sábado, 29 de agosto de 2015

POESIA - MORTALHA LÍQUIDA - THIAGO LUCARINI



 
Descia as águas calmas
Um nobre vagabundo afogado.
Águas congeladas paradas
Tendo seu sono e alívio da correnteza.
Juntos nós dormimos este sono frio
Mortalha líquida, mas dura
Isolante de sonhos do verão.
O frio destas águas calmas
De mansidão cruel, queima tudo
Tudo o que está tristemente acima
Da protetora crosta de gelo.

SONETO - ATMOSFERA - THIAGO LUCARINI





Tudo escuro; alcalino no ácido
Junção de gozo, nova criatura, atmosfera
O embrião cresce na cárnea esfera
Célula por célula, simples e básico.

Vem-se os tecidos, os sistemas
Oxigênio, feto verde fica maduro
E caí da árvore endógena, útero
Nos braços da vida e seus dilemas.

Pequeno fruto humano vira gente
E perde a doçura pela lambida do tempo onipotente.
Não existe maior mal que crescer e azedar-se.

Os frutos doces e amargos colonizam a atmosfera.
Sementes vão se espalhando pelo chão
E o tempo as recolhendo na afiada mão.

POESIA - SEPULTO - THIAGO LUCARINI





Se toda página é mágica
Cada palavra é um pedaço
Essência matriz da rara magia.

Magia esta que não permitirá
Que meu corpo seja sepulto
(Sê puto, vendido a literatura)
Por mais indeléveis mortes que eu sofra.

Estas palavras mágicas
Serão sempre meu inconteste
Desfibrilador aos vivos.

sexta-feira, 28 de agosto de 2015

SONETO - INVERNIA - THIAGO LUCARINI

Tempo fechado, chuva de granizo
Gelo caiu do céu acumulando martírio
Tudo murchou, tudo ficou cinza, até meu lírio
Conhecidamente branco chamado de sorriso.

Juntou o branco dos dentes ao branco da neve
Invernia inercial, inversa, polar, tirou meu lar
Foi-se o calor, a felicidade, lama branca a soterrar
Sonhos solares. Nada resta além de um suspiro breve.

Pessoas cristalizadas brilham pela primeira vez
Brilho da morte congelada, fria acidez.
Branco luto do céu infernal, invernal.

Degelo desconhecido, cantiga antiga
Anunciava a vinda da inimiga.

Dorme terra, dorme homens, o sono de invernia.

SONETO - MINERAL - THIAGO LUCARINI

Nestas artérias do corpo avesso
De sangue ralo correm minerais
Sódio, potássio, cálcio, ferro, os principais
Triste, nenhum mineral compõe soneto.

Todo mineral é estéril, como amar?
Nenhum deles é precursor de amor
Muitos matam; cruéis semeiam dor
Estou cheio deles, sou sal sem mar.

Ouro, arsênico, mercúrio, chumbo, cobre
Tão pesados, inorgânicos, e eu torvo nobre.
Redundância e mentira periódica e estruturada.

Fico tabelado inspirando nova composição
Um mineral inverso, frutífero de abolição.

Um mineral receptor, transportador de amor.

