segunda-feira, 30 de outubro de 2017

POESIA - ABORTO DO AÇÚCAR - THIAGO LUCARINI

Tenho a alma velha
Cheia de cansaços
Que não se atêm
A idade que pertenço.
Sou um fruto contrário
Que passou do ponto
Enquanto ainda verde.
Fui um aborto do tempo,
Sem açúcar ou paciência
Nas mãos do amadurecimento.
Inversamente ao doce,
Azedei indevidamente.
Quando era para eu ter
Belas cores, escureci e caí. 

sábado, 28 de outubro de 2017

POESIA - COROA TORTA - THIAGO LUCARINI

Vulnerabilidades tenho eu
Nos meus desejos perniciosos
Que corrompem e apodrecem
Minha alma. São espinhos na carne,
Febre e dor de contaminação insidiosa.
O expurgo é doloroso, extirpar requer
Remover pedaços da infecção e nova dor,
A culpa é bônus permanente e coroa torta.
Aqui qualquer santidade é bálsamo,
Supressão do mal imoral vermelho em mim. 

quinta-feira, 26 de outubro de 2017

POESIA - BOCA DE SINO - THIAGO LUCARINI

Arregacem suas bocas
Feito os sinos da igreja
E repiquem seu grito mais fino.
Clamem ao Céu enxofrento
De purgação e transição,
Última salvação antes
De o novo Paraíso descer
Sobre nossas cabeças velhas.
As auréolas depõem-se
Sem a perda de santidade
Para estarem na terra.
Estamos destinados a viver
Em glória debaixo do mesmo céu.

segunda-feira, 23 de outubro de 2017

POESIA - CEGO FIEL DE FERRO - THIAGO LUCARINI

The balance distinguishes not between gold and lead.
Mahoutsukai no yome

Invejo eu a sabedoria
Da balança que não diferencia
Em si a nobreza dos metais postos em si.
Gostaria que meu coração
Fosse cego para alguns sentimentos
Mas ele está sempre pendendo
Ao mais grotesco dos aspectos
Enquanto o quilate é desprezado.
Há catarata estupidificante no olho do fiel
E os pratos preferem o volume à qualidade. 

domingo, 22 de outubro de 2017

POESIA - ABAYOMI - THIAGO LUCARINI

Feita de lúdicos nós
Para suportar a travessia
Para aliviar a carne ferida
Para manter as raízes da terra deixada.
Algodão cru, amor, inocência perdida,
Alegria lá, além-mar, longe das amarras.
Segue o navio negreiro nas águas indiferentes
Cada Abayomi é âncora à lucidez infantil
E consola minimamente a dor das correntes
Dadas em troca de nada.

sexta-feira, 20 de outubro de 2017

POESIA - BARBITÚRICO - THIAGO LUCARINI

Inconsistente, quero eu
Um sonho barbitúrico.
Achar-me tranquilo
Na desfeitura de uma nuvem
Ser precipitação eminente
Descansar na queda de cada pingo
E nos seus ossos líquidos
Encontrar boa sustentação, asas,
Melhor maneira de seguir
Sobre as pedras da vida
Fluir sobre a insensatez sólida
Encontrar aceitação na secura das rochas
Ser feliz sem forma ou regra definida
Ir além da monocromia de certos arco-íris
E após cansar da liquidez, evaporar-me
E refazer todo o ciclo primitivo de mim:
Pingo-comprimido, comprimido-pingo.
Eterno movimento de fuga. 

quarta-feira, 18 de outubro de 2017

POESIA - BRILHO AMPUTADO - THIAGO LUCARINI

Feito a parte
Amputada
De uma estrela
Que morreu,
Seria o brilho
Fantasma residual
No leito líquido
Do infinito?
Seria ele a prova
Que um pedaço
Da alma brilhante
Sempre irá ser
Mais forte que o fim?

