sexta-feira, 20 de novembro de 2015

CAPÍTULO EXTRA: UM POUCO ALÉM DO VÉU DA MORTE - THIAGO LUCARINI

13 de Novembro de 2015
Paris – França

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Dedicado a Thiago Assoni, Mariana Xavier, Elizabeth Anielle, Divino Alexandre Vaz Neto, Thayane Menezes, Antony Magalhães, Claudio Quirino, Peter Pires, Angie Stanley, Renata Christine de Sousa, Munique Rosa Ferreira, Elizabeth Cesila, Rozilda Marques, Pedro Lamartine, Kátia Navarro, Letícia Cristina de Souza Oliveira, Bruno Antunes, Pollyanna Silva de Carvalho, Silvia Maria Tayar Nogueira e a todos aqueles que sabem o valor deste livro para mim.

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É noite neste novo lugar que chego com a Morte. Tudo parecia calmo, fator que me faz tremer. Ela me lança seu olhar benevolente.
— Abel, antes de continuar com sua jornada; eu preciso mostrar-lhe alguns acontecimentos anteriores a essa noite. Decidi não levá-lo a cada um destes lugares para poupar-te sofrimento. — Uma pausa. — Não quero que sofras desnecessariamente.
Suspiro um pouco aliviado, por não estar no local dos acontecimentos, porém temia pelo o que viria a seguir.
Eu e a Morte estávamos na orla de um rio que cortava uma bela cidade, suas construções modernas mesclavam-se a um universo mais antigo e requintado. Naquele ponto da cidade em questão não dava para intuir muita coisa de qual parte do planeta estávamos. As águas escuras serpenteavam com a paciência dos tempos. Um Estige lento sem pressa de arrastar suas almas.
— Onde estamos? — pergunto.
— Deixarei isso em suspense — respondeu ela, — não se atenha a este detalhe por enquanto.
A Morte caminhou até a margem do rio e tocou suas águas mansas.
— Não se assuste Abel.
No mesmo instante as águas se agitaram e se ergueram num paredão do tamanho de uma tela de cinema. O líquido escuro e geométrico parecia ter bebido o breu místico da noite. A tela inimaginável tremeluziu e de repente começou a transmitir algo. Sorte a nossa que os humanos não podiam nos ver.
— Uau! — sussurro maravilhado.
— Preste atenção, por favor.
Vejo um motim numa praça. Centenas de pessoas protestavam. Foguetes sobrevoam uma cidade de aspecto bastante castigado, assim que estão sobre o alvo (os manifestantes) os foguetes detonam contra construções próximas. Poeira e gás invadem as ruas numa nuvem maligna e tóxica, muitos gritam de pavor, as pessoas estavam sendo intoxicadas, envenenadas. Tremo, pois me lembro de algo assim.
— Este é o ataque químico ocorrido na Síria em 21 de agosto de 2013 — digo.
A Morte balança a cabeça afirmativamente. O vídeo acelera. Numa espécie de templo ou mesquita, não sei definir, milhares de pessoas estão deitadas no chão; todas passando muito mal, outros (sadios, usando máscaras e roupas especiais) tentam amparar os atingidos pelo Gás Sarin. Este elemento nocivo o Sarin é um poderoso gás neurológico, a dose letal ao ser humano é de apenas meio miligrama sendo que os expostos diretamente a uma dose letal morrem no primeiro minuto. Imagine o efeito e a proporção do estrago de uma bomba disso, entre seus efeitos estão: dor de cabeça aguda, confusão, fraqueza, dilatação das pupilas, vômito, diarreia, entre outros males, levando rapidamente o atingido a convulsões e paradas respiratórias antes do sono definitivo.
A Morte me olha compadecida.
— Este fora um ataque covarde do governo ditador contra o povo rebelde que ansiava uma melhor condição de vida em seu país, mas infelizmente, muitos políticos só querem saber de massificação e poder; pouco se importam com a qualidade de vida daqueles para quem regem. Neste ataque hediondo mais de 1,4 mil pessoas morreram, em sua maioria, mulheres e crianças. Ato cruel cometido por quem teoricamente deveria defender e salvar.