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

ARTIGO - HABEAS CORPUS PARA A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL - THIAGO LUCARINI

A redução da maioridade penal no Brasil é um equívoco na atual conjuntura legal, estrutural e constitucional, quando sequer temos um sistema judicial pleno, acima de qualquer questionamento, arbitrariedade e corrupção. A solução não está somente em criar uma lei ou emenda constitucional para maquiar a realidade. Como também é uma visão distorcida, e um tanto poética, acreditar que um investimento puro e seco em educação solucionará tudo; no bom e velho português: o buraco é mais embaixo. A outorga criminal deveria existir desde o princípio, no raiar do sol nas margens plácidas do Ipiranga se fôssemos um país suficientemente competente para tal.  Minimamente três pontos merecem uma avaliação mais dinâmica.
Primeiro; um contraponto: Neste país, apesar dos avanços, ainda quase não se pode determinar, atestar 100% de a legitimidade de culpa de um réu e seu crime, pois as cenas criminalísticas em grande parte das ocorrências são modificadas ou violadas, (inserção ou subtração de elementos), por vezes a perícia técnico-científica chega ao local muito tarde ou tem recursos limitados para executar um trabalho eficiente e inconteste de determinação de provas contundentes, tanto para crimes cometidos por adultos, quanto por menores; e mesmo que, se consiga aprouver tudo isso dentro de um período hábil, ainda há inúmeras brechas legislativas e judiciárias para serem usadas na soltura de qualquer indivíduo, isso se o mesmo não se evadiu até este ponto. E se ele é, por ventura, pego e condenado, o sistema penitenciário não suporta nem oferece o mínimo de possibilidade de ressocialização (os presídios quase nunca são um instituto correcional, mas uma fatídica escola de malandragem), quando tangível, nos casos de crimes de menor potencial ofensivo, além de o tempo de confinamento prisional ser irrisório em muitos casos.
A justiça, além de tudo isso, ao contrário do que é testemunhado, não deve ser de forma alguma tendenciosa a moeda, deliquentes oriundos de bairros pobres ou vindos de berços de ouro devem ter o mesmo parâmetro sob os olhos da lei, sem o favoritismo paternalista do dinheiro.
Segundo; da mitificação e culpabilidade inversa: Acontece diariamente a vitimização contrária, afinal, o criminoso de dentro de casa nunca é tão mau assim: só vende drogas para quem quer; roubou de quem tem muito; matou quem mereceu; a culpa é dela por andar fora de hora; quem mandou usar roupas tão curtas; errado fora ele por estar no lugar errado. O senso comum de que o delinquente é uma vítima inquestionável de todo um sistema ético-moral e social, em alguns casos até pode ser um fato, porém há aqueles que querem estar no perigo.  Muitos menores; como visto, gostam da vida do crime e têm por ídolos grandes nomes deste mundo, eles almejam o mesmo e não se intimidam a glória do submundo é por vezes fascinante.
Vale lembrar que classe social e boa educação nem sempre determinam o potencial jovem criminoso, apesar de a maioria vir de classes sociais baixas, há muitos menores de classe média alta e alta inseridos no crime. Pois não se trata de educação, mas de uma conduta de caráter desviado e falho, e isso é pouco remediável.
A generalização é um vício em ambos os sentidos “todos são inocentes” e “todos são um caso perdido”, este é um pensamento errôneo. Claro que muitos estão aquém de qualquer salvação, pois não a querem. Existem álibis e mais álibis, justificativas intermináveis, defesas ilimitadas para o marginal, todavia, o devido amparo e assistência a quem realmente necessita nunca veem, para a vítima não há reparação ou esperança, ao agredido, violentado, resta apenas lágrimas duras e frias e se reconstruir a partir dos escombros, que por sorte, restarem de pé; o cidadão de bem não tem liberdade condicional, habeas corpus “Tenhas o teu corpo”, pelo contrário, está cada vez mais sujeito a vilania e mais preso dentro deste círculo vicioso; o corpo não pertence a quem é de direito, ou seja, a sociedade.
Terceiro; concordância: O romantismo sob um olhar clínico. Essa ideia de que o menor não é tão agressivo e cruel, quanto um adulto é pura hipocrisia, uma ilusão romântica de esperar que o mal evidenciado seja no fundo bom, o que vem de uma parcela mínima e elitista das terras do faz de conta desconhecedores (não generalizando aqui também) da discrepância entre a teoria e a prática, pois vivem muito longe do cotidiano das marginalidades em seus condomínios fechados, cheios de seguranças e carros SUV blindados.
Repetidamente menores são até mais cruéis nos seus atos, o noticiário reporta estrupos, assaltos, latrocínios e assassinatos por rixas, drogas ou passionais cometidos com requinte quase desumano por estes meliantes. Um fato que corrobora a isso são as quadrilhas ou organizações chefiadas inteiramente por menores.
Os danos psicológicos e físicos que estes indivíduos afligem as suas vítimas são incomensuráveis, e quase sempre, incorrigíveis. Os menores também são donos de mentes ardilosas e maquiavélicas, de domínio frio e calculista, portanto, são responsáveis pelos seus atos, acreditar que inseri-los no meio prisional irá corrompê-los não seria redundância?!
Análise geral: A redução da maioridade penal no Brasil não será útil ou mesmo prática, quando o mundo do crime está mais bem equipado e estruturado que o próprio eixo governamental em qualquer esfera, enquanto o sistema judiciário e penal freme em pernas bambas, engatinha ladeira abaixo com cadeias miseramente equipadas, baixo efetivo, e leis brandas e repletas de buracos, apesar de todo o esforço de juízes, promotores e políticos sérios deste solo verde e amarelo.
A redução da maior idade penal, hoje, servirá apenas para cobrir a face hedionda num carnaval de horrores nada divertido, um contraditório paliativo-agressivo, pois quem garante que o menor ficará de fato preso? A pertinência da condenação em qualquer instância de faixa-etária outorgada só seria válida como nos Estados Unidos e outros países, se houvesse aqui um conjunto de fatores, que nos levasse ao ínfimo de erros e da capacidade plena de reabilitar uma pessoa nos causos plausíveis e legais de o serem.
Não sendo devido usar o recondicionamento como uma troca da dívida para com a sociedade, o saldo do crime, tempo de trancafiamento, deve ser cumprido, além de qualquer prévia reintrodução ou regresso ao eixo social. Enquanto isso, colocar um menor ou qualquer outro atrás das grades é somente uma distopia de um negro pesadelo do agora. A redução é necessária, isso é inegável, porém no Brasil temo pelo seu destino e pelo nosso, visto os exemplos diários. Estamos todos à mercê.
Não é preciso criar projetos de leis pouco funcionais ou emendas natimortas, mas reformar todo o contexto precário do país; o Brasil carece se reerguer das cinzas num impávido colosso.  Para alguns é preciso ter fé, para outros é necessário construir o milagre com braços fortes e suor dos olhos de uma justiça igualitária, eficiente e reabilitadora quando realizável. 