POESIA - BOTÃO DISTORCIDO - THIAGO LUCARINI

Sou flor
De eterno botão.
A repressão
Deformou-me.
Não tenho
Coragem de expor
Minhas pétalas retorcidas.
Não fecundo
Escurecerei
Não darei fruto
Feio
Morrerei só.

terça-feira, 17 de outubro de 2017

POESIA - O GERÚNDIO DO AGORA - THIAGO LUCARINI

A soma de todos os ontens
Mais os infinitos amanhãs
Resulta no insubstancial agora.

O agora é um tempo gerúndio.
Portanto nunca é, pois está sendo sempre
Não cabe na hora, minuto ou segundo.
Antes mesmo de o final da pronúncia
Já deixou de ser, desprendeu-se do instante.
Cada sílaba é um pedaço de período ido
E não há afirmação que sustente seu presente.
Agora é um paradoxo não existente, feito de vácuo
Apesar de passarmos sobre ele, humano-sendo. 

POESIA - FEBRE DA NOITE - THIAGO LUCARINI

A Lizandra Oliveira

Numa noite atípica
Quente como o delírio do dia
Sonhei com primaveras não tidas.
Minha casa jamais desfeita
Na permissividade do tempo.
Família, verdadeiro lar, a menina
Não deixada ao seu jardim de incertezas.
Ele também estava ali, sorrindo-me
Como se nunca tivesse ido, sem ruptura,
Doce, gentil, meu. Pegou-me
Depois a rotina de aula
Na leveza de uma esperança
E beijou-me sem partida.
Deixou-me a porta de casa
Aquela tão imaginada e feliz
Na boca o gosto, um sorriso merecido.
Fui-me. O sonho acabou. Restou
Da noite quente apenas a febre
No coração e na memória, a inveracidade
De tudo aquilo que a vida poderia ter sido.

*Poesia encomendada, vendida por um sentimento.

domingo, 15 de outubro de 2017

POESIA - CORUJA - THIAGO LUCARINI

Asas pousadas
Olhos atentos
Repicam os sinos do campanário.
A coruja na quina do telhado
Pipia seu canto aziago
Trazendo sobre mim
Algo de muito trágico.

Ó coruja sábia
Por que só sabes anunciar a morte?
Não a ensinaram que na vida há mais valor?
Por que insistes em mostrar aos homens rasos
A ciência exata e fria do fim e da sepultura?

Não te esqueças nunca
Ó agourenta e bela coruja
Que só tu podes capturar
A sapiência entre dois mundos.
Aos homens só é dada a dádiva
De obter uma sabedoria por vez.

Por isso, coruja, controle
Seu canto gnose de morte,
De sentença de dura pena.
Limite-se ao canto sem melodia
Da beira do telhado que habita
Ou bata suas asas gris para longe
E silencie os sinos surdos da igreja.
Deixe para pipiar, quando de fato,
Minha derradeira hora chegar.
Hoje, não morrerei nem serei mais sábio.
Serei apenas um humano sem anúncios.

POESIA - SINGULARIDADE DE TODA CRIATURA - THIAGO LUCARINI

Permanente ofício
Silente missão
As abelhas felinas
No zelo das rosas mansas.
Ferrões e espinhos
De alguma forma
Unem-se como escudos
Em defesa do que lhes é sagrado.
Rosas, abelhas, o ciciar da vida efêmera.
A beleza é talhada nas coisas pequenas,
Singularidade de toda criatura
Por menor que seja.

POESIA - O CHAMADO - THIAGO LUCARINI

Eu escuto...
Escuto essa voz
Vinda de longe
De perto, de dentro,
Do alto, do centro do coração.

Eu escuto...
Revoada de anjos
O ciciar das folhas de relva
O canto dos pássaros
O coaxar dos sapos
O cricrilar dos grilos
O silvar de sobreaviso das serpentes
O vibrar da alma pulsante
O chamado de Deus.

Eu escuto...
Minha voz convertida em palavras.
Escuto tudo, o mundo a minha volta,
O universo dentro de mim.

Eu escuto...
O chamado
Inexplicável da vida humana.
O pulsar deste coração.

