quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

CRÔNICA - FRUTICAÇÃO DO HUMANO - THIAGO LUCARINI


Gentileza é a frutificação do humano em si. Devolver um passarinho ao ninho depois do tombo e do susto será sempre um trabalho difícil. Poucos se aventurarão a subir nos galhos da árvore, arriscar arranhar-se ou igualmente cair sob a ingratidão da ave-mãe, porém, seguir sem fazer nada é causar maior fratura na alma, é estar tombado antes mesmo de cair. Ser gentil é deixar o ego de fora, é tirar a própria pele por alguns minutos para o outro vestir, é pôr suas necessidades de lado e aliviar o fardo daqueles que precisam de maneiras tantas. Estender a mão, ouvir, sentar junto, ceder seu silêncio, elogiar, compartilhar o pouco, alegrar-se com a felicidade, sorrir sem pretensão, chorar pela injustiça do dia. Certamente, a gentileza não santifica, mas é parte das virtudes daquele que quer ser mais próximo de Deus e o mais longe possível de um babaca.  

POESIA - RIGOR MORTIS - THIAGO LUCARINI

Sou de um tempo
Onde a carne é mais mole
A preguiça e o tédio são mais presentes.
Nascemos cozidos, tenros e insossos
Não endurecemos as linhas da luz
Somos terra quase infértil
De poucas intempéries,
Nossas plantas são rasteiras
Precisam de apoio baixo,
Pois têm a languidez de crescer pro alto.
Este tempo ocioso gera carne mole
Gado de fácil abate
Sequer temos na morte
Rigor mortis, afinal
Não houve em tempo algum
Rigor qualquer.

terça-feira, 30 de janeiro de 2018

POESIA - DE VOLTA AO LUTO - THIAGO LUCARINI

Preparo-me para voltar à sepultura,
Ao frio úmido da baixa e habitual cova
Reencontrar-me com os vermes à espera.
Acabou a promessa de amor, o calor,
Toda a felicidade do que poderia ter sido.
Volto ao luto, ao cinza, às cinzas, à chuva,
Ao desbotado da vida, às palavras mortas
Volto ao triste eu de antes, à inércia doída.
Em metamorfose contrária eu comerei minhas asas,
Dormirei por longo tempo feito crisálida e um dia


Acordarei feia fria e solitária lagarta novamente.

segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

POESIA - A QUEM FOR DE INTERESSE - THIAGO LUCARINI

A quem for do devido interesse
Aceite meu singelo e silencioso coração.
Aviso: Tenho pouca experiência em amar,
Grandes aprendizagens com a solidão,
Sou tímido, carinhoso e valorizo espaço.
Meu coração está conhecendo agora
As cores das primaveras dos amores,
Por isso, seja gentil e tenha paciência,
Pois errarei, falharei, mas a intenção maior
É plenamente amar e ser feliz.

POESIA - SINTOMATOLOGIA DA SUPERAÇÃO - THIAGO LUCARINI

É fácil falar
Daquilo que já não existe mais.
O coração não acelera
As mãos não ficam trêmulas
A boca não seca
As palavras não se perdem
As pernas não amolecem
Não há mais frio no estômago.
Quando todo o desconforto embaraçoso
Simplesmente não reage ao corpo
É sinal de que a paixão passou
E novos caminhos estão abertos.

sábado, 27 de janeiro de 2018

POESIA - SEMÂNTICA DO CORAÇÃO - THIAGO LUCARINI

Meu coração gira, é carrossel
Acompanhando a rotação das estrelas
É o desejo de ser brilhante infinito na escuridão.
Amor de poeta é assim
Buscar o distante e singelo
Para fazer morada em palavras
Infinitamente maior que o tempo
Apesar da ferrugem que as consome.
Mesmo que minhas palavras de plumas
Desprendam-se de o seu significado
Que possuem no leito do hoje transitório
O sentido do meu amor resistirá,
Pois não há espaço de tempo capaz
De dissolver aquilo que semeei
Com a certeza semântica do coração.

