sexta-feira, 29 de julho de 2016

POESIA - NECROTÉRIO - THIAGO LUCARINI



Depois de passar pela indelicada autópsia
Do legista. E do homem que banha o morto,
Repouso na gaveta da geladeira do necrotério.

Estúpido, morri de um amor inútil.
Depositado aqui neste frio inox estéril,
Penso em como vim parar neste lugar

Ainda governado pelos teus fantasmas de amor.
Como pode um morto ser assombrado por um vivo?
Não me deste sequer a dignidade de morrer em paz.

Nesta gaveta escura não há estrelas, nem calor,
Apenas o meu coração insiste em bater, acostumado
Em viver por você, estúpido romântico mesmo após morto.

Em breve sairei daqui, amor, e seguirei à derradeira cama,
Se possível for, venha me ver nas últimas horas de espera,
Traga-me uma rosa rubra, última lembrança tua, que levarei à sepultura.

Deixado o necrotério não há mais caminho inverso para as lágrimas.
Seguirei em cortejo sem direcionamento ao passado das nossas primaveras.
A rosa será o sol na cova funda; o encanto final dos meus olhos cegos.

POESIA - ESPELHO DE DORES - THIAGO LUCARINI



O homem que chuta a lata
Jogada na sarjeta, chuta a própria alma.
A lata é o teu espelho de dores.

O homem que afaga o cão abandonado,
Mas não o leva pra casa, afaga a própria alma,
O cão é o eu abandonado no teu lar de escolhas.

O homem que na ignorância de amarras férreas
Atormenta o desconhecido, atormenta a própria alma.
O desconhecido é o imagético ignorado e irreal de si.

O homem que pisa as flores do jardim
Da condição humana, pisa na própria alma.
As flores são a sua sensibilidade ferida.

O homem que compõe bela poesia
Pelas ruas da cidade, compõe a própria alma.
A poesia é parte fluente da estética em si.

O homem que abre os braços na mansidão
Ou no temporal do final de tarde, abraça a própria alma.
O homem, ali, já sabe que é hora de partir.

POESIA - ABRINDO O TEMPO - THIAGO LUCARINI



Estou descascando
Desfazendo em lascas
Todo cinza da tempestade

Sob a pele reencontro
O azul do céu desta alma.
Estou enxugando as lágrimas

Secando as águas de mim
Desanuviando a vista molhada
Retingindo de alegria a vida

Despolarizando energias, estou perdendo raios,
Emudecendo trovões, apagando relâmpagos,
E amansando a incompreensível ventania.

O sol começa a aparecer
Diluindo o temporal em coisas sãs.
As gotas serenam o último beijo no guarda-chuva.

Muito em breve, passará a tempestade
Serei outro sem todo o pesado negrume.
Serei, enfim, arco-íris, aliança de dias felizes.