terça-feira, 23 de março de 2021

MINICONTO: QUARTO ESCURO

 

        O breu era total. Eu não enxergava um palmo a minha frente. Não havia nenhuma roupa sobre o meu corpo. Dou o primeiro passo para achar uma saída, mas piso em cacos de vidro, caio e o que suponho ser agulhas, perfuram toda a minha lateral. Por onde tateio, cuidadosamente, sinto itens cortantes. Em meio a dor, levanto-me e rasgo a minha bochecha numa ponta de vergalhão. Eu estava cercado por todos os lados por objetos pontiagudos e afiados, e potencialmente, mortis, no escuro total. Talvez, eu não conseguisse sair vivo, uma vez que, inteiro seria impossível.

sábado, 20 de março de 2021

POESIA - PASSOS CONTRÁRIOS

 

Os dias passam

Só eu não passo

Pois meus passos

Se fazem presentes no passado.

Estúpido, eu aprendi

Apenas a caminhar para trás.

Para querer um futuro

Preciso arrancar meus pés.

E hoje, feito de ontens.

Opto por não doer.

MINICONTO: INVASÃO

 
— 190 qual é a sua emergência?

— Socorro policial! Tem um homem tentando entrar na minha casa.

— Acalme-se senhora. Há um engano...

— Por favor, policial, mande ajuda, isso não é um trote. Tem um homem do lado de fora.

— O que eu quis dizer, senhora, é que eu estou dentro da sua casa e não do lado de fora.

quarta-feira, 17 de março de 2021

POESIA - SANGRAM OS PORTÕES

Há em mim

Um vazio construído

Pela ausência de palavras.

Nada significa os atos

O céu sangra de portões abertos

A noite sempre perde mais almas

E eu estou perdido

Sem achar minhas palavras.

São dias difíceis,

Terríveis.

segunda-feira, 15 de março de 2021

MINICONTO: FILHOTE

 

        O vento provocado pelo bater das asas daquela criatura quase me derrubou do seu ninho. Ela pousou sobre mim, arreganhou minha boca, enfiou seu bico até a metade da minha garganta e regurgitou aquela mistura espessa e nojenta dentro de mim. Eu contive a vontade de vomitar, pois caso o fizesse, teria que comer tudo aquilo de novo.

sábado, 13 de março de 2021

MINICONTO: BOCA DE VERMES

 

Eu ignorei o bafo de carniça, afinal, quem está na chuva é para se molhar. Sua língua entrou na minha boca como se fosse uma enguia gosmenta, havia um estranho gosto residual, ácido e podre feito lavagem de porco. De repente, senti algo dentro da minha boca, além da língua alheia, era como ter grãos de arroz inchados, escorregadios e peludos por toda parte. Enjoado, desfiz o beijo e cuspi na minha própria mão, e ali, em meio a saliva, um punhado de vermes se contorciam. Da outra boca, vermes caíam aos montes. Vomitei.

MINICONTO: RITUAL

Acordei de madrugada, minha cama havia sido arrastada para o meio do quatro, um círculo estava formado a minha volta, os seres eram mais escuros que o escuro e seus rostos estavam cobertos por máscaras marmóreas distorcidas. Uma chama se acendeu sobre minha cabeça, revelando totalmente aquelas aberrações. “Isso é só uma paralisia do sono! Isso é só um pesadelo! Acorda Isabela, acorda!” Eu repeti para o meu corpo inerte. Uma das criaturas levantou um punhal e o cravou no meu peito. A dor que me rouba a vida não era apenas uma alucinação onírica.

domingo, 7 de março de 2021

TAUTOGRAMA: MULHER

 

Medusa mundana, moderna maltratada,

Mutilada, meliante, mendiga marginal.

Milenar maledicência moenda mortífera.

 

Multidão medíocre macilenta machista massacra:

“Malditas! Maça mordida, marca maior,

Máxima mancha moral, madona maligna.

 

Muitas miseráveis mentiras mesquinhas

Menosprezaram, massacraram, minimizaram

Mães misericordiosas, mulheres militantes.

 

Mágica maravilha mulher,

Máxima magnânima, majestosa.

Matuta montando milagres,

Merecendo méritos melhores.

sábado, 6 de março de 2021

POESIA - DOR

A dor é o sentir derradeiro

Imune a qualquer mentira.

Não há um alguém que doa

Pela metade, por partes,

Pois só se dói por inteiro.

 

A dor marca em brasa

A humanidade esquecida,

Freme a frágil alma

Ante seu deus maior.

POESIA - FALTA

A flor continua bela

Apesar de uma ou duas

Pétalas que caem.

Mas para a flor é inegável

Que a parte que lhe falta, falta!

Sem mais plenitude.


POESIA - HORIZONTES DE FELICIDADE

Hoje eu não estou bem

Tenho um nó no meio

Um aperto no peito

Uma falta de um monte

De coisas que não sei explicar.

Mas não me cobro em estar pleno

Quando os dias não são fáceis

Estar meio murcho em tempos difíceis

É esperado, previsível e nada anormal.

Insisto mesmo que o ponto de vista não seja

Favorável, pois é preciso crer em novos e

Melhores ares em horizontes de felicidade.

MINICONTO - ERRO DE PROGRAMAÇÃO

 

O corte no seu dedo sangrava, depois de um tempo, percebeu que o sangramento não estancava. Começou a entrar em colapso. Usou uma tonelada de gazes, pedaços de tecido. E numa dessas vezes, enquanto limpava o ferimento, viu um pequeno brilho em sua carne, acreditou ser um pedaço do vidro com qual se cortou. Cuidadosamente analisou o fulgor e com o próprio dedo futucou a ferida, porém o objeto cintilante não saía. Entretido, acabou por cutucar demais o machucado e uma parte da sua carne macia cedeu ainda mais, só então se deu conta, de que não podia se tratar de um caco de vidro. Ignorando os protocolos de segurança e a dor, puxou filetes da sua carne, arrancando-a e pondo os nacos ensanguentados sobre a bancada, descarnou toda a sua mão e metade do antebraço, expondo a luz do dia, uma armação de metal, ao invés, de um esqueleto humano.

quinta-feira, 4 de março de 2021

POESIA - VELA

 

No escuro meu corpo se desfaz.

A chama sobre minha cabeça

Guia a tantos, mas é incapaz

De me salvar.

Afasto medos alheios,

Porém frágil como sou

Com um sopro cruel

Se livram de mim.

quarta-feira, 3 de março de 2021

MINICONTO: SUCO

        
         Eu não sabia se ria ou se chorava, por via das dúvidas, continuei a tomar meu suco, quase engasguei algumas vezes, tomada pelo misto de emoções e sabores tão inocentes. Muitos pensariam ser só um suco de morango superconcentrado, porém o choro estridente e a perninha faltante do meu bebê diziam o contrário.   

terça-feira, 2 de março de 2021

PODCAST - CEMITÉRIO DOS INFINITOS


            Conheçam meu novo podcast, Cemitério dos Infinitos. Onde recito as poesias, que aqui publico.

Cemitério dos Infinitos: Link do Podcast