quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

MINICONTO: CATIVEIRO - THIAGO LUCARINI

 

Fazia anos que eu não via qualquer nesga de sol. As correntes que um dia me prenderam, hoje, me libertaram. Enquanto aqueço meu corpo, adaptando-me novamente à vida, um desgraçado esfria no porão.

sábado, 26 de dezembro de 2020

POESIA - ÁGUAS PARA CRESCIMENTO - THIAGO LUCARINI

Estive sob tantas chuvas

Algumas me aliviaram

Outras quase me afogaram,

Mas todas ne fizeram crescer.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

MINICONTO: OPINIÃO - THIAGO LUCARINI

 
        Tudo o que me disseram durante toda a minha vida sobre o meu corpo, plantou em mim uma insatisfação permanente com minha imagem. Nunca entendi o porquê de as pessoas não guardarem o que pensam para si, e infelizmente, certos danos são irreversíveis. Olho-me no espelho com a faca em mãos, começo a destacar a pele em volta do meu rosto, sangue escorre. Não grito apesar de aquilo queimar. Eu iria até o fim para descobrir debaixo de toda dor um novo eu.

POESIA - VÍCIOS DA SOLIDÃO - THIAGO LUCARINI

 

A solidão é cheia de vícios

E ela traz sobre a vida de quem a aceita

Suas manias tantas.

Estar sozinho é deixar crescer asas

Difíceis de serem podadas.

terça-feira, 22 de dezembro de 2020

PODCAST - SIGA A LUZ

           

         Para quem gosta de ouvir contos de terror/horror e relatos sobrenaturais das pessoas, agora, você tem a opção de ouvir o meu podcast: Siga a Luz. Um lugar, onde, eu, Thiago Lucarini, seu host, contos histórias fictícias minhas e relatos assombrosos dos meus ouvintes. Abra o podcast no seu agregador de preferência e divirta-se entre sustos e arrepios.


sábado, 19 de dezembro de 2020

POESIA: PREVISÃO CLIMÁTICA - THIAGO LUCARINI

 
Longe de mim

Também chove?

Vejo relâmpagos

Ouço trovões

Horizonte escuro,

Mas não sei

Se longe de mim

Também chove,

Pois tantas vezes

A chuva parece pertencer

Apenas ao meu céu.

MINICONTO: FURÚNCULO - THIAGO LUCARINI

 

O furúnculo na perna latejava e doía há dias, incomodando, A erupção avermelhada e cheia de pus estava muito grande, deixando a pele febril, brilhante. Sentou-se com as pernas cruzadas pronta para dar fim ao tormento, colocou gazes ao redor do caroço, fez um pique na parte superior e começou a espremer, sangue coagulado e detritos saíram, vazando. Quase no fim do processo, algo surgido do pus agarrou-se ao polegar dela, emitindo um choro sinistro, era uma criatura viva, pequenina e de aparência larval e humanoide ao mesmo tempo. Ela gritou assustada e perdeu os sentidos. Quando acordasse, descobriria que o furúnculo apenas havia se mudado de lugar.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

CRÔNICA: CADEIA ALIMENTAR - THIAGO LUCARINI

 

Estava eu com vontade de comer peixe. Cansado dos mercados e seus frescos ou enlatados prontos para consumo, fui a uma venda de peixes vivos. No tanque, escolhi do cativeiro aquele que mais me agradou, o vendedor, um rapazote, o pegou com uma rede e rapidamente lhe deu um golpe com uma ferramenta de claro uso em abate, da qual, desconheço o nome. Naquele instante, pensei que meu jantar tinha ido por água abaixo, pois um grande remorso me invadiu. De forma planejada, contribuí com a morte de um ser. Silenciosos, peguei meu pacote e fui embora. O peixe nos seus últimos suspiros pulava na sacola, movimentos involuntários de resistência, porém não existia firme linha para se segurar, se livrar da panela. Meu coração igualmente pulava, eu sabia da necessidade, um só haveria de viver.

 Em casa, me apressei a arrumá-lo, escamar, estripar e todo o restante do processo. Eu sentia-me um pleno maníaco assassino com a mão num corpo de água tão frio. A vida rápida e pronta do cotidiano dos açougues e ilhas de congelados nos tiraram o horror da morte de outros seres com intuito de sobrevivência própria. O peixe com seus espasmos involuntários insistia em algo que não tinha mais volta, já estava morto, e contraditoriamente, o corpo recusava-se de algum jeito a deixar a alma ir totalmente. Sem eu perceber, levei meu dedo à boca espasmódica do falecido que muito do vingativo me mordeu. Quase xinguei, contudo, não o fiz, pois sentia-me merecedor de tal punição do morto.

