuará até
eu apagá-lo de vez.
MINICONTO: CABEÇA FLUTUANTE - THIAGO LUCARINI
O homem repetiu o processo
de captura e depois com toda a sua força puxou o pescado que caiu com um baque
seco na lataria do barco. Com sua lanterna viu que se tratava de um peixe, mas
de uma cabeça humana fisgada pela bochecha, seus olhos eram pálidos e a pele
aquosa, enrugada e cheia de feridas, com as orelhas, ela pulava e se debatia,
tentou morder o homem que tomado por medo e impulso, chutou a cabeça à água,
cortou a linha da vara e caiu sentado. Por um instante, a cabeça flutuante
encarou o homem do limiar das águas feito um jacaré e, a seguir, afundou com um
gorgolejar.
quarta-feira, 18 de novembro de 2020
POESIA - MARGENS DE OUTRO MUNDO - THIAGO LUCARINI
Em telas que nada dizem sobre mim.
Nelas tento avançar as margens duras,
Observo os contornos de outros mundos,
Mas, eu fico somente nas beiradas
Maquiadas e intransponíveis,
Pois não existem margens
Que contemplem um todo.
MINICONTOS: DEVORADOR DE ANJOS E BRINCADEIRA DE CRIANÇA - THIAGO LUCARINI
Eu sou médica plantonista
de uma UTI neonatal, não revelarei meu nome, mas farei um alerta, peço que
acreditem, pois é real. Nas madrugadas dos hospitais, entre sons de
respiradores e monitores cardíacos ronda uma criatura chamada, Devorador de
Anjos, trata-se de uma massa escura e disforme de pura maldade. Ela busca bebês
que por algum motivo foram amaldiçoados por pais cruéis. A criatura,
simplesmente, paira sobre a incubadora ou berço e a criança chora por um
instante, e depois não chora nunca mais. Eu vi, juro que vi. Amem seus filhos
desde o ventre e não digam palavras avessas, pois essa é a única forma de
salvar os anjos do Devorador.
BRINCADEIRA DE CRIANÇA
Ficou ao lado da porta,
escutando sua filha brincar com suas bonecas. Ela dizia: “Como você tá linda.
Como você trabalha. Não precisa ficar emburrada. Tá na hora de fazer o dever de
casa.” A mãe riu baixinho dos comentários inocentes de sua filha e foi quando
ouviu. “Não farei a porra de tarefa nenhuma, piralha.” A mãe sobressaltada
entrou de supetão no quarto, mas lá só estavam as bonecas e sua filha.
MINICONTO: LINHA 112 - THIAGO LUCARINI
Antônio prestava atenção na
conversa de duas senhoras sentadas a sua frente no último ônibus da noite. “...dizem
que não é bom pegar o último ônibus de qualquer linha. Coisas ruins acontecem:
aparições, estupros, seres de outros mundos, violência...” Todo arrepiado
Antônio se levantou e deu o sinal. Já à porta para descer, as velhas o
encararam com olhos leitosos e suas bocas se escancararam até a altura do
peito. O veículo parou com um solavanco e Antônio desceu aos tropeços do ônibus
que, após o fato, seguiu viagem sem nenhum outro passageiro a bordo.
MINICONTO: PÓS-PARTO - THIAGO LUCARINI
Ela não conseguia acreditar
que aquela aberração havia saído de dentro dela. Diziam que ela deveria amá-lo,
mas como? Sentia uma profunda repulsa por aquela criatura molenga de olhos
desproporcionais, barriga grande e boca sempre escancarada de choro ou fome.
Aquela coisa desagradável abriu caminho para a luz através de sua carne,
contudo, não era seu filho. Os tentáculos úmidos, as antenas sensoriais e a
pele opaca e acinzentada confirmavam isso.
segunda-feira, 16 de novembro de 2020
MINICONTO: AMIGO IMAGINÁRIO - THIAGO LUCARINI
Minha filha de seis anos
passou a me olhar com desprezo, depois que começou a falar com um amigo imaginário.
Sua idolatria por mim foi substituída por nítida repulsa. “Filha, o que está
acontecendo?” – Perguntei. Ela olhou para o vazio. “Meu amigo não gosta de
você, papai.” Olhei intrigado para Mirela. “Por que ele não gosta de mim, meu
amor?” Dando de ombros, ela respondeu: “Ele me disse que o papai o matou ao
bater na mamãe, muito antes de eu nascer – Mirela me encara com uma indiferença
fria. – E nós dois não gostamos de quem mata crianças a chutes.