POESIA - AMOR EM CURA - THIAGO LUCARINI

No início o amor
É feito queijo em produção.
O coração vai juntando
Os coágulos ilhados de felicidade
E aglomerando-os em unidade sistemática
Até formar uma massa uniforme.
Neste estágio de maior umidade
Devido ao soro o amor é de fácil perda,
Pois não tem muita estrutura
E a assepsia do receptor coração e suas mãos
Pode ser um tanto duvidosa.
Com sabedoria e o com avançar do tempo
O queijo sob precisa e cuidadosa pressão
Vai livrando-se do exsudato de instabilidade
Dando densidade e compactando os buracos internos,
Possíveis causas de uma dolorosa ruína em si mesmo.
Desta forma, o amor em deliciosa e paciente cura
Solidifica-se, porém mantendo imprescindível maciez
E cremosidade, tornando-se mais resistente e refinado.
Os sabores acentuam-se e a deterioração
Passa a ser pouco provável de ocorrer.
O amor, uma mesa, um vinho,
A vida em degustação perfeita.

sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

POESIA - DUAS DIMENSÕES - THIAGO LUCARINI

O verbo não me compreende,
Pois falha em dizer o que sou.
A palavra reta e asséptica não me comporta
Uma vez que apara minhas nuances mais íntimas.
Eu feito carne do verbo sou sem ser o todo que sou
Talvez seja sol, chuva, parede, ventania, corte ou cura.
É paradoxo, distorção, insubmisso significado
Não há velha ou nova palavra no dicionário
Que me vista como decorativo e apertado rótulo.
Não que eu seja grande e a palavra pequena
Apenas somos duas dimensões que não se completam
Verdadeiramente.

quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

POESIA - ESTACAS DE MARCAÇÕES - THIAGO LUCARINI

A carne não pertence ao tempo.
Não aceito por mais que digam o contrário
Relato próprio de um coração suspenso
Das marés de ponteiros e estacas de marcações.
Velejando por canais de amor
Não há tempo que me ancore
Longe das ilhas do teu olhar,
Não há tempo que construa distância,
Que desfaça os nós da trama de sonhos
Que fiz para ser estrelas pelo nosso caminho. 

terça-feira, 23 de janeiro de 2018

POESIA - MÃOS DE PÉTALAS - THIAGO LUCARINI

Gostaria de ter te encontrado em outro tempo
Num período em que a primavera falasse de amores
Que o Sol fosse de amenidades e o vento soprasse fresco,
Mas é inverno, período de reclusão e forte frio.
Meu toque frágil e delicado não pode te aquecer
Há algo morrendo dentro do identificável
Da tua alma invernal, o brilho desapareceu, neva forte
E a opacidade gruda feito catarata nos teus olhos de antigo fogo.
Eu sou flor fora de temporada tentando inutilmente
Perfumar-te, fazer-te fruto especial de rica saciedade,
Porém tal ato às minhas mãos de pétalas não cabe na estação
Resta-me ser aborto de cuidado, algo em desuso no jardim.

segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

POESIA - FAÇA AFIADA - THIAGO LUCARINI

Tenho em mim
A impaciência dos dias felizes (sem tê-los)
A ansiedade de uma vela que se consome
A desfeitura de uma nuvem que quer chover
A pressa das flores na seca do jardim
O desespero dos espinhos em proteger.
Tudo isso é pura necessidade de te ter
Nos meus braços vagos de suspiros e amores.
Tenho muito tempo para esperar por ti
Mas minha mente não relaciona
Na presença dos dias a coerência
Com os ponteiros que andam calmos.
Meu coração traiçoeiro e inexperiente
Faz faca afiada de uma única sentença:
Quando te terei para ser junto a mim?