Em meio a dor e frustração, percebi o quanto sou grato pelo tempo em que vivo. Deus me livre ser preciso eu matar uma vaca, um porco, uma galinha, outro peixe.  Estou seguro, uma vez que não preciso sair à caça todos os dias, ter que matar consciente e regularmente. Gosto da morte que não suja as minhas mãos, da ilusão dos pedaços fatiados e pendurados em ganchos, que não confessam qualquer traço de vida escondida ou preexistente. Já abatidos é mais fácil ignorar sua história, sua dor, e isso, egoistamente, me basta, posto que asseguram a minha sensação de inocência. Matar para comer é necessidade, mas ter essa experiência, assim, nascida de um simples desejo para o jantar é amedrontador, é confirmar o que sabemos desde sempre: a vida sustenta-se sobre os ossos dos mortos. É questão de tempo até eu ser o abatido, ser comida da natureza. Parte do ciclo em contínuo processo.

De volta ao conforto e comodidade, meus incapacitantes naturais, olhei o peixe pronto na panela. Estava com uma cara maravilhosa. Se o comi? Claro! Custou caro. Em mim não restava qualquer lembrança do prévio remorso. Não há moralidade na fome. Acabou que o peixe rendeu não só um prato delicioso como uma crônica de brinde.

POESIA - SUPERSTIÇÃO - THIAGO LUCARINI

 

Eu acreditei que você me amaria,

Fiz benzedura e banhos de ervas e sais

Na lua cheia à meia-noite de primavera

Na expectativa de trazer seu coração.

Mas o amor não se presta a superstição

Nem a minha crendice do que deveria ser.

Não há ritual, atalhos para o amor brotar,

Ele tem seu próprio tempo, basta aceitar.

sábado, 12 de dezembro de 2020

MINICONTO: O ACUSADOR - THIAGO LUCARINI

 

A própria besta aconselhava o líder daquela nação, deu a ele suas filhas em casamento, a insensibilidade e a ignorância. O maligno vestiu o rei com o manto prateado da falsa messianidade tecida nos fornos do inferno, brilhante e mortal. Assim, seus servos iam atrás do mito de retidão e bondade como gado atrás do sal, não tardou e o reino caiu em ruínas e, enquanto ruminavam o abate, todos dançavam no compasso orquestrado pelas esposas. Sucedeu que só restou o diabo enganoso com riso fácil por tantas almas que arrecadou.

MINICONTO: VELA AOS ANJOS - THIAGO LUCARINI

 

Eu andava pelas cinzas do que restou do barracão. Tijolos enegrecidos pelo fogo pareciam olhos atentos a me observar, mas não podiam me julgar, não há condenação maior do que aquela dentro de mim. Fumaça sobe do rescaldo, eu sinto frio apesar do calor residual. Os moveis são esqueletos de toda uma vida deposta, a casa agora é um caixão selado em ruínas, altar do medo infantil do escuro. Meus pés vacilam ante toda a cena. Não tenho lágrimas suficientes para apagar a memória. Eu não devia ter deixado a vela acessa junto aos anjos levados de mim.

MINICONTO: VARAL - THIAGO LUCARINI

 

Eu gritei assustada e paralisada de medo. Os prendedores do varal começaram a saltar dos arames feito sapos em fuga, indo ao chão. Minhas roupas recém-lavadas caíam, pois os arames se agitavam e vibravam tensionados por uma forte opressão. Enquanto um dos lençóis despencava ele pairou no ar ao encontrar uma resistência não natural. Logo o lençol seguiu o curso inevitável da gravidade, mas antes de ele tocar o solo totalmente, eu vi pés sumirem sob sua contraditória brancura floral. Desmaiei.

MINICONTO: DESPEDIDA - THIAGO LUCARINI

 

Seu marido chegou sem ela percebê-lo e a beijou afetuosamente. Sentou-se no sofá e pediu para que Suzana sentasse ao seu lado. Não era incomum, pois ele sempre foi muito amoroso. Na televisão passava o jornal local. Logo ela fez menção de se levantar, mas Milo segurou sua mão e na tevê entrou um link ao vivo, noticiando um grave acidente na rodovia que havia acabado de ocorrer, tinham identificado um dos motoristas e o jornalista disse o nome completo de Milo. Suzana trêmula se virou para seu marido, que com olhos marejados e um sorriso, desaparecia.

MINICONTO: LABIRINTO - THIAGO LUCARINI

 

Os elevadores estavam desativados àquela hora da madrugada. Xinguei alguns bons palavrões. Cambaleando, comecei a subir as escadas até o 13º andar. Em alguns momentos escutei portas se abrindo, passos próximos, vozes distantes. De uma forma incomum para o horário o prédio estava bastante agitado. Continuei a subir, meu andar não chegava nunca, e depois de um tempo, percebi que algo estava errado, pois continuei a subir sem jamais chegar ao meu apê. Eu não acho saída. Meu celular não tem sinal aqui, olho o relógio e fazem 24 horas que estou preso nas escadas.