Eu escuto...
E durmo neste embalo das eras.
Nesse ato único que é a vida.

POESIA - ASAS PISADAS - THIAGO LUCARINI

Os anjos
Quando amparam
Deitam suas asas
Sobre o caminho.
Aliviam assim
A aspereza
Das pedras,
A irregularidade
Do trajeto,
Os calos dos pés.
Asas pisadas
São sinal
Da santidade
Em ação.

sábado, 14 de outubro de 2017

CRÔNICA - SER PROFESSOR É? - THIAGO LUCARINI

Ser professor é? Esta certamente é uma pergunta complexa, a narrativa desta profissão de ensino não é óbvia e muito menos linear, portanto, para desvendar parte deste questionamento é preciso ir a limites não previstos, desconhecidos para muitos. Creio que precisamos retirar o ar de misticidade do professor, não vê-lo como um algo puro, sacrossanto em missão perene ou suicida, como muitos acreditam. Vejamos e reconheçamos o professor como um cientista da educação, um interventor político, capacitado a revelar um mundo encoberto por códigos diversos: alfabetizar, letrar, criar ou reforçar comportamentos, estabelecer limites, formar cidadãos, capacitar o homem ante a desconexão de realidade e experiência de vida, fornecer inteligência social e emocional, criticidade ao funcionamento do Estado e suas hierarquias de poder, entre outros. Reduzir este professor a uma visão assistencialista e minimalista de maternalismo e paternalismo é subjugar o profissional que estudou anos para ser um licenciado, bacharel, mestre, doutor ou Ph. D. Todo aquele que esclarece o mundo a quem o desconhece sempre terá uma aura milagrosa, porém, para o aluno isso não é totalmente errôneo. O erro consiste em todos os outros fora da sala de aula querer dar este aspecto de salvador ao docente e não reconhecer seu árduo caminho de métodos e estratégias, de estudioso, e atribuir o ensino como milagre e a aprendizagem como um pedaço do Paraíso perdido ou dar simples mérito ao ato vocacional. Aqui não há nenhuma tentativa de desvalorizar o professor, que fique claro, mas, sim, um ensaio aos devidos créditos a ser dados a estes profissionais que suam o cérebro para formar uma Nação. Um comparativo: não fazemos dos médicos deuses ou santos por salvarem vidas, estes apenas usam as ferramentas e conhecimentos adquiridos com muito esforço e dedicação. Proporcionar ao aluno a capacidade de enxergar o mundo sem barreiras, por si só não santifica o professor, uma vez que essa é sua função. Válido é a capacidade de um indivíduo devidamente orientado a mudar seu meio em escalas antes inimagináveis. O professor fornece as ferramentas, é um gerente que apresenta meios para facilitar a vida cotidiana e sua extensão, porém a obra que sairá disto é em maior parte responsabilidade daquele que manipula estes instrumentos de construção. Ser professor não é uma incógnita, não é assumir papel de pai e mãe, não é ser palhaço, não é ser místico, não é ser santo, não é ser mártir, não é ser psicólogo, não é abdicar de si em nome do outro, não é sacerdócio,  não é prover o pão que falta, não é ser super-herói. Mistificar é desmerecer a complexidade de uma ação muito maior, é tornar insignificante e incompreensível o trabalho diário em sala. O mito quando não destinado a exaltação, inutiliza e desqualifica seu personagem, pois apaga a razão.  Ser professor é ser um cientista dos víeis sociais e emocionais que travam ou alavancam a aprendizagem, e que é capaz de trabalhar sobre estes dois contextos da melhor forma possível para instruir cidadãos para a sociedade, sendo estes a partir daí capazes de questionarem o funcionamento da mesma e de intervirem.

sexta-feira, 13 de outubro de 2017

POESIA - ELÉTRICA REDE IDEOLÓGICA (ERI) - THIAGO LUCARINI

Marés elétricas
Transmissões ideológicas
Comportamento em rede.
Quanto tempo leva
Para a atrofia das águas?
Quanto tempo para o declínio
Do elo líquido que nos ampara?
Neural, digital, quimera,
Civilizada besta-fera 
Sem reciprocidade. 
Marés elétricas
Transmissões ideológicas
Comportamento em rede.
Quanto tempo até o homem
Deixar de ser humano?