A Morte abaixa a cabeça e a cena no vídeo muda.
Vejo o que parecia ser uma redação de jornal. Pessoas trabalhavam em suas mesas, outras andavam de um lado para o outro com papéis e impressos diversos, o lugar é bem colorido e divertido. Abruptamente a redação é invadida por homens fortemente armados que disparam tiros de fuzis contra as pessoas que estavam ali trabalhando.
Fecho os olhos. A cada estampido me encolho. Sinto um toque no meu ombro. Os estampidos ressoam por mim mesmo após seu fim.
— Já acabou — anuncia a Morte pesarosa.
Todas as pessoas até então vivas estão mortas, estiradas debilmente no chão ou em suas respectivas cadeiras. O piso da redação cobre-se de vermelho, sangue fresco espalha-se. Meus olhos marejam. O massacre fora motivado por charges ácidas e de gosto um tanto dúbio ao Islamismo e seus principais símbolos Alá e ao profeta Maomé, obviamente, que isso não justifica ou atesta a barbárie cometida.
— Ataque ao jornal francês Charlie Hebdo em 07 de janeiro de 2015. — digo, minha memória estava excepcionalmente atuante. 2015 fora um ano terrível.
— Sim! Mortes causadas em defesa de algo que não se explica. Será mesmo essa a vontade soberana deste Ser Supremo pelo qual pregam fidelidade e amor banhados em sangue limpo? Todavia, Abel, este ainda não é o ponto.
Os atiradores saem do prédio na tela. Recordo que o ataque ao Charlie Hebdo ainda geraria ocorrências delicadas por alguns dias. A Morte faz um gesto discreto e a parede de água televisiva mostra agora uma vasta praia de areia negra. Ondas quebram-se a beira-mar sem muito alarde. A cena segue a linha da orla até chegar a um garoto deitado na areia, de início pensei que ele repousava, porém o fato explode na minha cabeça como fogos de artifícios.
O garotinho estava morto, aquele era Aylan Kurdi uma criança de três anos, um refugiado da guerra civil na Síria, que acabou morrendo na travessia de barco entre a Turquia e a Grécia no dia 02 de setembro de 2015 na tentativa de os pais de saírem da linha de fogo dos confrontos entre seu país e o radicalista Estado Islâmico, o mesmo responsável pelo ataque ao jornal francês e que vinha abalando a estrutura da Síria (como um câncer) de forma irrevogável. A mãe e o irmão de Aylan também morreram, restou apenas o pai. Uma família naufragada. Os afogados pertencem ao mar, aos vivos pertence um pedaço deste mar convertido em lágrima.
A Morte ouvia meus pensamentos, pois diz:
— As guerras possuem inúmeros efeitos colaterais perniciosos, seus refugiados acabam por sofrer tanto quanto se estivessem em zona de guerra. Muitas vezes, eles precisam de apoio e abrigo fora de seu país, coisas que não são facilmente achadas; estes humanos acabam passando fome, sede, frio, calor, vergonha, maus-tratos e consequentemente adoecem e perecem. O êxodo da guerra é igualmente nocivo, pois também mata sem piedade aqueles que tentam se salvar do inferno imputado por homens e suas chamas de ódio.
— Isso é algo cruel demais.
Eu e a Morte suspiramos concomitantemente. A imagem muda novamente. Observo agora uma extensa barragem de concreto no leito de um rio caudaloso. O sol brilhava forte, homens trabalhavam, tinham uma rotina normal ao que tudo indicava. Sem qualquer anúncio prévio vejo a barragem se romper levando tudo a sua frente.