MINICONTO: VIGIADO - THIAGO LUCARINI

 

Sentia-se vigiado. Não havia lugar dentro de sua casa que não sentia aquela presença. Estava constantemente arrepiado, calafrios percorriam seu corpo. Detestou estar sozinho naquela noite. Conferiu por mais de uma vez os cômodos e a área externa da residência. Trancou todas as portas e janelas. O silêncio que se seguiu era reconfortante. Concluiu que estava apenas sendo paranoico. Sucedeu que após se deitar não passou sequer um minuto completo e escutou o som de uma respiração pesada ao seu lado na cama.

MINICONTO: BANQUETE - THIAGO LUCARINI

 

Certamente é a refeição mais gostosa que terá a chance de provar. É a mais cara também. Para estar no banquete exige-se vestimenta adequada, requinte e elegância. Pela raridade do prato eventos como esse acontecem de uma a no máximo duas vezes por ano. Há anos de total escassez também. Observamos todos os preparativos, pois tudo deve ser feito na primeira hora. Estamos perto, apesar de já passar das quatro da manhã. Todos os presentes estão eufóricos para experimentar aquela iguaria. Ouvimos um grito. Salivamos. Finalmente a bolsa rompeu.

MINICONTO: DISTORÇÃO - THIAGO LUCARINI

 

Sempre que me coloco diante do espelho vejo aquele monstro de feições desproporcionais sem qualquer semelhança com uma imagem real. O maldito tem aspecto apodrecido e sujo, cheio de feridas espalhadas pelo corpo ressequido. Eu não conseguia me pentear, me barbear direito, escovar os dentes em paz, tirar uma simples foto. A criatura horrorosa não me dá trégua nunca. Sinto nojo e asco dela. Eu tenho saudades de me ver, ver o eu e não a substituição, mas todo reflexo é morada dele. Jamais me vejo. O abominável nunca me machucou nem se insinuou, no entanto, me privou de mim, do amor e, por isso, eu o odeio.

MINICONTO: ROUPA SUJA - THIAGO LUCARINI

 

Eu gostava de lavar minhas roupas na mão com sabão caseiro. Na ocasião, eu lavava algumas peças e aos poucos a água antes límpida se enchia de espumas brancas. Havia tantas que quase nem dava para ver as roupas, era a vez de esfregar a cueca do meu namorado, assim que a peguei do monte submerso, surgiu uma cabeça feminina que segurava a outra extremidade da peça com os dentes, a coisa avançou sobre minha mão e me mordeu. Eu gritei de dor, logo já não havia nada ali, porém as espumas antes alvas tingiam-se de vermelho com o sangue que escorria do rasgo aberto na minha mão.

MINICONTO: DECOMPOSIÇÃO - THIAGO LUCARINI

 

O sol a pino fazia as larvas se agitarem sobre o meu corpo e caçarem um lugar mais ameno do calor escaldante entre minhas entranhas frias. A quentura fervia os líquidos da morte dentro de mim, fazendo sangue coagulado e chorume escorrerem pelos poros. Uma bola de gás subiu pelo meu estômago, empurrando restos de comida apodrecida garganta acima, Merda saía por baixo também. Insetos desfilavam em passeata sobre minha carne lamacenta. Aves carniceiras bicavam as partes moles. Eu podia sentir tudo, não havia dor, porém, era bastante incômodo estar preso ao meu corpo em acelerada decomposição.

MINICONTO: AMEAÇA - THIAGO LUCARINI

 

Sou médico socorrista dos bombeiros. Um dia após chegar do plantão e dar um beijo de boa noite na minha filha, eu me deparei com a Morte em seu berço. Ela me alertou de que eu estava interferindo no seu trabalho e que nem todos deviam ser salvos. Agora toda vez que há uma chamada de resgate, devo estar atento à maca na ambulância, pois se a Morte estiver sobre ela, eu não devo agir, mas se a maca estiver vazia, posso seguir com a rotina de salvamento. O que me amedronta é que sempre a Morte aparece, ela segura uma das bonecas da minha filha numa ameaça clara a sua vida mal iniciada.

MINICONTO: ANA DO BALÃO - THIAGO LUCARINI

 

Ana do Balão, como ficou conhecida, era uma criança mimada e birrenta, que morreu no dia do seu aniversário num trágico acidente de carro. Dizem que seu espírito vaga pelas estradas, arrastando um balão murcho. Se ela aparecer no seu carro como uma carona indesejada, Ana irá te perguntar: “Hoje é seu aniversário?” Se sua resposta for “não” você perderá o controle do veículo, sofrendo algum revés. Se sua resposta for “sim” você terá um mal súbito ao volante, causando um acidente. Relatos afirmam que a resposta para tentar escapar da Ana do Balão é: “Eu não faço aniversário.” Ou perguntar ao fantasma: “Quando é o seu aniversário?” Fica o aviso!

