segunda-feira, 23 de novembro de 2020

POESIA: AUSÊNCIA DE ROUPA - THIAGO LUCARINI

 
Feito uma roupa velha, às vezes,

Pego um amor passado e o visto.

Sempre sozinho, não ouso torná-lo

Público às lágrimas em mim.

E numa prova de resultado antes já achado,

Eu tento desamassar amarguras,

Remendar buracos deixados pelo descaso,

Em vão, atar botões feitos de ausência.

A roupa velha traz ao corpo

Um novo abraço de último adeus,

Que não serve nem aquece, mas fere, e assim,

É posta de volta na gaveta escura do coração.

 28.09.2020

MINICONTO: ÁRVORE - THIAGO LUCARINI

De frente a janela do meu quarto havia uma árvore, uma velha mangueira. Suas folhas ciciavam o tempo todo me atormentando. Eu a detestava e o sentimento era mútuo. Durante as chuvas, a árvore sempre quebrava partes do telhado, em noites de ventania, seus galhos raspavam o vidro da janela, espantando meu sono. Naquela noite o ciciar infernal me despertou outra vez, encarei a maldita, e pela primeira vez, eu vi olhos não naturais me encararem de volta. Furioso, fui à garagem, peguei um machado e comecei a cortar o seu tronco. Já amanhecendo, a árvore tombou, caindo sobre minhas pernas, decepando-as. Seiva e sangue, carne e madeira se misturavam na alva, ambos morrendo.

MINICONTO: TROTE - THIAGO LUCARINI

Eu não devia ter passado o trote. Liguei só para zoar, fazer uma brincadeirinha de leve. Achei que a família apreciaria um pouco um pouco de humor num momento tão difícil. Mas assim que desliguei o telefone, aconteceu. Ao meu lado surgiu uma criança com marcas de estrangulamento e com o torso parcialmente carbonizado. De imediato, reconheci a vítima do caso e entrei em pânico. O fantasma me persegue há dias. A polícia e a família ainda procuram, na dúvida e esperança, a criança ou um corpo, enquanto eu carrego a certeza e o assombro frio da morte.

sexta-feira, 20 de novembro de 2020

MINICONTO: VÍCIO - THIAGO LUCARINI

Minha cabeça doía e latejava, minhas mãos tremiam, tudo efeito da abstinência do cigarro. Não posso nem devo voltar a fumar, pois eu vi o horror do vício que me consumia. Na noite do dia em que tomei a decisão de parar de fumar, eu acordei de madrugada e ao lado da minha cama estava um ser velho e encurvado, parecia feito de alcatrão, com olhos acesos como guimbas de cigarro que iluminavam seu rosto cadavérico. O Vício mascava tabaco, saliva escura de fumo escorria por sua boca murcha e caía diretamente sobre a minha.  O Vício me observa como um mau agouro, mas ele está enfraquecendo, e assim continuará até eu apagá-lo de vez.

MINICONTO: CABEÇA FLUTUANTE - THIAGO LUCARINI

 

O homem repetiu o processo de captura e depois com toda a sua força puxou o pescado que caiu com um baque seco na lataria do barco. Com sua lanterna viu que se tratava de um peixe, mas de uma cabeça humana fisgada pela bochecha, seus olhos eram pálidos e a pele aquosa, enrugada e cheia de feridas, com as orelhas, ela pulava e se debatia, tentou morder o homem que tomado por medo e impulso, chutou a cabeça à água, cortou a linha da vara e caiu sentado. Por um instante, a cabeça flutuante encarou o homem do limiar das águas feito um jacaré e, a seguir, afundou com um gorgolejar.

quarta-feira, 18 de novembro de 2020

POESIA - MARGENS DE OUTRO MUNDO - THIAGO LUCARINI

 
Eu me perco com anseio

Em telas que nada dizem sobre mim.

Nelas tento avançar as margens duras,

Observo os contornos de outros mundos,

Mas, eu fico somente nas beiradas

Maquiadas e intransponíveis,

Pois não existem margens

Que contemplem um todo.