quinta-feira, 12 de outubro de 2017

POESIA - ZELADORES DA ALMA - THIAGO LUCARINI

Zelar da alma
É cuidar de um jardim
Que corre o risco
De ter escassez de adubo,
Invasão de ervas-daninhas,
Ataque de pulgões cinzentos,
Aridez da solidão do cultivo,
Roubo das flores geradas.
Aqui a audiência é o olho do diabo
E tudo tende a derrubar a conquista
Que é feita dia a dia
Zelar da alma é tarefa árdua.
A tranquilidade está em saber
Que Jesus protege as cercas
E que somente as flores
Verdadeiras e derradeiras
Ascenderão aos campos do Céu.

quarta-feira, 11 de outubro de 2017

POESIA - PÉS AFOGADOS - THIAGO LUCARINI

Os pés
Que se afogam
Em lama são
Penitentes do caminho.
O barro mole
Bebido entre os dedos
Causa frieiras
Agonia derradeira
Quando enfim endurece
A alma dos pés padece
Solidificam-se os passos
Caixão de barro
Cai o templo
(cova)
O tempo da palavra
(corpo)
Estagna-se a jornada
(lápide)

terça-feira, 10 de outubro de 2017

POESIA - FUGA DAS CERCAS - THIAGO LUCARINI

E assim se esvaem 
Os líquidos do meu jardim
Formando rios,
Sorrisos nos inimigos,
O vício de fugir
Das cercas de mim.

segunda-feira, 9 de outubro de 2017

POESIA - FIO DA VIDA - THIAGO LUCARINI

Diáfano resquício
De luz banhada de ouro
Fim de tarde
Fio da vida
As Parcas
Levantam a tesoura
Rip! Rip!
Morre o dia.

domingo, 8 de outubro de 2017

POESIA - BERÇO DE POEIRA - THIAGO LUCARINI

Clamam as auréolas
Enquanto tremem os ossos
Os sinos repicam
O som corta a alma,
O tempo, as asas.
Os passos tombam
No meio da caminhada
Estirado o corpo
É cruz, sinal do abatido
Que bebe o próprio suor
Para tentar se reerguer
E avançar além da miséria
Do berço de poeira.

sábado, 7 de outubro de 2017

POESIA - VACILO DOS PÉS - THIAGO LUCARINI

Andar a beira do abismo
É sempre um risco.
Qualquer passo em falso
Pode levar à derrocada.
A queda
             nunca é
                        diretamente
                                            intencional
Porém leva em linha reta ao fundo.
E após o vacilo dos pés distraídos
Dificilmente surgirá alguma asa
Para amparo. Depois de engolido
Pelo precipício faminto e insaciável
A solução é rogar por uma auréola.

quinta-feira, 5 de outubro de 2017

POESIA - ESPAÇO FERIDO - THIAGO LUCARINI

Ninguém
Absolutamente ninguém
Tem o direito
De ultrapassar
Minhas barreiras
Ferir meu espaço
Violar minhas cercas.
As flores do meu jardim
Belas ou feias
Têm acesso restrito
É preciso permissão,
Consentimento ao toque.
Qualquer ato não autorizado,
Violação espontânea e gratuita
É clara agressão, ofensa 
A integridade santificada
Do meu espaço zelado.

segunda-feira, 2 de outubro de 2017

POESIA - IMPERFEIÇÃO - THIAGO LUCARINI

Cada linha escorrida
Neste rosto envelhecido 
É uma linda imperfeição
Registro do tempo ido
De quem eu fui e sou.
Cada marca é alegoria,
Enfeites de alegrias e agonias,
Rastros de rios secos, depressões
De cânions esculpidos com arte
Que foram moldando a face
Deste homem feito da mescla
De histórias de misérias e glórias