MINICONTO: O BATEDOR DE PORTAS - THIAGO LUCARINI

 

Não é só o vento, dizem isso apenas para nos acalmar ou negar a situação real. Eu também desacreditava, mas tudo mudou. Eu fui banhar e deixei a porta encostada, não demorou muito e ela começou a bater repetidamente, continuei meu banho ao som das batidas. Já enrolado na toalha peguei na maçaneta e puxei a porta entreaberta para abri-la totalmente, porém uma força contrária à minha travou a porta, coloquei toda a minha energia, mas não consegui movê-la. Coloquei a cabeça pela fresta e vi um ser encarquilhado segurando a maçaneta do outro lado. Ele ria sem me perceber, eu gelei. A seguir a porta se escancarou, rangendo no vazio.

MINICONTO: VISITA - THIAGO LUCARINI

 

Eu fiquei responsável por cuidar da minha sobrinha de três anos naquele dia. Por volta do meio-dia e meia, ela me encarou, apontou o dedinho para a rua e disse: “Vovó chegô, vovó chegô.” Eu olhei para fora e não havia ninguém. Minha sobrinha começou a conversar sozinha como se minha mãe estivesse realmente ali. Minutos depois, meu celular tocou, no visor apareceu “Mãe amada” atendi: “Falo com o filho da senhora Paula?” Receoso, confirmei e a voz séria e formal me informou: “Lamento dizer, mas a Paula sofreu um acidente e veio a óbito...” Tremendo e sem chão, mirrei minha sobrinha, que brincava inocentemente com a “vovó”.

MINICONTO: COELHO - THIAGO LUCARINI

 

Aquele coelho de pelúcia não é um simples brinquedo. Muitos riem de mim, mas falo sério. Eu o peguei andando pela casa algumas vezes. Meu marido diz que eu estou ficando louca. Só eu ver não significa que é menos verdade. Já tentei me livrar dele de tudo quanto é jeito, porém nada adiantou. Durante o dia deixo o coelho preso pelas orelhas no varal, isso o irrita. Contudo, pelo menos eu sei exatamente onde ele está. Algo que não posso dizer durante a noite, quando escuto seus passos macios pelo telhado, dentro de casa. Tirei uma foto dele e se você tiver coragem de encará-lo por algum tempo, verá que ele se mexe. Por favor, diga-me que não estou louca.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

POESIA: A COVARDIA DOS DIAS SEGUROS - THIAGO LUCARINI

 Tenho pés que se prenderam 

No meio do caminho como se fossem raízes

Já não sigo não avanço.

Parado minhas raízes engrossam

E sussurram: "além do limite há perigo."

Prometem segurança e sombra

Não é fato não é verdade,

Pois coisas estagnadas também tombam.

Plantado no plano intermediário

Da total covardia dos dias seguros

Reconheço que o meio-termo

Não é lugar de voo não é vida.

segunda-feira, 23 de novembro de 2020

POESIA: AUSÊNCIA DE ROUPA - THIAGO LUCARINI

 
Feito uma roupa velha, às vezes,

Pego um amor passado e o visto.

Sempre sozinho, não ouso torná-lo

Público às lágrimas em mim.

E numa prova de resultado antes já achado,

Eu tento desamassar amarguras,

Remendar buracos deixados pelo descaso,

Em vão, atar botões feitos de ausência.

A roupa velha traz ao corpo

Um novo abraço de último adeus,

Que não serve nem aquece, mas fere, e assim,

É posta de volta na gaveta escura do coração.

 28.09.2020

MINICONTO: ÁRVORE - THIAGO LUCARINI

De frente a janela do meu quarto havia uma árvore, uma velha mangueira. Suas folhas ciciavam o tempo todo me atormentando. Eu a detestava e o sentimento era mútuo. Durante as chuvas, a árvore sempre quebrava partes do telhado, em noites de ventania, seus galhos raspavam o vidro da janela, espantando meu sono. Naquela noite o ciciar infernal me despertou outra vez, encarei a maldita, e pela primeira vez, eu vi olhos não naturais me encararem de volta. Furioso, fui à garagem, peguei um machado e comecei a cortar o seu tronco. Já amanhecendo, a árvore tombou, caindo sobre minhas pernas, decepando-as. Seiva e sangue, carne e madeira se misturavam na alva, ambos morrendo.