SONETO - POETA VOYEUR - THIAGO LUCARINI

Ele expõe seu sexo no papel
Flor branca de hímen rompido
Pelo carvão do lápis abstraído
Do tesão de uma plena lua de mel.

Sem pudor ele mostra sua carne
Aberta em ferida, aberta no cio
Ileso quer que todos vejam seu fio
De criação masturbatória sem alarde.

Ah, o êxtase do poeta exibicionista
É mostrar sua nudez intimista.
Resultado da cópula insana
Entre mente visceral e carne egoísta. 

A poesia obscena destrava a moralidade
Antilírico, ambíguo, bálsamo vaginas, anal, surreal.
O voyeur despeja seu gozo no aprazível  olho alheio
Esperando dar-lhe a semeadura de novas ideias. 

SONETO - PENITENTE E PENITÊNCIA - THIAGO LUCARINI

Rosas do meu jardim primevo
Colhidas em cascatas de plenitude
Neste coração regalo de mansuetude
Sou devoto das rosas sob o luar de enlevo.

Folhas maduras chegaram com o outono
Espectro das rosas em diafaneidades
Levou a prima beleza das róseas divindades
As flores rainhas anêmicas caíram no sono.

O inverno veio sobre mim sem rosas
Fiquei perambulando cheio de horas ociosas.
Um penitente sem sua penitência padece.

O mundo encheu-se de frio gelo
Velei os sonhos das rosas com desvelo.

Felizmente o inverso inverno passou.