POESIA - CHAVE NEGADA - THIAGO LUCARINI

M(eu) lar está abandonado
Segue sob traços incompreensíveis
Do hoje instalado como estigma.
Sem lar m(eu) coração não tem lugar,
Terra para fixar boas raízes.
Sou errante feito pé de vento
Não há aderência nem paredes em mim.
O voo eterno é desgastante e frio
Sigo desabitado, invalidado,
Nas mãos uma chave negada
Sem porta comum para abrir.
Sou passo solto ao acaso, solitário,
Esvanecendo nas areias de um deserto.

domingo, 21 de janeiro de 2018

POESIA - FRATURAS DAS ROCHAS - THIAGO LUCARINI

O dedão do pé
Que topa com a pedra
Veio pelo caminho errado,
Afinal, a pedra já estava ali
São ossos sem identificação.
Assim também vim eu
Até então indiferente
Por estradas tortuosas e duvidosas
Cheias de pedras e imprevisibilidades.
Não topei com fraturas de rochas,
Mas achei-me diante de um algo ferido
Necessitado de gesso, amparo, bom tempo.
Imaginativo, sorri intuindo alguma mudança
Quis curar seu canto, suas asas, seu voo.
Senti-me inútil ao perceber-me incapaz
De tal feito, algumas salvações não nos cabem
A autoproclamação de qualquer virtude é desgraça
Meu zelo disposto jamais poderia curar o quebrado de antes.

CRÔNICA - ÓCIO EMOCIONAL - THIAGO LUCARINI

Há sempre um sentimento de desesperança em algo que se finda. Um café que esfria, ponto final na poesia, os créditos do filme, o crepúsculo no final do dia, o amor de dois amantes. Independente do que foi bom e prazeroso, parece-me haver um quê de pesar, de não repetência, luto por uma felicidade já passada, desconexão de continuidade, como se não fosse voltar a acontecer. É um tanto da preguiça de recomeçar a luta pela euforia, ou talvez, seja meu medo de despedidas ao humano ou mesmo pelo inanimado e poético das tangíveis margens cotidianas, medo de mergulhar nestas linhas de tempo feitas de ínfimos adeuses, o término da ação, parar o verbo em sua potência de ser na carne o instante de raríssima alegria. No fundo, não quero consagrar meus sorrisos ao nada desconhecido, poética morte, a este período que não é de felicidade ou tristeza, ócio emocional, fora do desequilíbrio normal e monótono da vida. Continuamente penso que aquele pode ser meu último café, minha poesia final, meu derradeiro amor. O engraçado e complicado é que toda esta momentânea melancolia passa ao raiar de um novo dia, contradizendo todo meu eu. E o ciclo de oscilação recomeça, sempre que algo inanimado, poético ou humano termina diante dos meus olhos.

sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

POESIA - A RODA DO DIA - THIAGO LUCARINI

Você ainda me dói.
A roda vagarosa do dia
Insensível vai passando 
Sobre minhas defesas 
Fazendo dos meus ossos, areia,
Feito cruel martelo.
Pensar é doloroso
Esperar é penitência
Sentir é perigoso.
Feridas vão surgindo
Na mesma proporção
Em que se curam.
Quando se dói por amor
A qual deus eu devo recorrer?

quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

POESIA - O ROUBO DOS LENÇÓIS - THIAGO LUCARINI

Ela dormia plácida
Feita de maciez e alva
Ronronava pequenos sussurros
Como se fosse doce nuvem
Querendo chover alegrias inconfessas
Ao dia do lado de lá da janela.
Apenas um leve rubor de cálida vida
A diferenciava do resto da cama
Eram uma unidade singular
De pertencimento idêntico.
Aproximei-me nas pontas dos pés
E a beijei despertando-a do ouro do sono.
O sol nasceu azul no jardim do quarto
Assim por laço a roubei dos lençóis.

POESIA - JOIA DE NÁCAR - THIAGO LUCARINI

Eu estava tão seguro
Vivendo por dentro
Feito paciente ostra
Cultivando sua pérola,
Polindo, moldando,
Fazendo joia de nácar
Para o abusado mar
Sorrateiro vir e roubar.
Uma onda veio sobre mim
E levou meu coração de conta
Resta saber se ao amor ou solidão.

POESIA - LUZES QUEBRADAS - THIAGO LUCARINI

As luzes distantes são resquícios de mim
Pedaços de um tempo de boa iluminação.
Brilham pelo caminho em forma de palavras
Cacos quebrados espalhados em velhos postes,
No brilho singular de tímidos vaga-lumes,
Nos sonhos das estrelas fixadas no nada
No sorriso de tímidas poesias em linhas.