MINICONTO: TROTE - THIAGO LUCARINI

Eu não devia ter passado o trote. Liguei só para zoar, fazer uma brincadeirinha de leve. Achei que a família apreciaria um pouco um pouco de humor num momento tão difícil. Mas assim que desliguei o telefone, aconteceu. Ao meu lado surgiu uma criança com marcas de estrangulamento e com o torso parcialmente carbonizado. De imediato, reconheci a vítima do caso e entrei em pânico. O fantasma me persegue há dias. A polícia e a família ainda procuram, na dúvida e esperança, a criança ou um corpo, enquanto eu carrego a certeza e o assombro frio da morte.

sexta-feira, 20 de novembro de 2020

MINICONTO: VÍCIO - THIAGO LUCARINI

Minha cabeça doía e latejava, minhas mãos tremiam, tudo efeito da abstinência do cigarro. Não posso nem devo voltar a fumar, pois eu vi o horror do vício que me consumia. Na noite do dia em que tomei a decisão de parar de fumar, eu acordei de madrugada e ao lado da minha cama estava um ser velho e encurvado, parecia feito de alcatrão, com olhos acesos como guimbas de cigarro que iluminavam seu rosto cadavérico. O Vício mascava tabaco, saliva escura de fumo escorria por sua boca murcha e caía diretamente sobre a minha.  O Vício me observa como um mau agouro, mas ele está enfraquecendo, e assim continuará até eu apagá-lo de vez.

MINICONTO: CABEÇA FLUTUANTE - THIAGO LUCARINI

 

O homem repetiu o processo de captura e depois com toda a sua força puxou o pescado que caiu com um baque seco na lataria do barco. Com sua lanterna viu que se tratava de um peixe, mas de uma cabeça humana fisgada pela bochecha, seus olhos eram pálidos e a pele aquosa, enrugada e cheia de feridas, com as orelhas, ela pulava e se debatia, tentou morder o homem que tomado por medo e impulso, chutou a cabeça à água, cortou a linha da vara e caiu sentado. Por um instante, a cabeça flutuante encarou o homem do limiar das águas feito um jacaré e, a seguir, afundou com um gorgolejar.

quarta-feira, 18 de novembro de 2020

POESIA - MARGENS DE OUTRO MUNDO - THIAGO LUCARINI

 
Eu me perco com anseio

Em telas que nada dizem sobre mim.

Nelas tento avançar as margens duras,

Observo os contornos de outros mundos,

Mas, eu fico somente nas beiradas

Maquiadas e intransponíveis,

Pois não existem margens

Que contemplem um todo.

MINICONTOS: DEVORADOR DE ANJOS E BRINCADEIRA DE CRIANÇA - THIAGO LUCARINI

 

DEVORADOR DE ANJOS

 

Eu sou médica plantonista de uma UTI neonatal, não revelarei meu nome, mas farei um alerta, peço que acreditem, pois é real. Nas madrugadas dos hospitais, entre sons de respiradores e monitores cardíacos ronda uma criatura chamada, Devorador de Anjos, trata-se de uma massa escura e disforme de pura maldade. Ela busca bebês que por algum motivo foram amaldiçoados por pais cruéis. A criatura, simplesmente, paira sobre a incubadora ou berço e a criança chora por um instante, e depois não chora nunca mais. Eu vi, juro que vi. Amem seus filhos desde o ventre e não digam palavras avessas, pois essa é a única forma de salvar os anjos do Devorador.

 

***

BRINCADEIRA DE CRIANÇA

 

Ficou ao lado da porta, escutando sua filha brincar com suas bonecas. Ela dizia: “Como você tá linda. Como você trabalha. Não precisa ficar emburrada. Tá na hora de fazer o dever de casa.” A mãe riu baixinho dos comentários inocentes de sua filha e foi quando ouviu. “Não farei a porra de tarefa nenhuma, piralha.” A mãe sobressaltada entrou de supetão no quarto, mas lá só estavam as bonecas e sua filha.

MINICONTO: LINHA 112 - THIAGO LUCARINI

Antônio prestava atenção na conversa de duas senhoras sentadas a sua frente no último ônibus da noite. “...dizem que não é bom pegar o último ônibus de qualquer linha. Coisas ruins acontecem: aparições, estupros, seres de outros mundos, violência...” Todo arrepiado Antônio se levantou e deu o sinal. Já à porta para descer, as velhas o encararam com olhos leitosos e suas bocas se escancararam até a altura do peito. O veículo parou com um solavanco e Antônio desceu aos tropeços do ônibus que, após o fato, seguiu viagem sem nenhum outro passageiro a bordo.   

MINICONTO: PÓS-PARTO - THIAGO LUCARINI

Ela não conseguia acreditar que aquela aberração havia saído de dentro dela. Diziam que ela deveria amá-lo, mas como? Sentia uma profunda repulsa por aquela criatura molenga de olhos desproporcionais, barriga grande e boca sempre escancarada de choro ou fome. Aquela coisa desagradável abriu caminho para a luz através de sua carne, contudo, não era seu filho. Os tentáculos úmidos, as antenas sensoriais e a pele opaca e acinzentada confirmavam isso.

segunda-feira, 16 de novembro de 2020

MINICONTO: AMIGO IMAGINÁRIO - THIAGO LUCARINI

 

Minha filha de seis anos passou a me olhar com desprezo, depois que começou a falar com um amigo imaginário. Sua idolatria por mim foi substituída por nítida repulsa. “Filha, o que está acontecendo?” – Perguntei. Ela olhou para o vazio. “Meu amigo não gosta de você, papai.” Olhei intrigado para Mirela. “Por que ele não gosta de mim, meu amor?” Dando de ombros, ela respondeu: “Ele me disse que o papai o matou ao bater na mamãe, muito antes de eu nascer – Mirela me encara com uma indiferença fria. – E nós dois não gostamos de quem mata crianças a chutes.