MINICONTOS: DEVORADOR DE ANJOS E BRINCADEIRA DE CRIANÇA - THIAGO LUCARINI

 

DEVORADOR DE ANJOS

 

Eu sou médica plantonista de uma UTI neonatal, não revelarei meu nome, mas farei um alerta, peço que acreditem, pois é real. Nas madrugadas dos hospitais, entre sons de respiradores e monitores cardíacos ronda uma criatura chamada, Devorador de Anjos, trata-se de uma massa escura e disforme de pura maldade. Ela busca bebês que por algum motivo foram amaldiçoados por pais cruéis. A criatura, simplesmente, paira sobre a incubadora ou berço e a criança chora por um instante, e depois não chora nunca mais. Eu vi, juro que vi. Amem seus filhos desde o ventre e não digam palavras avessas, pois essa é a única forma de salvar os anjos do Devorador.

 

***

BRINCADEIRA DE CRIANÇA

 

Ficou ao lado da porta, escutando sua filha brincar com suas bonecas. Ela dizia: “Como você tá linda. Como você trabalha. Não precisa ficar emburrada. Tá na hora de fazer o dever de casa.” A mãe riu baixinho dos comentários inocentes de sua filha e foi quando ouviu. “Não farei a porra de tarefa nenhuma, piralha.” A mãe sobressaltada entrou de supetão no quarto, mas lá só estavam as bonecas e sua filha.

MINICONTO: LINHA 112 - THIAGO LUCARINI

Antônio prestava atenção na conversa de duas senhoras sentadas a sua frente no último ônibus da noite. “...dizem que não é bom pegar o último ônibus de qualquer linha. Coisas ruins acontecem: aparições, estupros, seres de outros mundos, violência...” Todo arrepiado Antônio se levantou e deu o sinal. Já à porta para descer, as velhas o encararam com olhos leitosos e suas bocas se escancararam até a altura do peito. O veículo parou com um solavanco e Antônio desceu aos tropeços do ônibus que, após o fato, seguiu viagem sem nenhum outro passageiro a bordo.   

MINICONTO: PÓS-PARTO - THIAGO LUCARINI

Ela não conseguia acreditar que aquela aberração havia saído de dentro dela. Diziam que ela deveria amá-lo, mas como? Sentia uma profunda repulsa por aquela criatura molenga de olhos desproporcionais, barriga grande e boca sempre escancarada de choro ou fome. Aquela coisa desagradável abriu caminho para a luz através de sua carne, contudo, não era seu filho. Os tentáculos úmidos, as antenas sensoriais e a pele opaca e acinzentada confirmavam isso.

segunda-feira, 16 de novembro de 2020

MINICONTO: AMIGO IMAGINÁRIO - THIAGO LUCARINI

 

Minha filha de seis anos passou a me olhar com desprezo, depois que começou a falar com um amigo imaginário. Sua idolatria por mim foi substituída por nítida repulsa. “Filha, o que está acontecendo?” – Perguntei. Ela olhou para o vazio. “Meu amigo não gosta de você, papai.” Olhei intrigado para Mirela. “Por que ele não gosta de mim, meu amor?” Dando de ombros, ela respondeu: “Ele me disse que o papai o matou ao bater na mamãe, muito antes de eu nascer – Mirela me encara com uma indiferença fria. – E nós dois não gostamos de quem mata crianças a chutes.

MINICONTO: ADEUS - THIAGO LUCARINI

Augusto veio até minha mesa logo após o intervalo. “Professora, minha mãe pediu para te entregar minha agenda depois do recreio.” A professora pegou a agenda e leu o recado da mãe da criança. Suas pernas amoleceram instantaneamente, sentiu sua pressão cair. No caderno dizia: “Hoje, eu não buscarei Augusto, pois assim que ler isso, eu já não mais pertencerei a este mundo. Cuide dele.”

