quinta-feira, 1 de setembro de 2016

CONTO: ÁRVORE SECA - THIAGO LUCARINI

Estática no meio de um jardim de plástico e hipocrisia, Árvore Seca, um dia fora à fonte de proventos daquele lar de flores miseráveis, arraigadas naquele solo infértil e regado com ingratidão. Sem medir esforços fazia de sua seiva, sangue. Dos seus galhos que trabalhavam dia e noite, nasciam os frutos para alimentar e aplacar sua cria faminta de anseios e sedenta por consolo e compreensão.
Entretanto, o avançar do tempo não é gentil com ninguém. Árvore Seca no passado foi jovem e bela, verdejante e frondosa, de casca forte, lisa e brilhante e raízes resistentes. Árvore jovem como era desejava alcançar o céu e abraçar o mundo com seus braços de madeira impetuosa. Sua copa majestosa que transbordava florescência fora ninho para pássaros-pensamentos e parque de diversão para crianças travessas. Hoje, Árvore Seca não possui atrativo algum, mal se sustenta de pé, o viço desapareceu deixando para trás o asco, as folhas caíram e os galhos restantes caem aos poucos apodrecidos e deterioram-se em terra pobre de emoção, sua casca agora enrugada, maltratada e quebradiça não tem a beleza de outrora. Árvore Seca, que antes, era motivo de orgulho, já não passa de um trambolho feio e incômodo, tornou-se lar de ninguém, hospedeira do vazio, somente não encontrou solene fim, por ínfimo remorso daqueles que cuidam pessimamente dela.
Árvore Seca abandonada vive aos lamentos do vento da solidão. Sozinha e lesada entoa uma sinfonia de lágrimas secas, pois não encontra amor naqueles que deveriam amá-la. Ela é constantemente jogada de um lado para o outro, suas raízes cansadas e fracas já não aguentam mais. Muitos descansaram a sua sombra cálida e comeram dos seus frutos, mas agora que precisa de amparo, somente encontra desprezo. Árvore Seca é tida como inútil e incapaz, porém seus ouvidos, mesmo débeis, ouvem perfeitamente, o quê as suas sementes-germinadas e prósperas dizem a seu respeito e chora. Chora por não ser mais o que um dia foi. Chora pelo fim próximo, que cruelmente se arrasta para abraçá-la de vez.
Árvore Seca largada ao pó e cinzas é regada diariamente com esquecimento, apenas observa a vida e pede a ela internamente que suas sementes não paguem pelo o sofrimento que a impuseram. Árvore Velha pode ter a aparência seca, mas seu coração não é, pulsa quente e generoso. Por isto, roga aos poderes sobrenaturais — Deus — indulgência para aqueles que a condenaram à tristeza e solidão irrevogável no fim de sua existência.
Árvore Seca se pudesse voltar no tempo, não mudaria nada do que fez por sua cria vegetativa de consciência basal e dormente, talvez, desse a eles mais sombra, água, alimentos e amor. Expandiria os seus galhos ao máximo que pudesse, e faria deles, abrigo seguro para proteger-lhes demasiadamente. Pobre e tola Árvore Seca, não percebe que o excesso de zelo foi o que tornou sua prole pífia, tão má assim. Ela só tem uma culpa — a de ser amorosa.
Sem arrependimentos. O que fora feito estava feito. Árvore Seca não iria mais reclamar, até porque, isso chateava aqueles que ela amava. Árvore Seca então esperou pela sua morte pacientemente, seu corpo definhou lentamente em arauto lúgubre, corvos a rondavam crocitando, chamando a morte. Desta forma, ela percebeu que se tornou um estorvo ainda maior, de tristeza quis mesmo morrer, e o seu desejo, em breve, seria atendido, pois aqueles que deviam sentir remorso, por tamanha crueldade, já não sentiam mais nada. Seus corações eram mais vis e áridos, que o corpo vitimizado pelo tempo da Árvore velha.
Finalmente, depois de muito debate a família da Árvore Seca decidiu pelo seu fim imediato, uma vez que ninguém queria gastar mais qualquer quantia de tempo com ela. Árvore Seca fedia a cupim e ranço e caia aos pedaços por descuido. Sim, ela lhes deu à vida, mas isso seria motivo suficiente para aguentá-la até o final dos seus dias? Tamanho sofrimento e desconforto não deviam ser impostos a eles ou a ela.
Era chegado o encerramento de um ato, a primavera dourada acabou. A libertação chegaria para todos. Decidiram que a árvore mais jovem deveria derrubar a Árvore Velha, já que nenhuma culpa recairia sobre si. Após combinado tudo, o jardim fora esvaziado e a ação tirana começou.
Árvore Seca sabia que o dia de a sua passagem para o Além Florido havia chegado, logo suas sementes-germinadas, a quem tanto amava, tomaram a decisão funesta com consciência titânica. A árvore matriarca sentiu, por um momento, saudades da infância, um brotinho embalado pela casca protetora da semente, onde a morte era apenas uma deusa do sono. Árvore Velha viu Árvore Jovem aproximar-se lentamente com a arma de execução em mãos, a juventude não escondia a maldade em sua face, nela não havia nenhum tipo de comiseração pela anciã. Árvore Seca fechou os olhos conformada e pediu pela última vez a Deus que não sentisse dor quando fosse derrubada, e de novo, pediu que suas plantinhas burras e sem coração nada sofressem no futuro, pois não eram culpadas, de fato, apenas suas almas foram corroídas por cupins malignos.
Árvore Seca sentiu a lâmina fria que ceifaria sua vida tocar sua casca frágil e desgastada. Ela, enfim, não seria mais um incômodo a ninguém. Árvore Seca suspirou conformada e aliviada, estava em paz. Rapidamente o objeto cortante rasgou sua débil casca-armadura enferrujada pela idade. Não sentiu dor. Seiva vermelha escorreu como um rio a tingir a noite sem estrelas do jardim dos mortos frios. Antes de deixar o mundo terreno por completo, escutou a última frase em tributo fúnebre da Árvore Jovem:
— Adeus vovó. — Sussurrou o neto da velha senhora sem emoção alguma.

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