Uma onda de água e detritos varre o leito do rio numa enxurrada astronômica. A imagem muda e reflete o avanço da água suja sobre uma pequena vila. As águas lamacentas encobrem a região, a força de impacto leva casas, pessoas, árvores, tudo o que está pela frente. Nada podia conter a fúria da devastação, é triste ver. Tento suprimir alguns tremores internos de pavor. Uma cicatriz marrom e impiedosa rasgava a terra e tudo nela. O rio afogava-se em si.
— Eu não conheço este fato.
— Imaginei que não saberia mesmo, pois este acontecimento fora pouco exibido nos noticiários de países estrangeiros. Este é o rompimento da barragem do Rio Doce em 05 de novembro de 2015, ela ficava próxima a vila de Bento Rodrigues, a 35 km de Mariana, no estado de Minas Gerais no Brasil. Recorda que vimos neste país o desastre radiológico como o Césio 137 em Goiânia?
— Sim! Não posso me esquecer do seu ponto de vista sobre ignorância e inocência.
A Morte sorri gentilmente e continua:
— Uma grande empresa mineradora fazia obras de expansão na barragem, mas algo deu errado, muito errado. A estrutura da construção se rompeu levando consigo o que encontrava pela frente, além de conter rejeitos de minério de ferro resultante da produção de aço.  Houve várias mortes diretas e indiretamente a tragédia. A contaminação ambiental gerou gastos dispendiosos e muitos prejuízos não contáveis. A vila de Bento Rodrigues distrito de Mariana, primeira na linha de choque, ficou devastada e soterrada em lama; muitas outras padeceram. O caos imperou por longos meses. A empresa responsável pela barragem pagou uma multa bilionária aos órgãos competentes, mas pouco se soube dos danos reais as vítimas. O impacto ambiental gerado se arrastou por anos a fio, feito o herbicida: Agente Laranja visto no Vietnã.   
 Eu não entendia a ligação entre os fatos. Tudo parecia uma Babel de informação.
— Logo fará sentido. Eu prometo.
A Morte faz um gesto com a mão e a água-tela volta à correnteza leve do rio como se nunca houvesse saído dali.
— Todos estes acontecimentos desaguarão de certo modo no que virá a seguir. Estes foram apenas os ventos das pequenas ondas que formarão o tsunami. — Conclui a Morte.
Arrepio.
A Morte se aproxima de mim, me segura por sob os braços e sem aviso alça voo. Só então me dou conta de onde estamos. A margem em que vimos os acontecimentos pertencia ao Rio Sena na capital francesa Paris, detalhe que me fez perceber o que eu veria logo mais. Passamos pelo Arco do Triunfo, logo vejo a Torre Eiffel.
Voamos por algum tempo, rumo ao norte, saindo do centro histórico e turístico de Paris até pousarmos em frente ao teatro Bataclan. Adentramos o local atravessando a parede. Portas não faziam mais sentido.
Pessoas se divertiam alegremente. O show de um grupo de rock chamado Eagles of Death Metal animava os presentes, o local estava lotado. Eu queria poder berrar com todas as minhas forças e tirar todos dali, mas eles jamais poderiam escutar minha voz. Eu não passava de um pseudo fantasma expectador.
E aquele momento da história já havia acontecido há bastante tempo. Eu não podia mudar o passado, somente estava apto a presenciar e sem interferir. De repente os vejo. Homens usando balaclavas invadem o local e abrem fogo com fuzis. Pessoas são retalhadas, feridas e mortas, há sangue para todos os lados. O tempo acelera. Militares invadem o Bataclan e o confronto entre terroristas e a polícia é ferrenho. BOOMMMMMMMMM, os homens-bomba se autodestroem fazendo ainda mais vítimas. A polícia toma conta do teatro logo após. Há esperança, há medo, há mortes.  Lágrimas vertem dos meus olhos. O desespero e desolação dos vivos e machucados são nítidos, quase palpáveis. Sinto uma leve vertigem.
— Se acalme Abel — pede a Morte. Ela toca meu ombro. — Já não há mais nada aqui.