POESIA - INFIEL - THIAGO LUCARINI

Há algo de infiel
No meu semblante
Quando vejo o amor.
Não consigo passar
Com um rosto duro.
Ao amor é permitido
Romper a máscara fria do dia
E fazer-me florescer sorrisos.

segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

POESIA - CRUZ VERMELHA - THIAGO LUCARINI

Ainda é tão fácil achar-me na tristeza
É uma espécie de segunda pele, laço.
Oro às minhas velhas estrelas internas
Em busca de orientação além do sono.
Ceder ao cansaço, a desilusão, ao calar
Das palavras não é tarefa impossível.
No final do dia a alma sempre pesa
Colher flores ou sorrisos amenizam,
Porém quando fecho os olhos
Minha cruz acende em vermelho
E uma eternidade de silêncio
Grita dentro de mim:
“Descanse em paz.”

POESIA - O ÚLTIMO EU TE AMO - THIAGO LUCARINI

Diga-me o último: eu te amo
E eu irei, partirei, vagarei
Por terras sem cor nem prata ou sal
Como se tu nunca tivesses existido.
Levarei meu coração partido
E no bolso do peito, meu consolo
Ao maldito dito, meu último:
“Eu te amo.”
Quem sabe nestas terras de adeuses e ferrugem
Serenos, singulares e singelos
Finalmente eu encontre pouso
Numa boca mais gentil.

sábado, 13 de janeiro de 2018

POESIA - PULO DO NINHO - THIAGO LUCARINI

Minhas asas maduras
Não cabem mais
Dentro do passado ninho
E me expulsam
Para o verde mundo.
Impelem-me ao voo
Que por longo tempo
Neguei-me por medo.
Enormes e coloridas gritam
Pelos ventos, novos ares,
Maior morada, melhor amor.
Corajoso, pulo do ninho
Rumo ao infinito
E é-me como se eu
Sempre tivesse voado.

POESIA - IDEAL ÉBRIO - THIAGO LUCARINI

A idealização do outro
É a utopia do sonho
E o veneno da alma.
Fantasiar sobre a perfeição
Atitudinal recíproca
É um caminho ilusório
Seu fruto é pedra
Sobre a cabeça
Ferida de contrariedade.
No ideal estão contidos
Anseios, desejos, sorte,
Compensações, retribuições,
Amor e valor hiperbólicos.
Idealizar é beber sôfrego
Doze doses doces de sofrer
E arcar com uma ressaca
De sentidos descoloridos.

POESIA - COMO O CÚPIDO SOBREVIVEU? - THIAGO LUCARINI

Corresponder ao amor de alguém
Não é uma simples questão de match ou química
Não é uma pura questão de gostos compartilhados
O amor não se sujeita a tais regras, pois é absurdo.
Todo o anterior facilita, mas não determina
Muitas vezes amamos o contrário de nós, o criminal,
O mais estético, a distância do toque ou do olhar,
Afinal, o amor não é racional e tem base instintiva,
Cria insubmissa das raízes emocionais em nós.
Corresponder mutuamente é trabalho
De uma ligação maior de sentidos e sensos
É equivalência de almas em sintonia
(mesmo que não totalmente pragmática).
Visto isto, é de se esperar que sejamos negados,
Deixados à deriva, é humanamente essencial
Não aceitar todos os amores postos à nossa mesa
Uma vez que nem todo amor é capaz de saciar a fome
Sentimental que vamos construindo no velejar da vida.
A rejeição dói, contudo, nos prepara para um novo ciclo,
Um alvo sorriso, e quem sabe, correspondência proporcional. 

POESIA - VAGÃO CARREGADO - THIAGO LUCARINI

A beira da linha do trem
O homem observa atentamente
As vidas que se vão nos vagões.
Cada janela passa numa fração
Cada rosto não é mais que um borrão
Todavia um deles será eterno destino.
Uma vida inteira passa diante
Dos olhos molhados do homem.
O vento lança fora o seu chapéu,
Mas a queda verdadeira é do homem.  
Tudo não dura mais que um instante
Logo os trilhos estão vazios
Moendo o silêncio que restou
E seu coração é velho vagão
Abandonado carregado demais
Numa ferrovia de indistinto fim.