MINICONTO: ADEUS - THIAGO LUCARINI

Augusto veio até minha mesa logo após o intervalo. “Professora, minha mãe pediu para te entregar minha agenda depois do recreio.” A professora pegou a agenda e leu o recado da mãe da criança. Suas pernas amoleceram instantaneamente, sentiu sua pressão cair. No caderno dizia: “Hoje, eu não buscarei Augusto, pois assim que ler isso, eu já não mais pertencerei a este mundo. Cuide dele.”

MINICONTO: VISLUMBRE - THIAGO LUCARINI

            Seu celular desapareceu por 24 horas. Seus familiares o ajudaram na busca, mas nada. No outro dia, o celular surgiu sobre sua cama. Júlio pegou o aparelho, mexeu um pouco, tudo normal. Abriu a galeria de fotos e ali havia algo anormal. O celular estava cheio de fotos dele, no entanto, não deste tempo, mas do futuro. Tinha fotos dele se casando com uma mulher que não era sua atual namorada, ele rodeado de duas meninas, suas filhas. Amou-as imediatamente. Outros momentos aleatórios e, no final, deu play num vídeo. Era a notícia televisionada de um sequestro. Ele se ofertou para ficar no lugar de sua filha, na confusão, houve um disparo que o acertou no meio do pescoço. A tela ficou escura, Júlio tremendo, preferiu não ter encontrado o celular do futuro.

POESIA: RÁ-RÁ-RÁ - THIAGO LUCARINI

Bem provável que eu seja comédia,

Não que eu ria, rio pouco,

Quase nunca,

Pois flui de mim o mínimo

E a miséria.

Sou fonte de riso para outros,

Riem antes de eu achar graça (divina)

Que os embala frouxos.

Eles têm a comédia das minhas falhas

E a mim resta a tragédia

De um templo erigido em farsas.

Rá rá rá

RESENHA: ENTRE O POEMA E A POESIA EXISTE UM PONTO DE SOLIDÃO DE CALIKCIA VAZ

Poesia, a meu ver, é um processo interno, é preencher lacunas do ser ou apenas dar vazão a elas. Ninguém deve estar cheio de vazios. Não posso encarar os poemas deste livro de forma técnica, pois não tenho capacitação para isso, mas, posso esmiuçar sobre o que as palavras de Calikcia Vaz me trouxeram. Falarei das poesias num todo como uma Voz, uma personagem a ser interpretada.

Sobre o livro físico, a capa é mais que ilustrativa e bela. A qualidade da impressão do Clube dos Autores me impressionou. O livro é muito bem editado. Há pequenas ilustrações que compõem um arranjo perfeito. É nítido o cuidado da autora com sua obra, e isso, é sempre admirável.

A antologia, Entre o Poema e a Poesia Existe um Ponto de Solidão, é composta por quatro atos: Meus primeiros versos, Amanhecer, Entardecer e Ao cair da noite, que traz em seu cerne uma homogeneidade e linearidade muito bem-vindas.

Que fique claro; este não é um livro de poesias felizes, não há um grande ápice de felicidade ou de redenção do eu-lírico, pelo contrário, é uma Voz que se afunda em seus pensamentos, no seu distanciamento do mundo e dos outros. Algo que eu particularmente gosto muito e me trouxe à mente enquanto lia as poesias pessimistas e de somenos de Cruz e Souza ou mesmo de Augusto dos Anjos.   

Pode-se reconhecer na Voz as agruras de uma vida, a perturbação da desilusão do amor e do abandono misturados a um excesso de carência e necessidade de aceitação. Quem nunca? Os versos de Calikcia são carregados de penúria e lamento, da busca daquilo que poderia ter sido, claramente, aprisionados em ecos de um passado idealizado que prometeu felicidade e não entregou. A Voz desestabilizada acostumou-se com a tristeza dos dias e mente ao dizer o contrário, o que a impede, de seguir, de fato, adiante. A Voz habita na falta. É um eu-lírico que vacila em busca de completude e autorrealização no outro, nunca em si, claros nos poemas: Apenas um alguém e Nada encontrei.

Entre o Poema e a Poesia Existe um Ponto de Solidão de CalikciaVaz não é uma coletânea poética para quem busca emoções de felicidade instantânea, ao invés disso, é uma descida visceral ao fundo do poço, é encarar de frente a desilusão e o abandono, a morte física ou idealizada de um pseudo-amor que mais tirou do que deu.