O tempo acelera. De alguma forma eu estava de volta aos braços da Morte sobrevoamos uma área perto de um estádio de futebol, o Stade de France. Do alto percebo o estádio lotado. Sinto um calafrio. Lembro-me que o jogo em questão era um amistoso entre França e Alemanha. Na minha memória vêm à imagem da transmissão de TV do jogo parando após o estrondo de detonação de um homem-bomba nas proximidades, pessoas correndo das arquibancadas e invadindo o campo de futebol tamanho o medo e pânico. Não me lembro de muito mais.
— Ali. — aponta a Morte.
Três homens caminhavam nas proximidades do estádio com certa distância um do outro, eles trajavam uma vestimenta estranha carregada de algo que não sei precisar.
— São os homens-bombas — diz a Morte.
— Nã...
BOOMMMMMMMMM.
Antes de terminar de falar o primeiro homem se explode causando caos e tumulto em toda a região, pessoas se ferem. Segunda explosão. Terceira. Do alto posso ver a desordem estabelecida. Tudo é cruel e desumano demais. Choro em silêncio.
— Já chega! — anuncia a Morte.
Escuto o som da desordem e da dor. A Morte deixa de sobrevoar o local dos atentados e volta em direção ao centro de Paris. Uma viagem rápida. Pousamos no alto da Torre Eiffel. Se eu fechasse os olhos poderia até fingir que nada daquilo estava acontecendo.
Como numa espécie de castigo lembro que além dos ataques ao Bataclan e ao Stade de France atiradores extremistas abriram fogo em restaurantes e bares de Paris aumentando a contabilidade de mortos. Aquela fora a noite em que a Cidade Luz apagou-se pelo terror.
— Está um pouco melhor, Abel?
— Acho que nunca estarei bem de fato.
Suspiro. Silêncio.
— Não entendo tudo o que me mostrou Morte.
— O que quero que percebas aqui é a barbárie imposta pela ditadura ou milícia da fé. Como o homem pode ser extremamente cruel e sórdido em nome de alguma divindade.
— Não entendo o que Mariana no Brasil tem haver com tudo isso.
— Nada! Mariana não tem nenhuma ligação com os extremistas. A função dela nas imagens que lhe foram apresentadas e tocar em outro ponto das tragédias: a mesquinharia humana. Os humanos têm a péssima mania de competir com suas dores, com seus circos de horrores. Eu escuto boa parte das coisas do mundo dos vivos, apesar de os pensamentos dos viventes pertencerem a Vida. Pela proximidade dos eventos entre Mariana e Paris houve meio que uma disputa de ‘a pior’ tragédia pelas Redes Sociais. (Sim Abel! Eu sei o que são as mídias de comunicação). Como se o sofrimento de cada país não fosse suficientemente perturbador.
“O fato é que não dá para comparar as tragédias. A causa do fim da vida em Mariana e nas cidades e vilas do curso do leito do Rio Doce está associada a uma fatalidade que pode ser de responsabilidade de alguém, ou seja, negligência, descuido, falha humana. Ocorrem milhares de tragédias por desatenção humana, como visto no Grande Incêndio de Londres de 1666.
Já o ataque a França se deve ao extremismo religioso do Estado Islâmico. Como viste a Síria sofreu ataques do próprio governo, como se isso não bastasse ainda teve que lidar com o grupo radical que casou milhares de encerramentos de existências diretamente (vítimas de linha de combate) e indiretamente (o êxodo de guerra), o garotinho Aylan Kurdi é um tenebroso exemplo disso.
 Os olhos da própria Morte marejam.
“Os ataques terroristas são o reflexo de uma situação que se arrasta há anos no Oriente Médio. Deste culto de ódio, dessa não aceitação da crítica a determinada religião e das ações de retaliação francesa contra as atividades do grupo radical.
“Uma coisa não tem nada haver com a outra. Somente o luto e a dor são iguais. Nenhuma lágrima pesa mais que a outra. Os mortos não são insensíveis. Os vivos sim! Não consigo aceitar este discurso de que o meu sofre mais do que o seu. Os que pensam assim não estão muito longe daqueles que dizem abominar.