MINICONTO: VISLUMBRE - THIAGO LUCARINI

            Seu celular desapareceu por 24 horas. Seus familiares o ajudaram na busca, mas nada. No outro dia, o celular surgiu sobre sua cama. Júlio pegou o aparelho, mexeu um pouco, tudo normal. Abriu a galeria de fotos e ali havia algo anormal. O celular estava cheio de fotos dele, no entanto, não deste tempo, mas do futuro. Tinha fotos dele se casando com uma mulher que não era sua atual namorada, ele rodeado de duas meninas, suas filhas. Amou-as imediatamente. Outros momentos aleatórios e, no final, deu play num vídeo. Era a notícia televisionada de um sequestro. Ele se ofertou para ficar no lugar de sua filha, na confusão, houve um disparo que o acertou no meio do pescoço. A tela ficou escura, Júlio tremendo, preferiu não ter encontrado o celular do futuro.

POESIA: RÁ-RÁ-RÁ - THIAGO LUCARINI

Bem provável que eu seja comédia,

Não que eu ria, rio pouco,

Quase nunca,

Pois flui de mim o mínimo

E a miséria.

Sou fonte de riso para outros,

Riem antes de eu achar graça (divina)

Que os embala frouxos.

Eles têm a comédia das minhas falhas

E a mim resta a tragédia

De um templo erigido em farsas.

Rá rá rá

RESENHA: ENTRE O POEMA E A POESIA EXISTE UM PONTO DE SOLIDÃO DE CALIKCIA VAZ

Poesia, a meu ver, é um processo interno, é preencher lacunas do ser ou apenas dar vazão a elas. Ninguém deve estar cheio de vazios. Não posso encarar os poemas deste livro de forma técnica, pois não tenho capacitação para isso, mas, posso esmiuçar sobre o que as palavras de Calikcia Vaz me trouxeram. Falarei das poesias num todo como uma Voz, uma personagem a ser interpretada.

Sobre o livro físico, a capa é mais que ilustrativa e bela. A qualidade da impressão do Clube dos Autores me impressionou. O livro é muito bem editado. Há pequenas ilustrações que compõem um arranjo perfeito. É nítido o cuidado da autora com sua obra, e isso, é sempre admirável.

A antologia, Entre o Poema e a Poesia Existe um Ponto de Solidão, é composta por quatro atos: Meus primeiros versos, Amanhecer, Entardecer e Ao cair da noite, que traz em seu cerne uma homogeneidade e linearidade muito bem-vindas.

Que fique claro; este não é um livro de poesias felizes, não há um grande ápice de felicidade ou de redenção do eu-lírico, pelo contrário, é uma Voz que se afunda em seus pensamentos, no seu distanciamento do mundo e dos outros. Algo que eu particularmente gosto muito e me trouxe à mente enquanto lia as poesias pessimistas e de somenos de Cruz e Souza ou mesmo de Augusto dos Anjos.   

Pode-se reconhecer na Voz as agruras de uma vida, a perturbação da desilusão do amor e do abandono misturados a um excesso de carência e necessidade de aceitação. Quem nunca? Os versos de Calikcia são carregados de penúria e lamento, da busca daquilo que poderia ter sido, claramente, aprisionados em ecos de um passado idealizado que prometeu felicidade e não entregou. A Voz desestabilizada acostumou-se com a tristeza dos dias e mente ao dizer o contrário, o que a impede, de seguir, de fato, adiante. A Voz habita na falta. É um eu-lírico que vacila em busca de completude e autorrealização no outro, nunca em si, claros nos poemas: Apenas um alguém e Nada encontrei.

Entre o Poema e a Poesia Existe um Ponto de Solidão de CalikciaVaz não é uma coletânea poética para quem busca emoções de felicidade instantânea, ao invés disso, é uma descida visceral ao fundo do poço, é encarar de frente a desilusão e o abandono, a morte física ou idealizada de um pseudo-amor que mais tirou do que deu.

É a amostra pura e desnuda de uma alma que visivelmente busca correspondência de vida, cura e redenção, mais que amor. E, uma obra assim, verdadeira, fala mais de nós, do que gostaríamos de reconhecer.

Thiago Lucarini

sábado, 14 de novembro de 2020

MINICONTOS: BOA MÃE E LAMA - THIAGO LUCARINI

      

         BOA MÃE

Minha filha, dissimulada, chorava ao lado do meu caixão. Ela conseguiu embotar minha vida. Mas, agora, depois de morta, não seria tão fácil se livrar de mim, pois uma boa mãe jamais abandona um filho, mesmo que cruel e ingrato.