É a amostra pura e desnuda de uma alma que visivelmente busca correspondência de vida, cura e redenção, mais que amor. E, uma obra assim, verdadeira, fala mais de nós, do que gostaríamos de reconhecer.

Thiago Lucarini

sábado, 14 de novembro de 2020

MINICONTOS: BOA MÃE E LAMA - THIAGO LUCARINI

      

         BOA MÃE

Minha filha, dissimulada, chorava ao lado do meu caixão. Ela conseguiu embotar minha vida. Mas, agora, depois de morta, não seria tão fácil se livrar de mim, pois uma boa mãe jamais abandona um filho, mesmo que cruel e ingrato.

***

LAMA

Pegou sua lanterna e foi em direção ao curral. As vacas estavam agitadas. Tinha chovido mais cedo e havia lama por toda parte. Chegou ao curral, os animais assustados se amontoavam num canto, mirrou a lanterna na direção oposta, com o susto que levou, deixou-a cair. Devido ao facho de luz tombado, viu que a lama, feito uma entidade, engolia metade de uma vaca. O homem caído percebeu que a lama a sua volta, envolvia o seu corpo, imobilizando-o em seu estômago voraz e insaciável.


MINICONTO: ANTI-HELMÍNTICO - THIAGO LUCARINI

Meu olho esquerdo começou a coçar poucas horas depois após eu ter tomado um anti-helmíntico. Fui ao espelho do banheiro e abri meu olho à procura de um pelo ou cisco. Durante a inspeção, senti umas fisgadas no olho e ouvi o som úmido e viscoso de movimento vindo do canal lacrimal, algo se arrastava por ele. Vejo o canal se dilatar além do normal e por ele sair um verme, uma solitária. Ela era delgada e molenga, asquerosa. Lentamente se deslocava. Lágrimas se converteram sangue. Eu podia sentir parte dela subindo pela minha garganta e nariz. Não ousei tocá-la, no desespero, poderia parti-la. Tive que assistir com espanto e dor, o verme sair de dentro de mim. Maldito remédio que não indicou ao helminto o orifício correto de saída.

quarta-feira, 11 de novembro de 2020

MINICONTO: BANHEIRO PÚBLICO - THIAGO LUCARINI

 

Estava super apertado, sua bexiga parecia um balão perto de explodir, entrou no banheiro público da rodoviária, o lugar fedia, tinha o cheiro acre e salgado de urina acumulada. Entrou no cubículo do vaso sanitário e começou a se aliviar, seu xixi se misturava ao de outros. O misto de urina de tantos tinha uma cor dourada acentuada. Enquanto se aliviava, encarou o vaso cheio de respingos amarelados, lembrou-se dos refrescos artificiais da sua infância. Terminou de mijar e sucedeu que uma vontade incontrolável de experimentar aquela mistura nojenta e espumante o assombrou.  Tentado, curvou-se e encostou o dedo na superfície das várias urinas, tomado por um frenesi inexplicável, levou o dedo à boca.  Nunca pensou que sairia do banheiro muito mais cheio do que entrou.

MINICONTO: NÃO SE ESQUEÇA DOS CHINELOS - THIAGO LUCARINI


Eu morava sozinho. Acordei no meio da noite com um tap-tap de passos pela casa. Lembrei que havia esquecido meus chinelos na cozinha, um erro. Algo além deste mundo os trazia até mim. Diante da porta trancada do meu quarto os chinelos batiam violentamente, fazendo barulho, não iriam parar. Levantei com o coração saindo pela boca e abri a porta que tremia ante ao ataque, os chinelos passaram por mim com seu tap-tap fantasma e pararam ao lado da minha cama. Na próxima noite, eu teria que me certificar de não esquecê-los longe.

MINICONTOS: MARTELO, LIVRO DA MORTE E CARONA - THIAGO LUCARINI



 MARTELO

 

Enquanto arrumava uma cerca, martelou o dedo sem querer e descobriu uma estranha satisfação. Após mirrou o martelo nos próprios dentes, foi como ouvir cerâmica quebrando, a dor o abalou e o prazer, estremeceu. Em meio ao sangue que pingava, escolheu a próxima parte do seu corpo a ser esmagada. 


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LIVRO DA MORTE

 

Quando abri o pacote não solicitado, destinado a mim pelos correios, descobri apenas algumas poucas páginas, intituladas “O Livro da Morte” com toda a minha árvore genealógica e datas das mortes passadas e futuras da minha família. As datas dos já falecidos estavam todas certas. Chequei meu nome por curiosidade e minha morte estava marcada para dali a uma semana. Seria uma brincadeira de mau gosto? Seria verdade?

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CARONA

A chuva o atrasou. Era madrugada e ainda não tinha cruzado a divida entre estados. Um carro na pista contrária da BR vinha com o farol alto, desviou o olhar por um segundo para o espelho retrovisor e viu uma mulher espectral sentada no banco traseiro do seu carro. Arrepiou-se, pois viajava sozinho.


