sexta-feira, 29 de junho de 2018

POESIA - LUGAR DE FALA - THIAGO LUCARINI

Já não creio
Naquilo que falo
Em poesia a ser defendida.
Meu lugar de fala
É na mudez
No silêncio da alma
Não há nada mais a ser escrito
A ser dito para ser ouvido,
Pois não acredito
Na definição de nenhum sentido
Nenhuma linha do discurso me válida
Minha palavra é seca e vazia
Desprovida de intenção, de solução
Sem dó as enterrei sem marcação
Só terra limpa sem epitáfio.

terça-feira, 26 de junho de 2018

POESIA - ENFEITES E ILUSÕES - THIAGO LUCARINI

Fui me limpando das ilusões
Jaula diáfana e dourada do eu
Adquirindo um olhar mais cru
Mais preciso para ver além
Das promessas e enfeites
Dispostos para estagnar
Os passos facilmente iludíveis.
Com a vista mais limpa
O caminho não fica mais fácil
Porém a qualidade do andar melhora
Uma vez que cacos tornam-se atos.

sábado, 23 de junho de 2018

POESIA - PELÉ-INDUMENTÁRIA - THIAGO LUCARINI

Pele exposta, marcada.
Comichão de sarna
Abre-se em feridas.
A pele desfaz-se
Feito papel molhado
Sem simbólica poesia.
Não há costura nem sal
Que a remende ou cure,
Deixe-a sã, santa ou bonita,
Pois esta odiosa pele superficial
Não pertence a este corpo
Muito menos a esta vida intrínseca.
Na forja do nascimento vestiram
No boneco de argila animada
A pele-indumentária errada, apertada
E que, hoje, estrangula e trinca
A nobre cerâmica moldada,
Deformando a essência primária.

segunda-feira, 18 de junho de 2018

POESIA - AFOGO A FOGO - THIAGO LUCARINI

Como respirar
Fora d’água
Se estou acostumado
Ao oxigênio líquido.
O ar rarefeito além do limiar
É seco e desesperador.
Oculto na fluidez, mergulho,
Sou peixe de emoções.
É certo: afogo a fogo,
Só venço quando líquido
E meu degrau da vitória
É um patamar abaixo.

sábado, 16 de junho de 2018

POESIA - ESTRELAS E RUÍNAS - THIAGO LUCARINI

Algumas fundações são base para estrelas
Outras são apenas velhas ruínas em fim.

Qual solo alimenta tuas raízes de jardim?
Em qual chão fundou teus fulcrais alicerces?

Quando a tempestade vier sobre teus sonhos
Será capaz de manter-se valentemente de pé?

E na noite mais escura brilhará feito estrela
Ou será agourenta construção abandonada?

domingo, 10 de junho de 2018

POESIA - DE MIM - THIAGO LUCARINI

Pegue tudo de você 
Que resta em mim 
Espalhe ao vento
E talvez assim
Eu sinta menos 
Sua ausência, negligência.
Dilua-se do meu toque,
Das minhas memórias e afins,
Daí-me merecido descanso e fim.

quarta-feira, 6 de junho de 2018

POESIA - CORPOS QUE SANGRAM - THIAGO LUCARINI

Alguns corpos sangram
Países desconhecidos
Terras não pertencidas
Oceanos não navegados
Decadências sem quedas
Estrelas não vistas na noite
Tempo ainda não passado
Amores não correspondidos.
São corpos estranhos estes
Sangram coisas que nunca tiveram,
Mas não se vão à morte,
Pois não vertem alma de verdade
São ilusórios platônicos alucinados
O que não significa ausência de dor.

domingo, 3 de junho de 2018

TAUTOGRAMA - A - THIAGO LUCARINI

Assim assado, assisto acomodado
Assimétricos armados associando
Almas alienadas. Analiso arredio:
Acerto? Aspiração? Absurdo?
Aquém almejo algo além
Amor, amizade, ancoragem, abraços.
Atenção: assimilações arbitrárias
Arruínam auspiciosos amanheceres.   

sábado, 2 de junho de 2018

POESIA - FORA DO ÉDEN - THIAGO LUCARINI

Fui posto fora do Éden
Quando me deixaste.
Tive minha peremptória queda,
Tive a dissociação e dissolução
Desta alma una de amor
E da forma sólida deste coração.

Perdi meu Deus soberano
E percebi que um deus fabricado
Não opera milagres
Apenas produz as vontades
Daquele que o criou
Em sua crença infantil
Sem qualquer simetria.
Este não passando nunca
De um ridículo fósforo-sol,
Farol de míseros segundos
Que não salva do precipício.

Perdi-me de Deus. Vaguei
No sal das lágrimas de prata fria,
Pois demônios-cupins de falsa vulgata
Comeram as raízes de vidro da minha
Árvore da Ciência do Bem e do Mal
Não tive sua sombra nem seu alívio
Nem seu fruto de doce pecado, guardado
Latejante e febril pouco abaixo do umbigo.
Restou-me somente a incitante
Serpente ao meu lado vago
E a sabedoria dos passos solitários.

Ao estar com esta alma longe, tão longe
Da unidade deste ser Todo-Poderoso Amor
Pereço. Padeço. Ando em busca de uma
Nova crença, tentando achar uma ideologia
Própria, mais poderosa e justa, que não fabrique
Cacos, tristes corações quebrados e espalhados.
Talvez assim, abrace-me a onisciente, Verdade.

Agora que me fecharam as portas do Éden
Em último fiasco de vã tentativa eu rolarei
Na lama santa da Parusia onírica da apoteose
Apocalíptica da solidão eterna que se abre
Num ato tão somente dramático e sem anunciação.
Erguem-se as fundações, as barras de ferro desta prisão,
Desta gaiola aberta, porém sem fuga, inferno da carne.