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LAMA

Pegou sua lanterna e foi em direção ao curral. As vacas estavam agitadas. Tinha chovido mais cedo e havia lama por toda parte. Chegou ao curral, os animais assustados se amontoavam num canto, mirrou a lanterna na direção oposta, com o susto que levou, deixou-a cair. Devido ao facho de luz tombado, viu que a lama, feito uma entidade, engolia metade de uma vaca. O homem caído percebeu que a lama a sua volta, envolvia o seu corpo, imobilizando-o em seu estômago voraz e insaciável.


MINICONTO: ANTI-HELMÍNTICO - THIAGO LUCARINI

Meu olho esquerdo começou a coçar poucas horas depois após eu ter tomado um anti-helmíntico. Fui ao espelho do banheiro e abri meu olho à procura de um pelo ou cisco. Durante a inspeção, senti umas fisgadas no olho e ouvi o som úmido e viscoso de movimento vindo do canal lacrimal, algo se arrastava por ele. Vejo o canal se dilatar além do normal e por ele sair um verme, uma solitária. Ela era delgada e molenga, asquerosa. Lentamente se deslocava. Lágrimas se converteram sangue. Eu podia sentir parte dela subindo pela minha garganta e nariz. Não ousei tocá-la, no desespero, poderia parti-la. Tive que assistir com espanto e dor, o verme sair de dentro de mim. Maldito remédio que não indicou ao helminto o orifício correto de saída.

quarta-feira, 11 de novembro de 2020

MINICONTO: BANHEIRO PÚBLICO - THIAGO LUCARINI

 

Estava super apertado, sua bexiga parecia um balão perto de explodir, entrou no banheiro público da rodoviária, o lugar fedia, tinha o cheiro acre e salgado de urina acumulada. Entrou no cubículo do vaso sanitário e começou a se aliviar, seu xixi se misturava ao de outros. O misto de urina de tantos tinha uma cor dourada acentuada. Enquanto se aliviava, encarou o vaso cheio de respingos amarelados, lembrou-se dos refrescos artificiais da sua infância. Terminou de mijar e sucedeu que uma vontade incontrolável de experimentar aquela mistura nojenta e espumante o assombrou.  Tentado, curvou-se e encostou o dedo na superfície das várias urinas, tomado por um frenesi inexplicável, levou o dedo à boca.  Nunca pensou que sairia do banheiro muito mais cheio do que entrou.

MINICONTO: NÃO SE ESQUEÇA DOS CHINELOS - THIAGO LUCARINI


Eu morava sozinho. Acordei no meio da noite com um tap-tap de passos pela casa. Lembrei que havia esquecido meus chinelos na cozinha, um erro. Algo além deste mundo os trazia até mim. Diante da porta trancada do meu quarto os chinelos batiam violentamente, fazendo barulho, não iriam parar. Levantei com o coração saindo pela boca e abri a porta que tremia ante ao ataque, os chinelos passaram por mim com seu tap-tap fantasma e pararam ao lado da minha cama. Na próxima noite, eu teria que me certificar de não esquecê-los longe.

MINICONTOS: MARTELO, LIVRO DA MORTE E CARONA - THIAGO LUCARINI



 MARTELO

 

Enquanto arrumava uma cerca, martelou o dedo sem querer e descobriu uma estranha satisfação. Após mirrou o martelo nos próprios dentes, foi como ouvir cerâmica quebrando, a dor o abalou e o prazer, estremeceu. Em meio ao sangue que pingava, escolheu a próxima parte do seu corpo a ser esmagada. 


***

LIVRO DA MORTE

 

Quando abri o pacote não solicitado, destinado a mim pelos correios, descobri apenas algumas poucas páginas, intituladas “O Livro da Morte” com toda a minha árvore genealógica e datas das mortes passadas e futuras da minha família. As datas dos já falecidos estavam todas certas. Chequei meu nome por curiosidade e minha morte estava marcada para dali a uma semana. Seria uma brincadeira de mau gosto? Seria verdade?

