Thiago era um desses
escritores fracassados antes mesmo de começar, mas que realmente fazia das
palavras seu mundo. Por meio de suas histórias ridículas brincava de matar seus
amigos e amores passados. Thiago tinha uma mente cheia de pensamentos
intrusivos, dos quais, aproveitava-se nas suas criações. Porém, tudo mudou no
dia das bruxas daquele ano. As palavras que tanto amou, passou a odiar.
Amaldiçoado pelo Verbo, agora, qualquer ideia torta que tivesse tornava-se
realidade. Descobriu isso do pior jeito. Dentro de um ônibus, voltando para
casa, enquanto uma criança chorava afoita, pensou: “Bem que podia morrer.” O
bebê parou de chorar e a mãe gritou, desesperada. Thiago teve provas, o
suficiente, após, para descartar as chances de ser coincidência. Antes o que
era glória virou um inferno. Thiago tinha que controlar seus pensamentos o
tempo todo, de forma deliberada. Trancou-se em casa, a solidão era salvação,
uma vez que sem matar outros, seus pensamentos venenosos o apodreciam,
literalmente.
sábado, 31 de outubro de 2020
MINICONTO: MENTE CRIATIVA - THIAGO LUCARINI
sexta-feira, 30 de outubro de 2020
MINICONTO: PRÊMIO DE CONSOLAÇÃO - THIAGO LUCARINI
Era dia de eleição no
inferno. Gustavo vacilou diante da urna. Teria que colocar um dedo na boca de
uma sanguessuga vampiresca, deixá-la beber uma gota do seu plasma e induzir sua
vontade através do pensamento. Um painel contabilizava os votos. Gustavo tinha
que escolher muito bem, o Eleito, ou ele perderia os poucos direitos que
exercia e padeceria nos abusos punitivos. Deveria selecionar o menos pior
dentre os infernais. Tentar acreditar numa esperança inexistente. Independente
de quem vencesse, todos estariam suspensos de castigos por um ano. Mas como
seria pelo próximo milênio? A urna viva, sedenta o olhava impaciente. Gustavo
era um fiel na crença de que na dor não há glória, a urna que esperasse. Sua
eternidade estava em jogo, por mais que todos os candidatos ora ou outra se
repetissem. A escolha não era real e estava ciente daquilo que viria. O voto
era uma esperança onírica e leviana, ou seja, só mais uma punição disfarçada de
prêmio. Gustavo colocou o dedo na boca da sanguessuga demoníaca. Ele era a
última alma a votar no status quo do submundo.
MINICONTO: PANQUECAS NA MADRUGADA - THIAGO LUCARINI
Nani e Kadu levantaram
assustados como choramingo de Pantera, a pit bull de estimação. Instantes antes
um forte clarão iluminou toda a região. Kadu foi o primeiro a notar Pantera
caída no canto da área com um furo chamuscado no peito. Não havia sangue. Nani
levou a mão para consolar a cadela que parou de respirar antes do toque da
dona. O casal atônito e confuso olhava a cena. Sem chance de se recuperarem do
choque, viram o corpo de Pantera começar a ondular com vários calombos. Kadu
puxou a esposa de perto do animal, que se avolumava e crescia a proporções
inimagináveis. Seu corpo expandiu como espuma, quebrando o telhado. Pantera
atingiu um corpanzil com mais de 50 metros de altura, permanecendo bípede.
Reavivada, latiu provocando um estrondo ensurdecedor, uma imensa bola de baba
caiu sobre o casal, imobilizando-os. Pantera achando equilíbrio pisoteou a
casa, o carro e sem perceber também esmagou seus donos indefesos diante do
gigantesco desastre.
quinta-feira, 29 de outubro de 2020
MINICONTO: CORTADOR DE UNHAS - THIAGO LUCARINI
Sua unha encravada e
inflamada, latejava, deixando Leandro naquele estado semiconsciente do sono.
