terça-feira, 25 de julho de 2017

POESIA - A GRAÇA DO REI - THIAGO LUCARINI



O dia passa.
Quem é o rei das horas?
Das facas? Da graça? Do meu coração partido?

Que coroa tenho eu? Que pedaço de dádiva?
Como afiar meus dentes de enfeitado leão e rugir?
Como colar as feridas da guerra sem provocar

Uma dor imensamente maior ao filhote que sou?
Tenho um trono vazio, uma sarjeta preenchida,
Desgraça adquirida e uma faca para corte final.

Sou rei escravo do povo
Sou rei sem carne só osso
Sou rei deposto por mim antes de outro.

POESIA - O BERÇO DE UM ABORTADO - THIAGO LUCARINI



O bendito berço primevo
Não sustentou teu fruto.

O berço
De um abortado
(espontâneo)

É vida não cumprida
É papel em branco

Sem florescida alegria.
O berço vazio carrega

O buraco feito no abraço,
No sorriso e nas almas deixadas.

O berço
De um abortado
(espontâneo)

Ali parado é duas vezes
Peso morto somado à ausência,

É o caixão aberto das lágrimas, é lápide
Até o dia da chegada de nova semente.

POESIA - ESPELHO INVERSO, DISTORÇÃO - THIAGO LUCARINI



sou possivelmente
uma coisa onde o tempo
deu defeito.
Ferreira Gullar

Neste barbear repetitivo, encaro
O que quero esquecido.

Imagem exposta, vista, à vista
Quando a quero esquecida.

Pois ela não mostra, no reflexo
O que de fato desejo: ser outro.

Vejo apenas distorção
Um corpo falho e velho.

Há cabelos demais em lugares desnecessários,
Pouco cabelo onde realmente anseio.

Olhos muito castanhos
Faltam-lhe um pouco de verde ou azul.

Barriga grande, corpo desproporcional
Incômodo, desengonçado, um templo desmoronando.

Nada salva, nada!
Tão desgostoso a vida inteira.

Nunca gostei deste reflexo torto
Desde a infância primaveril, nunca me achei ali.

E quanto mais o tempo passa
Mais distorcido fico, meu olho é quebrado.

Um caco humano, farrapo
Refletido por inteiro numa lápide laminada.

Nunca me amei, sempre odiei o espelho
Somos inimigos, um fardo um ao outro.

Toleramos nossos horrores mútuos, cheios de asco
Esperando ver, qual de nós, quebrará primeiro seus ossos.

E eu, terrivelmente sei quem será. Ali, no espelho
Só a lágrima distorcida é verdadeira, e de fato, minha.

POESÍA - ESPEJO INVERSO, DISTORSIÓN - THIAGO LUCARINI




sou possivelmente
uma coisa onde o tempo
deu defeito.
Ferreira Gullar

En este barbear repetitivo, encaro
Algo que quiero olvidadizo.

Imagen expuesta, mirada todo día
Cuando a quiero olvidadiza.

Pues ella no muestra en reflejo
Lo que de hecho deseo: ser otro.

Veo solamente distorsión
Un cuerpo fallido y viejo.

Hay cabellos demás en lugares dispensables
Poco cabello dónde realmente es preciso.

Ojos muy castaños
Les faltan un poco de verde ó azul.

Barrigudo, cuerpo desproporcionado
Incómodo, desgoznado, un templo cayendo.

¡Nada salva. Nada!
Tan disgustado la vida entera.

Nunca me gustó de este reflejo avieso
Desde la infancia vernal nunca hallé allí.

Y cuanto más el tiempo pasa
Más avieso quedo, mis ojos son quebrados.

Un fragmento humano, harapo
Reflejado por entero en lápida pulida.

Nunca me amé, siempre odié el espejo
Somos enemigos un fardo un al otro.

Toleramos nuestros horrores mutuos llenos de asco
Esperando ver cuál de nosotros quebrara primero sus huesos.

E yo terriblemente sé quien será. Allí en lo espejo
                                 Solamente la lágrima aviesa es verdadera y de hecho mía.     

POESIA - À ESPERA DE REPAROS - THIAGO LUCARINI



Fascinam-me
Coisas frágeis

Quase quebradas ou quebradas
À espera de reparos.

Fascina-me
Algo mais partido que eu

Ou de rachaduras semelhantes,
Mas nunca coisas perfeitas

Livres de quedas ou ranhuras.
Gosto da delicadeza e peculiaridade

Do que caiu e se levantou
Ou que permanece à espera

Do sol para se reerguer,
Afinal toda grandeza precisa

Romper a casca, a terra,
Violar a sufocante lisura para nascer.