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CARONA

A chuva o atrasou. Era madrugada e ainda não tinha cruzado a divida entre estados. Um carro na pista contrária da BR vinha com o farol alto, desviou o olhar por um segundo para o espelho retrovisor e viu uma mulher espectral sentada no banco traseiro do seu carro. Arrepiou-se, pois viajava sozinho.


MINICONTO: BONECO VUDU - THIAGO LUCARINI


            Mostrou para o seu namorado, o boneco de vudu que fez dele de zoeira. “Para de ser boba.” – Disse Matheus. “Vamos ver se funciona?” Bia pegou um alfinete e cravou na cabeça do boneco, que frágil se desfez. Ambos riram. Logo, seu namorado levou as mãos à cabeça, segurando-a e começou a gritar descontroladamente. “Para com isso.” – Reclamou Bia, achando ser uma piada. Porém Matheus não parou, ele gritava agonizando. Bia viu surgir no meio da testa dele um buraco que foi gradualmente crescendo, os ossos do crânio de Matheus estalaram e sua cabeça explodiu, cobrindo Bia de sangue e cérebro.   

sábado, 7 de novembro de 2020

MINICONTOS DE HORROR - THIAGO LUCARINI

 

Quando clicou no ícone do aplicativo a tela do celular se abriu, mas não da forma convencional. Abriu feito um buraco interdimensional que engoliu e decepou o seu dedo em segundos. Logo, o celular voltou ao normal, porém sua vida de clicar havia acabado.

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Sua mão escorregou para fora da cama. Sentiu as lambidas úmidas e quentes de sua cachorrinha. Toda arrepiada lembrou-se que havia três meses que sua cadela tinha morrido.

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As cebolas, as cenouras, as batatas, tudo cozinhava no molho grosso. Não entendia o porquê havia demorado tanto para realizar aquele desejo. A carne perfumosa estava tenra e suculenta. Fez seu prato e sentiu-se à mesa. Salivava. O torniquete em sua perna esquerda vazava sangue, enfraquecendo-o, não se importou, pois seu pé cozido parecia apetitoso demais.

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 Meu gato me encarava estático. Era verdade! Os gatos podiam ver os mortos.

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Ele acordava todas as manhãs com sua esposa acariciando sua barba. Um hábito que ela não perdeu mesmo depois de ter sido levada pela doença.

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Mãos nervosas a acariciavam no meio da madrugada. Seus olhos marejavam limpos de qualquer sono. Queria muito que fosse um monstro hipotético, preferia até o demônio religioso. Assim, não odiaria alguém tão próximo.

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Não entendia o porquê seu bebê continuava a chorar mesmo depois de tê-lo colocado para dormir no fundo da banheira cheia de água.

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Depois de um tempo sentada no sofá, sentiu uma mão fria tocar sua pele. Teria que esconder melhor o corpo do seu ex.

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Conversava com sua amiga pelo Whatsapp trocando mensagens de voz. Reconheceu que em um dos áudios não era sua amiga quem falava. Uma voz espectral e ruidosa anunciava: “Ela morre amanhã.”

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Ignorou o aviso da amiga. Mas quando o carro do seu pai travou num engavetamento e viu pelo espelho retrovisor uma carreta vindo desgovernada, só fechou os olhos.

MINICONTO: VIDRISMO - THIAGO LUCARINI

Seus molares inferiores esquerdos há dias incomodavam. Analgésicos eram como água. Pegou um espelho de mão, abriu a boca e olhou. Lágrimas rolaram, deixando rastros em sua maquiagem. Percebeu que estava com uma maldição rara, chamada, Vidrismo.  Era inevitável. Todos os seus dentes humanos seriam substituídos por dentes de vidro que a cortariam de dentro para fora, pois uma vez quebrados, voltavam a crescer como facas irregulares e cortantes. Dando-lhe uma morte lenta e dolorosa.

POESIA - ÁGUA - THIAGO LUCARINI

Minha alma flutua

Em águas solitárias.

Não há ondulações

Nem bolhas

Nem peixes.

Só eu,

Água.