MINICONTO: ADEUS - THIAGO LUCARINI
Augusto veio até minha mesa
logo após o intervalo. “Professora, minha mãe pediu para te entregar minha
agenda depois do recreio.” A professora pegou a agenda e leu o recado da mãe da
criança. Suas pernas amoleceram instantaneamente, sentiu sua pressão cair. No caderno
dizia: “Hoje, eu não buscarei Augusto, pois assim que ler isso, eu já não mais
pertencerei a este mundo. Cuide dele.”
MINICONTO: VISLUMBRE - THIAGO LUCARINI
POESIA: RÁ-RÁ-RÁ - THIAGO LUCARINI
Bem provável que eu seja comédia,
Não que eu ria, rio pouco,
Quase nunca,
Pois flui de mim o mínimo
E a miséria.
Sou fonte de riso para outros,
Riem antes de eu achar graça (divina)
Que os embala frouxos.
Eles têm a comédia das minhas falhas
E a mim resta a tragédia
De um templo erigido em farsas.
Rá rá rá
RESENHA: ENTRE O POEMA E A POESIA EXISTE UM PONTO DE SOLIDÃO DE CALIKCIA VAZ
Poesia, a meu ver, é
um processo interno, é preencher lacunas do ser ou apenas dar vazão a elas.
Ninguém deve estar cheio de vazios. Não posso encarar os poemas deste livro de
forma técnica, pois não tenho capacitação para isso, mas, posso esmiuçar sobre
o que as palavras de Calikcia Vaz me trouxeram. Falarei das poesias num todo
como uma Voz, uma personagem a ser interpretada.
Sobre o livro físico,
a capa é mais que ilustrativa e bela. A qualidade da impressão do Clube dos Autores
me impressionou. O livro é muito bem editado. Há pequenas ilustrações que compõem
um arranjo perfeito. É nítido o cuidado da autora com sua obra, e isso, é
sempre admirável.
A antologia, Entre o Poema
e a Poesia Existe um Ponto de Solidão, é composta por quatro atos: Meus
primeiros versos, Amanhecer, Entardecer e Ao cair da noite, que traz em seu
cerne uma homogeneidade e linearidade muito bem-vindas.
Que fique claro; este
não é um livro de poesias felizes, não há um grande ápice de felicidade ou de
redenção do eu-lírico, pelo contrário, é uma Voz que se afunda em seus
pensamentos, no seu distanciamento do mundo e dos outros. Algo que eu particularmente
gosto muito e me trouxe à mente enquanto lia as poesias pessimistas e de
somenos de Cruz e Souza ou mesmo de Augusto dos Anjos.
Pode-se reconhecer na
Voz as agruras de uma vida, a perturbação da desilusão do amor e do abandono
misturados a um excesso de carência e necessidade de aceitação. Quem nunca? Os
versos de Calikcia são carregados de penúria e lamento, da busca daquilo que
poderia ter sido, claramente, aprisionados em ecos de um passado idealizado que
prometeu felicidade e não entregou. A Voz desestabilizada acostumou-se com a
tristeza dos dias e mente ao dizer o contrário, o que a impede, de seguir, de
fato, adiante. A Voz habita na falta. É um eu-lírico que vacila em busca de
completude e autorrealização no outro, nunca em si, claros nos poemas: Apenas um alguém e Nada encontrei.
Entre o Poema e a Poesia
Existe um Ponto de Solidão de CalikciaVaz não é uma coletânea poética para quem
busca emoções de felicidade instantânea, ao invés disso, é uma descida visceral
ao fundo do poço, é encarar de frente a desilusão e o abandono, a morte física ou
idealizada de um pseudo-amor que mais tirou do que deu.
É a amostra pura e
desnuda de uma alma que visivelmente busca correspondência de vida, cura e
redenção, mais que amor. E, uma obra assim, verdadeira, fala mais de nós, do
que gostaríamos de reconhecer.
Thiago Lucarini
sábado, 14 de novembro de 2020
MINICONTOS: BOA MÃE E LAMA - THIAGO LUCARINI
Minha filha, dissimulada, chorava ao lado do meu caixão. Ela conseguiu embotar minha vida. Mas, agora, depois de morta, não seria tão fácil se livrar de mim, pois uma boa mãe jamais abandona um filho, mesmo que cruel e ingrato.
