terça-feira, 24 de abril de 2018

POESIA - FILHO DE QUEIMADA - THIAGO LUCARINI

Filho de cruel queimada
Sou cinza que voa alto,
Uma vez queimado não há
Altura que me salve deste não ser.
Deve haver algum céu
E em algum lugar deste
Anjos furta-cores que me ouvem.
Voo alto, disperso no vento,
De asas incendiadas e distorcidas,
Diluído no limbo do meio caminho
Em dura negritude só resta-me cair,
Desfazer-me no vermelho da terra baixa
Para de vez achar-me findo nalguma
Viva última cor longe da cinza palidez.

domingo, 22 de abril de 2018

POESIA - ESTRELAS E LAMPARINAS - THIAGO LUCARINI

As lamparinas enfileiradas
Suspensas no fio do véu 
Imitam as estrelas penduradas
No vasto largo do infinito céu. 
São luzes naturais e artificiais
Guiando pequenos mortais
E seus sonhos de papel.

sábado, 14 de abril de 2018

POESIA - CESTA DE MAÇÃS VERMELHAS - THIAGO LUCARINI

O tamanho e as proporções
fazem o engano mais perfeito;
João Cabral de Melo Neto.

Ali tão perto do corpo
Há uma cesta de maçãs vermelhas
Tenras e suculentas, tão vivas
Tão ilusoriamente castas, perigosas,
Insidiosas e promíscuas
Atiçando minha fome e desejo.
Mas fora-me irrevogavelmente dito:
Podes comer de qualquer outro fruto menos deste.
Minha boca secou, meus sentidos morreram.

As outras coisas-frutais têm gosto de nada
As malditas maçãs rubras da cesta não murcham
Não têm grotescos vermes nojentos aparentes,
Não apodrecem, não fedem, não definham,
Burlam o tempo com uma graça não natural
E parecem a cada dia, mais gostosas.
Quanta tentação, quanto sofrimento por este
Pomo calombo incômodo no coração sôfrego.

As maçãs vermelhas e absínticas
Estão ali, ansiando meu toque sereno,
Uma mordida devassa, minha perdição.
Um teste diário de fé e obediência
Daquele que deixou a cesta de maçãs
Derredor e tão, mas tão somente proibida.
Sigo sob o signo de autoflagelo e reclusão,
Não sei até quando permanecerei imortal
Preso nestes quilates de metros quadrados
Deste jardim da Criação primordial.

POESIA - DESCONSTRUÇÃO DE VERDADES - THIAGO LUCARINI

Os anos que me faltam
Roubam-me certa sapiência.
Que muros entre entendimentos
Não nos definam ignorantes.
Tijolo por tijolo de diálogo
Que seja a desconstrução
De barreiras que nos eleve
Aos pensamentos mais nobres.
Que nos livremos sem remorso
Da egoísta necessidade
De converter o alheio
A uma verdade que não lhe cabe.

quarta-feira, 11 de abril de 2018

POESIA - CRIANÇAS E CORVOS - THIAGO LUCARINI

Sentados no velho banco
Do lado de fora da igreja
Alguns dão migalhas de pão
Às crianças e aos corvos
Não fazem singular distinção
Entre a inocência roubada
E a morte anunciada de si.

terça-feira, 10 de abril de 2018

POESIA - MANEIRA FRIA - THIAGO LUCARINI

Quem vive de mentiras
Enterra-se num campo de ilusões,
Cobre-se com cobertor que não aquece,
Tem a indumentária cheia de buracos,
O caminho é extinguível, tortuoso e falho.
Qualquer tempestade revela a fragilidade
Dos seus pilares insuficientemente sustentados.
No acúmulo da enxurrada cáustica
As flores sem raízes se vão desfeitas
E de cara lavada é preciso recomeçar
A cultivar novas idealizações alegóricas.
Mentir é fazer-se reluzente a cada dia
De uma maneira fria e terrível, infiel.
É rolar incansavelmente a pedra de Sísifo.   

segunda-feira, 9 de abril de 2018

POESIA - ÉDEN PROIBIDO - THIAGO LUCARINI

Teu amor me fora
O fruto do Éden jamais provado
Não cometido pecado.
Cumpri respeitosamente
Toda proibição imposta.
Não houve desculpas, perdão,
Toque, prova, esperada agitação.
Teu Paraíso sem contaminação
Existe tão somente longe de mim,
Imaculadamente virgem e perfeito.
Teu Céu intacto é meu estéril inferno,
Meu degrau descendente rumo à derrocada.

sábado, 7 de abril de 2018

POESIA - ESTACA DA MADRUGADA - THIAGO LUCARINI

Na madrugada as paredes rugem
Tempestades sem água. Clamam
Os horrores acumulados durante o dia,
Trovejam tudo o que foi carregado
Nos seus horizontes de concreto quadrado.
No vazio sepulcral da meia-noite ida
O homem que vaga no quarto
É estaca instável, tenta em vão,
Segurar a noite, os sonhos, a vida,
Mas inevitavelmente está preso
A solidão de ontem e aquela
Que se somará ao raiar do Sol no novo dia.

POESIA - ATÉ O FIM EM PAZ - THIAGO LUCARINI

Queria poder te dizer
Que minha vida seguiu bem
Que não houve chuva nem tempo ruim
Que não houve feridas por desmoronamento
Que existiu Sol e um jardim de margaridas
Cercado por uma cerca perfeita e uma varanda sombreada.
Que não doeu nem dói mais enganar-me
Ao devanear sobre expectativas e ilusões
Que não fiquei refém de promessas ditas e não ditas.
Queria poder te dizer que nada ficou mal resolvido
Que fui maduro o suficiente,
Competente ao administrar meu coração
Que tua lembrança não foi um problema no meu após
E que segui até o fim em paz.    

sexta-feira, 6 de abril de 2018

POESIA - PÁSSAROS NÃO PINTAM A CHUVA - THIAGO LUCARINI

Pássaros na gaiola
Não pintam a chuva de outra cor.
Do céu veem sempre a mesma água cinza
Sem canto sem tom só chumbo duro
A fortalecer as barras da jaula
Onde a linha do horizonte
Morre nas pontas das asas.
As paredes vazadas são sequelas
Milimetricamente abertas para a dor
Só entrada sem saída sem vida.
Pássaros na gaiola desprovidos de tinta
Não pintam a chuva de outra cor.

quinta-feira, 5 de abril de 2018

POESIA - VELEIRO - THIAGO LUCARINI

Ajustar a vela
Fazer a correção de curso
Ser levado pela maré
Para fora de rota outra vez. 
Observar as estrelas, o vento, 
A possibilidade de naufrágio. 
Ajustar a vela…