POESIA - A OLARIA E O HOMEM DE BARRO - THIAGO LUCARINI

 Um homem marcado pela vida
Retira argila do leito do rio
Amassa-a, prepara-a, modela-a
Com suas mãos magras
Dá forma a carne do rio extraída
Depois a cozinha em fornalha
E a refresca com o suor de sua testa.
Ao fim do dia o homem de barro
Calejado, sofrido, cheio de fuligem
Com o corpo e olhos vertendo
Sangue de entrega absoluta
Admira sua pilha de tijolos fresquinha
Orgulhoso por repetir
Com quase precisa perfeição
Ao custo dos seus ossos, carne e sal

O primeiro trabalho de Deus.

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

POESIA - FLORES RICAS, POBRE EU! - THIAGO LUCARINI

FOTO: Thiago Lucarini

As flores possuem seu próprio infinito
As flores têm seu próprio deus
As flores têm sua coroa
As flores têm o útero de pétalas
Do qual, nascem os frutos verdes.
As flores regem o cio da terra
As flores têm o pólen de ouro
As flores têm a devoção dos bichos
As flores têm a semente; moeda do tempo
Irremediavelmente
As flores têm o teu amor
Não eu! Sou canteiro estéril

Ricas flores, pobre eu!

POESIA - A PRINCESA NA CRISE - THIAGO LUCARINI

São os olhos da necessidade
A barriga roncante e vazia
As vacas magras agourentas
O tempo de crise, que faz
A princesa ver no sapo enrugado
Um príncipe engomado.
Assim como o cachorro
Enxerga no osso roto
Um pedaço de carne macia.
Porém toda ilusão se desfaz
Na primeira mordida

Ou até o sapo dar o primeiro pulo.

terça-feira, 25 de agosto de 2015

POESIA - A LENDA FEÉRICA - THIAGO LUCARINI

FOTO: Thiago Lucarini

Havia uma terra longínqua
Repleta de corações quebrados
Ali o inverno era perpétuo
Tudo se cobria de tristeza e branco.
Geralmente as pessoas eram carrancudas
O sol dificilmente brilhava,
Aquele reino distante dava dó.

Vendo o frio melancólico daquele lugar
Uma fada bondosa fez nascer do gelo
Uma rosa vermelha e se algum bom cavalheiro
Desse a nobre flor a alguma bela dama
O inverno deixaria de existir e o amor se propagaria
Com precedentes nunca antes visto.

Dito e feito, a rosa nasceu no meio do vilarejo
Mas gélidos, os aldeões sequer a perceberam
Estavam acostumados demais ao frio.
Dias e noites se passaram, a própria fada
Ficou imensamente triste com aquilo
Desiludida sentou-se ao lado da rosa e chorou
Pelo miserável destino daquele povo.

De repente, a boa fada sentiu um toque em seu ombro
Um jovem a encarava compadecido e perguntou
“Por que choras pequena criatura feérica?
A fada nada disse, estava ressentida e voltou a chorar
O garoto tocado com aquilo quis consolar a fada
Desejou lhe dar um presente, mas não havia nada digno consigo.

Foi quando ele percebeu a rubra rosa ao lado da qual a fada sofria
Ele pensou “É o presente perfeito para tão nobre ser.
Sem pensar duas vezes, ele pegou a rosa com delicadeza
E a ofereceu a lacrimosa fada, que automaticamente cessou seu pranto.
Emocionada, ela aceitou o presente de perfume maravilhoso e gesto gentil
“Obrigada, disse.
Ao tocar a flor, um vento caloroso varreu todo o reino
O encanto conjurado pela fada se concretizava
Ela só não imaginou que seria uma parte indispensável disso.

Após o ocorrido, os corações antes quebrados
Começaram um processo de cura, o sol brilhou
Roseiras vermelhas brotaram por todo o reino (símbolo daquele ato)
E o amor chegou inundando a todos.
Quanto a nossa boa fada e o jovem honesto

Bem, eles estão juntos até hoje, e será um amor para todo o sempre.