***
LAMA
Pegou sua lanterna e foi em
direção ao curral. As vacas estavam agitadas. Tinha chovido mais cedo e havia
lama por toda parte. Chegou ao curral, os animais assustados se amontoavam num
canto, mirrou a lanterna na direção oposta, com o susto que levou, deixou-a
cair. Devido ao facho de luz tombado, viu que a lama, feito uma entidade,
engolia metade de uma vaca. O homem caído percebeu que a lama a sua volta,
envolvia o seu corpo, imobilizando-o em seu estômago voraz e insaciável.
MINICONTO: ANTI-HELMÍNTICO - THIAGO LUCARINI
Meu olho esquerdo começou a
coçar poucas horas depois após eu ter tomado um anti-helmíntico. Fui ao espelho
do banheiro e abri meu olho à procura de um pelo ou cisco. Durante a inspeção,
senti umas fisgadas no olho e ouvi o som úmido e viscoso de movimento vindo do
canal lacrimal, algo se arrastava por ele. Vejo o canal se dilatar além do
normal e por ele sair um verme, uma solitária. Ela era delgada e molenga,
asquerosa. Lentamente se deslocava. Lágrimas se converteram sangue. Eu podia
sentir parte dela subindo pela minha garganta e nariz. Não ousei tocá-la, no
desespero, poderia parti-la. Tive que assistir com espanto e dor, o verme sair
de dentro de mim. Maldito remédio que não indicou ao helminto o orifício
correto de saída.
quarta-feira, 11 de novembro de 2020
MINICONTO: BANHEIRO PÚBLICO - THIAGO LUCARINI
Estava super apertado, sua
bexiga parecia um balão perto de explodir, entrou no banheiro público da rodoviária,
o lugar fedia, tinha o cheiro acre e salgado de urina acumulada. Entrou no cubículo
do vaso sanitário e começou a se aliviar, seu xixi se misturava ao de outros. O
misto de urina de tantos tinha uma cor dourada acentuada. Enquanto se aliviava,
encarou o vaso cheio de respingos amarelados, lembrou-se dos refrescos
artificiais da sua infância. Terminou de mijar e sucedeu que uma vontade incontrolável
de experimentar aquela mistura nojenta e espumante o assombrou. Tentado, curvou-se e encostou o dedo na superfície
das várias urinas, tomado por um frenesi inexplicável, levou o dedo à boca. Nunca pensou que sairia do banheiro muito mais
cheio do que entrou.
MINICONTO: NÃO SE ESQUEÇA DOS CHINELOS - THIAGO LUCARINI
Eu morava sozinho. Acordei
no meio da noite com um tap-tap de passos pela casa. Lembrei que havia
esquecido meus chinelos na cozinha, um erro. Algo além deste mundo os trazia
até mim. Diante da porta trancada do meu quarto os chinelos batiam violentamente,
fazendo barulho, não iriam parar. Levantei com o coração saindo pela boca e
abri a porta que tremia ante ao ataque, os chinelos passaram por mim com seu
tap-tap fantasma e pararam ao lado da minha cama. Na próxima noite, eu teria
que me certificar de não esquecê-los longe.
MINICONTOS: MARTELO, LIVRO DA MORTE E CARONA - THIAGO LUCARINI
MARTELO
Enquanto arrumava uma
cerca, martelou o dedo sem querer e descobriu uma estranha satisfação. Após mirrou
o martelo nos próprios dentes, foi como ouvir cerâmica quebrando, a dor o
abalou e o prazer, estremeceu. Em meio ao sangue que pingava, escolheu a próxima
parte do seu corpo a ser esmagada.
***
LIVRO DA MORTE
Quando abri o pacote não
solicitado, destinado a mim pelos correios, descobri apenas algumas poucas
páginas, intituladas “O Livro da Morte” com toda a minha árvore genealógica e
datas das mortes passadas e futuras da minha família. As datas dos já falecidos
estavam todas certas. Chequei meu nome por curiosidade e minha morte estava
marcada para dali a uma semana. Seria uma brincadeira de mau gosto? Seria
verdade?