— Concordo com você. Uma situação não está nem perto da outra. Não há semelhança, portanto, não há comparação. Só a dor dos que ficam é igual. É vergonhoso o que nós humanos fazemos, queremos ser os melhores até na desgraça — digo consternado.
A Morte continua sua fala:
— Particularmente creio que Deus, Alá não deseja um rebanho cego, pois a cegueira levará suas ovelhas a caírem do penhasco encontrando a morte e o inferno tão temidos. A Bíblia, o Alcorão, Os Vedas, o Talmude ou qualquer outro Livro Sagrado não são um cabresto ou mordaça, muito menos instrumento de hipnose galinácea, mas sim, uma ferramenta de liberdade, arrombadora de correntes e grilhões da alma. Quem faz da fé um chicote contra a humanidade não tá lá muito certo, pois ela não foi feita para mutilar. Toda religião está aberta a crítica e ao questionamento, uma vez que, são ideologias.
“Vomitar impunemente doutrinas cheias de dogmáticas inflexíveis, nocivas e cruéis na água dos inocentes e domináveis devia ser considerado um ato terrorista contra o direito humano, afinal, na atualidade não há nada mais ferido e violado que o Livre-arbítrio, ele foi da concretude famélica a utopia quimérica, pobrezinho, definha, padece na escuridão do inaceitável e incompreensível. Deram-lhe uma sarjeta suja e não há um habeas corpus para soltura a vista.
Sem escolha, direcionamento e questionamento imperará o extremismo mental, de conduta e religioso. Não há possibilidade de diálogo, meio-termos, muito menos respeito à vida ou ao próprio Deus, Criador de todas as coisas.
“Muitos fazem da religião um lodaçal denso e traiçoeiro, isso certamente é um pecado abominável e a brecha do Diabo, de Iblis, a maçã do seu jardim. Não é de hoje que o homem confecciona seu próprio inferno, dando ao demônio os meios para combatê-lo como um verme insignificante incapaz de fazer metamorfose, de pensar. Incapaz de construir suas próprias asas, mas autodidata em sua singularidade natural, animal e certeira de queimar-se nas chamas da opressão retalhadora e da ignorância. O Inimigo só reflete e usa o que nós ofertamos, aquilo que pomos a sua disposição. O Grande Mal tarjado, lá no fundo, muitas vezes, chama-se apenas: eu, nós.
“Estes humanos falso-religiosos fazem de ‘Deus’ um espetáculo forjado, a Religião, o Templo, a Igreja servem ao homem e não ao seu objetivo inicial ou Pedra Fundamental. É dado gato por lebre, Santa Hipocrisia Humana por Paraísos revestidos de ouro, rios de leite e mais de cem virgens. Haja heresia! Abram as portas da Redenção, todavia, mãos tiranas perderam a chave, o amor, em busca de domínio e poder sobre outros deuses que presumidamente e igualmente deveriam ser Unos.
“A Santidade, a honestidade e os missionários sensatos entraram em extinção. Os Santos lamentam, perdeu-se o prumo limpo e altruísta da fé de outrora. Massificados os humanos são apenas ovelhas primitivas e cegas, tomando fé a conta-gotas ou em pílulas diárias e mesquinhas de crenças natimortas. O púlpito e o altar viraram Casa de Penhores e Embargos do Firmamento tendo como principal associado o Inferno. Outorgar-se uma auréola sobre a cabeça será sempre um ato falho, pois o homem jamais terá um parâmetro isento e ideal para medir sua própria retidão ou a alheia.
