segunda-feira, 23 de novembro de 2015

POESIA - O CRAVO EM DEFESA DA MARGARIDA - THIAGO LUCARINI

FOTO: Thiago Lucarini

Uma poesia para mulheres vítimas de violência doméstica

Continuo observado meu lar: o Jardim Estéril.
A margarida se casou cedo com o jasmim
No início tudo parecia muito promissor
Um legítimo conto de fadas, uma lenda
A ser escrita com letras douradas.
O jasmim era um verdadeiro cavalheiro
Porém escondia algo sombrio e nefasto
Sob a máscara de falsas gentilezas da conquista.
O jasmim não gostava de ser contrariado
Na sua doentia concepção controladora
A margarida devia servi-lo incondicionalmente
Na hora em que ele bem entendesse
O jasmim se achava um rei inquestionável
A margarida não era somente uma esposa
Mas também uma abdicada serviçal.
A margarida não percebeu seus desvios de conduta
Até ser tarde demais, fato do qual se arrepende.
Com o tempo a situação tornou-se pior
O jasmim agressivo, por coisas sem nexo
Iniciou uma onda de rotineiras agressões
Físicas, verbais, sexuais e morais
Contra a inerme margarida, que chorava
Suas pétalas quebradas e maltratadas.
Ela passou a sentir-se a cada dia mais feia
Não conseguia achar o seu perfume
Esqueceu-se da primavera e vivia só de invernos.
Ninguém do jardim atrevia-se a ajudá-la
Valendo-se da máxima:
“Em briga de flores ninguém mete o espinho.”
Nessa levada, a silenciosa flor, se perdeu
Acostumou-se a ser saco de pancadas
Afinal, devia ser submissa, sempre a ensinaram assim
O jasmim, por sua, vez era um crédulo no seu direito
De exigir e educar pela força e não pelo diálogo.
Ele reproduzia o comportamento que aprendeu
No jardim de sua infância. Obviamente, que
Para a margarida não era tão fácil denunciá-lo
Mais que tudo, ela tinha medo, e o amava
Independentemente; um amor distorcido.
A margarida não sabia o que seria dos seus filhos
Se ficasse sozinha, sentia-se incapaz e baixa.
Além do mais, o jasmim, não era mal sempre
Somente quando ela o desapontava, a culpa era sua,
Só precisava tomar um pouco mais de cuidado.
E este pensamento da margarida continuou
Ela nunca chegou a falar com o Jardineiro
Numa noite qualquer o jasmim voltou bêbado de pólen para casa
Na tarde seguinte a margarida eclipsada foi velada e as florzinhas
Destinadas a abrigos de outros jardins hospitaleiros.
A margarida não teve chance de se defender
E não terá outra chance de viver e mostrar sua primavera.
Digo as outras flores que padecem deste mesmo mal:
“Não aceitem um amor quebrado que somente fere.”
Ninguém deve viver de migalhas de um falso amor
Nenhuma flor deve perder suas pétalas em brigas.
Femininas flores vernais e maduras achem seu valor
O seu brilho roubado pela opressão esmagadora.
Logicamente que sei que nada é tão simples
E que o adubo da fé, ás vezes, é escasso
Porém não há complicação sem solução maior que a morte.
Por isso, flores violadas, lutem! Vocês são capazes.
Eu nada pude fazer pela margarida, mas estou aqui
Abrindo estas palavras para dizer ao vento:
“Por mais escuro que um jardim seja,
nenhuma flor está de fato sozinha, por favor,
não seja a próxima margarida enterrada
sob o triste manto de um amor infloral.


2 comentários:

  1. Fantástica poesia, bela mensagem. Você descreveu no mundo das flores o que acontece na vida dos humanos e infelizmente muitas margaridas tem medo de contar ao jardineiro as retaliações que recebem.

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