segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

POESIA - ESPINHO - THIAGO LUCARINI



Serei o espinho da rosa,
Pois se irei te machucar

Quero primeiro oferecer-te
A maciez e o perfume, a ilusão.

Para só então roubar
Uma gota do teu rubro sangue

E tingir a mim e as pétalas brancas
Deste céu rosáceo e sacro logo acima,

Assim, firmarei nosso laço de amor.
Perdoe-me pela pungente dor do meu beijo

Tento verdadeiramente ser gentil,
Porém minha função é ferir

Mesmo que isso me doa
Tanto quanto a ferida aberta em ti.

Somente furando tua delicada pele
É que posso ver sua alma forte.

Sou o esteio, o varão, a guia,
A esperança de futuro dos botões.

Sou a cerca imposta ao natural
E um lembrete da falha estética.

POESIA - VIGILÂNCIA - THIAGO LUCARINI



Você seguiu pelo caminho de pedras.
Fiquei daqui olhando teu avanço descuidado.

Ao meu lado, vi a árvore da minha espera
Perder suas folhas, ficar nua, tremer de frio

Ante a solidão do nosso ninho desfeito.
Por mais distante que fosses, eu ainda a via,

Mas não sei como. Talvez, a árvore me emprestasse
Sem eu saber seus olhos altivos e vigilantes,

Talvez, ela tivesse mais esperança do que eu,
Pois desde que partiu, boa parte do jardim murchou.

Restam algumas flores desbotadas e feias,
Muitos arbustos espinhentos sem frutos.

E toda tormenta que se abate sobre nós
É mais doída, mais fria e bem mais difícil de passar.

Sigo debaixo da nossa árvore, sob a sombra,
Juntos esperamos que volte a fincar raízes aqui.

POESIA - SELEÇÃO - THIAGO LUCARINI



Talvez sejam as cerejas
Ou os pêssegos
Ou o pomar inteiro.

Não quero restringir os sabores,
As sombras, os toques, as resistências.
Desejo experimentar, atiçar o paladar.

Decidi ser um pássaro que se serve de tudo.
Do voo ao andar pelo chão como se não tivesse asas,
Das frutas aos grãos, das pedras as flores, da fome aos vermes.

Só não quero definir um algo favorito.
Talvez sejam as cerejas ou os pêssegos
Ou o pomar inteiro.

POESIA - A PAREDE E A CADEIRA - THIAGO LUCARINI



A parede
Ofereceu sua amizade
A cadeira.

Próximas, viviam bem,
Porém a cadeira todos os dias
Ao ser arrastada, ralava um pouco

Da parede até então intacta.
Todo dia, ia embora um pouco de tinta,
Um tantinho de cimento. O buraco

Foi-se abrindo. A parede fiel
Sem poder se mover a tudo suportava,
A cadeira não se sentia culpada por nada,

Pois era indiretamente que machucava a parede,
Aquela que lhe ofereceu desinteressada amizade.
A ferida cresceu, cresceu e cresceu

Até achegar ao ponto em que a parede
Não suportou mais o próprio peso
E desmoronou matando a cadeira.

Findou-se a casa,
E a amizade.
Indiretamente.

POESIA - VAIDADE - THIAGO LUCARINI



O homem
Despido
De toda vaidade
Não estará nu,
Pois, certamente,
Arranjará
Outra roupa
Igualmente brilhante
Ou feia
Para se vestir.