“Os humanos esquecem-se que a ousadia dos ensinamentos de Jesus Cristo e de tantos outros profetas consistia em não ter amarras ou julgamentos pré-concebidos. Eles não pediam nada além do amor ao próximo. Jorra fogo, porém não do purgatório, mas de fuzis, bombas e do pior de todos: da ignorância letal. A força celestial sempre residiu na bondade e amor a si e ao outro. Contudo, devido ao pensamento quebrado implantado os humanos veem na falsa luz, esperança, porém enganados, morrem, assim como mariposas atraídas pela lamparina sedutora. A humanidade não é mais capaz de distinguir o Original do banal. A Salvação tornou-se prêmio de loteria: ganha quem apostar mais.
“Cansam-me estes radicalistas que pregam a Lei, a Palavra ou uma doutrina com o martelo da arrogância. A prepotência e o ego falho derrubam as paredes da edificação-religiosidade, por isso, Igrejas, Muros, Templos, Mesquitas, Santuários caem a todo instante sopradas pelo Lobo Mau de hálito atômico. Homens se fazem deuses sem buscar uma ligação verdadeira com Deus, e fatalmente despencam do seu imoral pedestal, sua fé de cera derrete ao sol da verdade inexpugnável, e assim o mal prevalece. Enquanto isso, o verdadeiro Senhor chora, e eu separo almas. Se for para se ter posicionamentos tão sangrentos e hediondos fundamentos e pautados em religião, ao invés disso, que os humanos professem então exemplos mais brandos como o Bule de Chá Celestial ou o Pastafarianismo, pelo menos assim será derramado chá velho ou molho de tomate vencido e não sangue humano.
Fico em silêncio apesar de não entender muito bem as últimas palavras da Morte. Entretanto, não há o que falar. Ela estava certa. O vento sopra na noite fria. Observo as luzes de Paris que me pareciam bastante frias e tristes. Sinto meu rosto molhado. Outra vez, estou impotente e a Morte nunca me pareceu tão sábia.
— Calma, meu amigo Abel. Os tempos mudarão, ainda virão coisas piores sobre a face da Terra. Não sofras tanto. — Ela afaga meu rosto. — A esperança só pode vir dos vivos, e dos Céus. O futuro é mutável e só depende de escolhas melhores e mais sábias.
— Obrigado.
— Bem, continuemos sua jornada. Lembre-se daqui em diante que Deus, nenhum deus deve ser tirano e opressor e se saciar em sangue de inocentes, isso é fundamentalismo banal humano. Deus é amor e jamais deve ser rebaixado como um guerrilheiro ou arruaceiro de causa incerta que bebe sangue inocente. É preciso questionar: será isso a Santidade de Deus? Quando o homem diminui a grandiosidade e benevolência do Senhor de acordo com o interesse retrógado humano é gerado o caos. Ao simplificarem o Pai a sua imagem e semelhança os homens estupidificam irrevogavelmente a Deus. A vida é a maior bênção Dele, por isso, não a menospreze jamais. Qualquer um que diz o contrário não fala por um Senhor justo, bom e face de pleno amor.
Balanço a cabeça positivamente. A Morte abre a porta do elevador da Torre Eiffel. Obviamente que não desceríamos. Ela me estende a mão, a pego sutilmente.
— Próxima parada — digo com um leve sorriso.
— Próxima parada — aquiesce a Morte com um sorriso mais belo e forte.
Entramos no elevador rumo ao próximo destino.

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AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer a todos pelo apoio e incentivo nestes tempos de crise. Voltar a Morte e ao Abel foi algo mágico. Minha alma vibra por estes personagens que tanto amo. Como digo sempre Além do Véu da Morte é o meu best-seller de 30 cópias. Só um detalhe: a grande fala da Morte no final é uma reformulação do meu artigo Pastoreio no Lodaçal publicado no jornal Diário da Manhã e nem todos os fatos ocorridos foram descritos com total fidelidade, algumas coisas foram alteradas por conta da narrativa.  Obrigado por ler e até a próxima.

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Setlist:

Utopia – Within Temptation (Feat. Chris Jones)
Dare to Belive – Boyce Avenue
Lacuna Coil – Losing My Religion
Lost in Paradise – Evanescence

Where Does the Time Go - A Great Big World

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