Achou estar delirando quando começou a ouvir o tec-tec de um cortador de
unha. Pensou ser só o anseio pelo alívio. Simultaneamente, o peso de algo
afundou seu colchão, Leandro abriu os olhos e o seu choque foi tamanho que o
imobilizou. Ele estava entre as patas de uma besta, que se parecia um cão, mas
que no lugar da boca, possuía as lâminas angulosas e curvas de um cortador de
unha, da base da sua nuca saía uma alavanca metálica que sozinha, descia e
subia, provocando o tec-tec. O monstro farejou o ar até a unha encravada
cheia de pus na mão direita de Leandro e colocou o dedão entre suas lâminas e
com um tec, decepou o dedo, saboreando-o, enquanto menino agonizava aos
berros, paralisado pela opressão da besta infernal. Logo o Cortador passou para
o próximo dedo, e seria assim, até o último.
MINICONTO: LAÇOS - THIAGO LUCARINI
Não reconheceram nenhuma
construção ou presença de humanos. Idê com 12 anos e Arlete com 3, tinham ido
dormir na noite passada, cada uma em sua cama, e simplesmente, haviam acordado numa
ilha deserta. As irmãs estavam à beira-mar numa região de relva baixa, e pouco
a frente, uma densa floresta se erguia recostada a montanhas escarpadas. Andaram
pela orla até perto do meio-dia, escutaram o sibilar de cobras, tudo as
assustavam, não acharam água potável, o sol as castigava, suas barrigas
roncavam. Idê viu lágrimas silenciosas descer pelo rosto da irmã. Um estrondo. Levantaram-se
e olharam rumo ao barulho. Poderia ser ajuda. Ilusão. Viram árvores caírem
dentro da selva como se fosse gravetos, pássaros voaram em debandada, a terra
tremia. Algo grande vinha de encontro a elas. Arlete e Idê se abraçaram e
fecharam os olhos.
MINICONTO: DEPOIS DA COLHEITA DE COGUMELOS - THIAGO LUCARINI
Deise e Daniela não sabiam
o que era andar nas ruas sem proteção, aquela parafernália de astronautas
cedida pelo governo. Viam as notícias sobre o ‘derretimento’ e que só dentro de
casa era seguro, graças ao equipamento de purificação do ar. A guerra nuclear
alterou para sempre a atmosfera terrestre, tornando-a corrosiva para os humanos.
Porém, para as gêmeas de oito anos, a linha entre fantasia e realidade era bem
tênue. Daniela convenceu Deise, de que tudo aquilo não passava de superproteção
dos pais, pois nunca tinha visto, ao vivo, alguém derreter. Daniela era uma
negacionista dos fatos. Infiltrada com as ideias da irmã, Deise cedeu ao plano.
Ao final daquela tarde, foram para o jardim, ambas saíram de casa com os trajes
de segurança. Daniela encarou a irmã: “Pronta?” Deise fez um gesto de positivo
e levantou o capacete, automaticamente, a garota começou a derreter aos gritos,
seu corpo virou uma poça de pus aos pés de Daniela que não se abalou, pois ela
podia até ser contrária, mas não era burra o bastante para se expor primeiro.
quarta-feira, 28 de outubro de 2020
MINICONTO: ANJO DE BOA VONTADE - THIAGO LUCARINI
Copiosas lágrimas desciam
pelo rosto de camafeu de Juliane. De joelhos, ela orava por absolvição, como
uma fiel ansiava estar livre dos seus pecados, de toda a dor que causou,
suplicava a Deus com fervor por uma chance de se provar justa mais uma vez.
Juliane elevou sua voz celeste em comoção aos Céus, seu coração seguia o ritmo
de sua prece melodiosa. Todo o seu ser clamava por redenção. Esperava um sinal,
boa vontade suprema. Não erraria outra vez, não poderia, não queria passar por
aquilo de novo, a eternidade era traiçoeira e escorregadia. Não sabia se o seu
arrependimento seria o suficiente depois de tudo. Juliane estava convicta da
bondade do seu Senhor, mas Ele não era tolo. A trombeta do tribunal soou. Veredicto:
culpada. Juliane perdeu suas asas e graça e foi arremessada contra a face da
Terra, quebrando todas as suas mentiras. Depois de ser extirpada do seio da
glória, caminhou por aquele antro de perdidos e impuros, aonde, tantas vezes,
veio para exterminar humanos antes mesmo de esses saírem do ventre.
