terça-feira, 25 de julho de 2017

POESIA - ESPELHO INVERSO, DISTORÇÃO - THIAGO LUCARINI



sou possivelmente
uma coisa onde o tempo
deu defeito.
Ferreira Gullar

Neste barbear repetitivo, encaro
O que quero esquecido.

Imagem exposta, vista, à vista
Quando a quero esquecida.

Pois ela não mostra, no reflexo
O que de fato desejo: ser outro.

Vejo apenas distorção
Um corpo falho e velho.

Há cabelos demais em lugares desnecessários,
Pouco cabelo onde realmente anseio.

Olhos muito castanhos
Faltam-lhe um pouco de verde ou azul.

Barriga grande, corpo desproporcional
Incômodo, desengonçado, um templo desmoronando.

Nada salva, nada!
Tão desgostoso a vida inteira.

Nunca gostei deste reflexo torto
Desde a infância primaveril, nunca me achei ali.

E quanto mais o tempo passa
Mais distorcido fico, meu olho é quebrado.

Um caco humano, farrapo
Refletido por inteiro numa lápide laminada.

Nunca me amei, sempre odiei o espelho
Somos inimigos, um fardo um ao outro.

Toleramos nossos horrores mútuos, cheios de asco
Esperando ver, qual de nós, quebrará primeiro seus ossos.

E eu, terrivelmente sei quem será. Ali, no espelho
Só a lágrima distorcida é verdadeira, e de fato, minha.

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