sexta-feira, 4 de março de 2016

POESIA - COBRA - THIAGO LUCARINI



Gregório Samsa deu por si na cama transformado num gigantesco inseto.
Franz Kafka

Minha visão escureceu
O sibilar veio de dentro
Uma língua bifurcada
Saiu da minha boca
Testando o ar pegajoso.
Senti os ossos se mexendo
Ficando moles, ganhando
Movimento, se arrastando
Sob a pele, esticando-a
Em ângulos disformes
Perdendo toda a densidade.
Tornei-me uma massa
Escamosa e longilínea
No chão, de cabeça triangular
Rastejando de barriga para baixo
Serpenteando pelos caminhos
Tortuosos da minha casa modificada.
Presas se alongaram
Pingando letal veneno.
Meu banquete:
Ratos mortos
E minha casca deixada.
Eu me tornei o mal
Uma cobra ídolo
Asquerosa, representativa
Da cessão inexpugnável à tentação
De todos os meus ofídicos pecados.

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