terça-feira, 27 de outubro de 2020
MINICONTO: FRANGO - THIAGO LUCARINI
Era o primeiro dia de Nando
na academia. Ele era um jovem introvertido e franzino, e deu azar com o seu
treinador, Matheus era um cavalo de 180 kg de puro músculo. Ele odiava os frangos
recém-chegados e fazia do primeiro dia deles um inferno, para que não
voltassem. Logo de cara, Matheus moeu com Nando no supino reto, ele ficava
gritando: “Força, frango!”, “Seja homem, frango.”, “Não geme, não.” Ao redor,
alguns riam. Mesmo humilhado, Hebiab continuou, não sem uma dose de ira. Ao
final do treino, o garoto estava destruído, o treinador veio para o seu lado e
lhe deu três tapas fortes nas costas. “Pensei que ia arregar, frango.” Aquilo
foi à gota que transbordou. Os olhos de Hebiab reviraram nas órbitas ficando
brancos, ele viu uma anilha de 20 kg atingir em cheio a boca de Matheus
arrancando alguns dentes e derrubando-o. “Me desculpa, cara.” – Disse Matheus,
cuspindo sangue e dentes. Nando o encarou com desprezo. Outras anilhas, dumbbells,
kettlebells e barras acertaram Matheus com uma velocidade
impressionante, esmagando, despedaçando, seus músculos inúteis.
segunda-feira, 26 de outubro de 2020
MINICONTO: ACEITA UMA DOAÇÃO? - THIAGO LUCARINI
Taty conheceu Fabrício num
desses estandes de shopping que vendem livros mais baratos. Taty queria fazer
novas aquisições e Fabrício desfazer-se de dois exemplares. O cara astuto
tratou logo de se aproximar de Taty e oferecer a doação. Vendo uma oportunidade
de ouro, Taty aceitou o presente, sem perceber o aspecto decrépito do garoto.
Naquela noite, Taty começou a folhear um dos livros que era de horror, porém
cansada, logo pegou no sono. Lá pelas tantas, Taty acordou com uma mulher
medonha ao lado da sua cama. Ela usava pouca roupa e sua cabeça era coberta por
uma campânula de sino, duas moedas enferrujadas emulavam os olhos. Seu corpo
era todo ressequido e fedido. Taty reconheceu a vilã do livro ganhado, que aparecia
já nas primeiras páginas. O ser macabro agarrou o braço da garota, balançou a
cabeça fazendo o som grave de sino ecoar, deixando um estigma em Taty que
gritou assustada e com dor. Sabia, instintivamente, que deveria passar os
livros adiante.
domingo, 25 de outubro de 2020
MINICONTO: CHEGUEI TÔ PREPARA PRA ATACAR - THIAGO LUCARINI
Rosy MARA era uma drag
queen famosa. Na boate lotada, a música dela tocou. Lacradora, de cara, abriu um espacate. Seus
fãs vibraram eufóricos. Estar no palco era sua vida, sua arte, fora dele os
dias eram mais cinzas, mas não infelizes. Já no camarim, a drag despiu-se do
sacrifício e do glamour. Saiu pela porta dos fundos. Rosy estava com fome e
numa noite em que preferia evitar a multidão. Desmontada, Rosymar ainda era bem
feminino. Passiva, andava pelas ruas escuras de salto alto e com uma bolsa
cheia de acué. Não tardou a ouvir:
“Aonde vai, boneca?” Rosy apertou o passo, no entanto, três ocós a seguiram e
encurralaram. “Pra que tanta pressa?” Tomaram-lhe e bolsa e um deles socou-a na
boca. Sangue. “Do que está rindo, aberração.” Rosy gargalhava, pois sentiu a velha
energia fluindo pelo seu corpo, transformando-a num poderoso lobisomem em nada
delicado. Rosy amava fazer uma revelação. Era noite de caça e nada era mais
apetitoso do que um bando de babacas com masculinidade frágil para o jantar.
sábado, 24 de outubro de 2020
MINICONTO: O ALUNO TRANSFERIDO - THIAGO LUCARINI
Pollyana, a professora
regente, e Lívia, a professora de apoio, encararam-se. Alguma coisa de muito
errado acontecia com André, o aluno transferido para a C1. Após a chegada de
André na semana passada, várias crianças começaram a faltar inexplicavelmente.