***
CARONA
A chuva o atrasou. Era
madrugada e ainda não tinha cruzado a divida entre estados. Um carro na pista
contrária da BR vinha com o farol alto, desviou o olhar por um segundo para o
espelho retrovisor e viu uma mulher espectral sentada no banco traseiro do seu
carro. Arrepiou-se, pois viajava sozinho.
MINICONTO: BONECO VUDU - THIAGO LUCARINI
sábado, 7 de novembro de 2020
MINICONTOS DE HORROR - THIAGO LUCARINI
Quando clicou no
ícone do aplicativo a tela do celular se abriu, mas não da forma convencional.
Abriu feito um buraco interdimensional que engoliu e decepou o seu dedo em
segundos. Logo, o celular voltou ao normal, porém sua vida de clicar havia
acabado.
Sua mão escorregou
para fora da cama. Sentiu as lambidas úmidas e quentes de sua cachorrinha. Toda
arrepiada lembrou-se que havia três meses que sua cadela tinha morrido.
As cebolas, as
cenouras, as batatas, tudo cozinhava no molho grosso. Não entendia o porquê
havia demorado tanto para realizar aquele desejo. A carne perfumosa estava
tenra e suculenta. Fez seu prato e sentiu-se à mesa. Salivava. O torniquete em
sua perna esquerda vazava sangue, enfraquecendo-o, não se importou, pois seu pé
cozido parecia apetitoso demais.
***
Ele acordava todas as
manhãs com sua esposa acariciando sua barba. Um hábito que ela não perdeu mesmo
depois de ter sido levada pela doença.
Mãos nervosas a
acariciavam no meio da madrugada. Seus olhos marejavam limpos de qualquer sono.
Queria muito que fosse um monstro hipotético, preferia até o demônio religioso.
Assim, não odiaria alguém tão próximo.
Não entendia o porquê seu
bebê continuava a chorar mesmo depois de tê-lo colocado para dormir no fundo da
banheira cheia de água.
Depois de um tempo sentada
no sofá, sentiu uma mão fria tocar sua pele. Teria que esconder melhor o corpo
do seu ex.
Conversava com sua amiga
pelo Whatsapp trocando mensagens de voz. Reconheceu que em um dos áudios não
era sua amiga quem falava. Uma voz espectral e ruidosa anunciava: “Ela morre
amanhã.”
Ignorou o aviso da amiga. Mas
quando o carro do seu pai travou num engavetamento e viu pelo espelho
retrovisor uma carreta vindo desgovernada, só fechou os olhos.
MINICONTO: VIDRISMO - THIAGO LUCARINI
Seus molares inferiores
esquerdos há dias incomodavam. Analgésicos eram como água. Pegou um espelho de
mão, abriu a boca e olhou. Lágrimas rolaram, deixando rastros em sua maquiagem.
Percebeu que estava com uma maldição rara, chamada, Vidrismo. Era inevitável. Todos os seus dentes humanos
seriam substituídos por dentes de vidro que a cortariam de dentro para fora,
pois uma vez quebrados, voltavam a crescer como facas irregulares e cortantes.
Dando-lhe uma morte lenta e dolorosa.
sábado, 31 de outubro de 2020
MINICONTO: MENTE CRIATIVA - THIAGO LUCARINI
Thiago era um desses
escritores fracassados antes mesmo de começar, mas que realmente fazia das
palavras seu mundo. Por meio de suas histórias ridículas brincava de matar seus
amigos e amores passados. Thiago tinha uma mente cheia de pensamentos
intrusivos, dos quais, aproveitava-se nas suas criações. Porém, tudo mudou no
dia das bruxas daquele ano. As palavras que tanto amou, passou a odiar.
Amaldiçoado pelo Verbo, agora, qualquer ideia torta que tivesse tornava-se
realidade. Descobriu isso do pior jeito. Dentro de um ônibus, voltando para
casa, enquanto uma criança chorava afoita, pensou: “Bem que podia morrer.” O
bebê parou de chorar e a mãe gritou, desesperada. Thiago teve provas, o
suficiente, após, para descartar as chances de ser coincidência. Antes o que
era glória virou um inferno. Thiago tinha que controlar seus pensamentos o
tempo todo, de forma deliberada. Trancou-se em casa, a solidão era salvação,
uma vez que sem matar outros, seus pensamentos venenosos o apodreciam,
literalmente.