MINICONTO: BONECO VUDU - THIAGO LUCARINI


            Mostrou para o seu namorado, o boneco de vudu que fez dele de zoeira. “Para de ser boba.” – Disse Matheus. “Vamos ver se funciona?” Bia pegou um alfinete e cravou na cabeça do boneco, que frágil se desfez. Ambos riram. Logo, seu namorado levou as mãos à cabeça, segurando-a e começou a gritar descontroladamente. “Para com isso.” – Reclamou Bia, achando ser uma piada. Porém Matheus não parou, ele gritava agonizando. Bia viu surgir no meio da testa dele um buraco que foi gradualmente crescendo, os ossos do crânio de Matheus estalaram e sua cabeça explodiu, cobrindo Bia de sangue e cérebro.   

sábado, 7 de novembro de 2020

MINICONTOS DE HORROR - THIAGO LUCARINI

 

Quando clicou no ícone do aplicativo a tela do celular se abriu, mas não da forma convencional. Abriu feito um buraco interdimensional que engoliu e decepou o seu dedo em segundos. Logo, o celular voltou ao normal, porém sua vida de clicar havia acabado.

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Sua mão escorregou para fora da cama. Sentiu as lambidas úmidas e quentes de sua cachorrinha. Toda arrepiada lembrou-se que havia três meses que sua cadela tinha morrido.

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As cebolas, as cenouras, as batatas, tudo cozinhava no molho grosso. Não entendia o porquê havia demorado tanto para realizar aquele desejo. A carne perfumosa estava tenra e suculenta. Fez seu prato e sentiu-se à mesa. Salivava. O torniquete em sua perna esquerda vazava sangue, enfraquecendo-o, não se importou, pois seu pé cozido parecia apetitoso demais.

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 Meu gato me encarava estático. Era verdade! Os gatos podiam ver os mortos.

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Ele acordava todas as manhãs com sua esposa acariciando sua barba. Um hábito que ela não perdeu mesmo depois de ter sido levada pela doença.

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Mãos nervosas a acariciavam no meio da madrugada. Seus olhos marejavam limpos de qualquer sono. Queria muito que fosse um monstro hipotético, preferia até o demônio religioso. Assim, não odiaria alguém tão próximo.

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Não entendia o porquê seu bebê continuava a chorar mesmo depois de tê-lo colocado para dormir no fundo da banheira cheia de água.

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Depois de um tempo sentada no sofá, sentiu uma mão fria tocar sua pele. Teria que esconder melhor o corpo do seu ex.

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Conversava com sua amiga pelo Whatsapp trocando mensagens de voz. Reconheceu que em um dos áudios não era sua amiga quem falava. Uma voz espectral e ruidosa anunciava: “Ela morre amanhã.”

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Ignorou o aviso da amiga. Mas quando o carro do seu pai travou num engavetamento e viu pelo espelho retrovisor uma carreta vindo desgovernada, só fechou os olhos.

MINICONTO: VIDRISMO - THIAGO LUCARINI

Seus molares inferiores esquerdos há dias incomodavam. Analgésicos eram como água. Pegou um espelho de mão, abriu a boca e olhou. Lágrimas rolaram, deixando rastros em sua maquiagem. Percebeu que estava com uma maldição rara, chamada, Vidrismo.  Era inevitável. Todos os seus dentes humanos seriam substituídos por dentes de vidro que a cortariam de dentro para fora, pois uma vez quebrados, voltavam a crescer como facas irregulares e cortantes. Dando-lhe uma morte lenta e dolorosa.

POESIA - ÁGUA - THIAGO LUCARINI

Minha alma flutua

Em águas solitárias.

Não há ondulações

Nem bolhas

Nem peixes.

Só eu,

Água.

sábado, 31 de outubro de 2020

MINICONTO: MENTE CRIATIVA - THIAGO LUCARINI

Thiago era um desses escritores fracassados antes mesmo de começar, mas que realmente fazia das palavras seu mundo. Por meio de suas histórias ridículas brincava de matar seus amigos e amores passados. Thiago tinha uma mente cheia de pensamentos intrusivos, dos quais, aproveitava-se nas suas criações. Porém, tudo mudou no dia das bruxas daquele ano. As palavras que tanto amou, passou a odiar. Amaldiçoado pelo Verbo, agora, qualquer ideia torta que tivesse tornava-se realidade. Descobriu isso do pior jeito. Dentro de um ônibus, voltando para casa, enquanto uma criança chorava afoita, pensou: “Bem que podia morrer.” O bebê parou de chorar e a mãe gritou, desesperada. Thiago teve provas, o suficiente, após, para descartar as chances de ser coincidência. Antes o que era glória virou um inferno. Thiago tinha que controlar seus pensamentos o tempo todo, de forma deliberada. Trancou-se em casa, a solidão era salvação, uma vez que sem matar outros, seus pensamentos venenosos o apodreciam, literalmente.