André carregava uma energia opressiva. Seu laudo era quilométrico, mas Lívia
pressentia algo além. Naquela manhã de segunda-feira antes do recreio, do nada,
André a emitir sons guturais. As outras crianças juntaram-se nos cantos com
medo. Porta e janelas foram misticamente lacradas. Marcas malditas apareceram
no corpo de André, e delas, numa explosão de sangue nasceram chagas profundas
que encharcaram as professoras que tentavam ajudá-lo. Do sangue derramado no
piso floresceram rachaduras que cresciam sucedidas de tremores. Gritos de
crianças e adultos foram ouvidos por toda escola, quando chifres brotaram na
testa de André e uma cauda surgiu atrás dele. Vários lápis de cor voaram até a mão do
maldito, formando um tridente que acendeu em fogo.
sexta-feira, 23 de outubro de 2020
POESIA - À MESA - THIAGO LUCARINI
A partir dos deslizes ingratos da tristeza
Enfeites translúcidos pingam sobre a mesa.
Rolam mundos e incertezas, mudos,
Escavados de um interno tempo nublado.
Dos méritos vencidos
Ao elo de afeto rompido
A borda da mesa é precipício.
Os olhos naufragam no rosto
À medida que a dor se agrava.
Dedos tontos brincam de Caronte, e conduzem
Os talheres a uma felicidade jamais alcançada.
São pedaços de metais limpos, sem norte e com fome,
São gôndolas vazias numa Veneza seca,
Pois não há qualquer intenção de se pôr a mesa.
Nos pratos nus das mãos côncavas em junção
Só há o choro desgostoso para maldita refeição.
POESIA - ÚLTIMO CAFÉ - THIAGO LUCARINI
É tarde para um último café
O líquido quente esfriou no bule.
Xícaras tristes choram seus torrões de açúcar
perdidos,
Solitárias, cada qual, em seu pires é levada à
derrocada,
Naufragam nas mãos bêbadas dos avessos apaixonados
Com uma mesa que se faz um mar de distância entre si.
Começa a chover lá fora de mim
Enchendo as xícaras pálidas de água límpida.
O café esfriou no coração, desova de amor,
Depõem-se as xícaras e as lágrimas no cais de
porcelana,
Pois é tarde para um último café
E cedo demais para se afogar.
MINICONTO: A TOCA - THIAGO LUCARINI
A pequena aranha peluda em
sua teia permanecia há dias no canto do teto. Gleice Kelly deitada na cama para
a sesta encarava o aracnídeo. Tinha medo, porém faltava coragem para retirá-la
dali. Quando acordou, percebeu que a aranha não estava mais no seu lugar
habitual. Talvez, enfim, tivesse ido embora, procurar. Gleice Kelly sentiu uma
coceira no ouvido direito, foi ao banheiro e pegou um cotonete, ao posicioná-lo
na orelha, viu patinhas saírem de dentro do seu ouvido. Ficou branca. Um
calafrio desceu por sua espinha. Tinha lido relatos de besouros, moscas e
baratas entrarem naquele orifício, mas aranha, não. Com as mãos trêmulas pegou
uma pinça. Puxaria a aranha nem que fosse aos pedaços, podia senti-la
deslizando pelo seu canal auditivo, raspando, arranhando. Gleice Kelly sem
pestanejar empurrou a pinça, mas paralisou antes de concretizar o ato, pois
dentro de sua cabeça a aranha sussurrou: “Não ouse!”
quinta-feira, 22 de outubro de 2020
MINICONTO: RASCUNHO - THIAGO LUCARINI
Naquela semana Maykon havia
recebido o pedido ridículo de um pseudo-escritor de horror. Sua escrita era ruim
e enfadonha, suas descrições eram infantis e caricatas, por vezes, Maykon se
pegou rindo daquilo que supostamente deveria assustar. O designer tentava dar
ordem aos seus rabiscos, mas nada aceitável saía do seu rascunho. Foi até o
banheiro e jogou um pouco de água na cara. Sentou-se novamente em frente ao seu
computador, notou que faltava algo no esboço deixado aberto. Havia um recorte
em branco sobre o monstro que ele criava. Ainda em meio à confusão e cansaço,
Maykon sentiu um toque frio nas suas costas. Pelo reflexo da tela, viu uma
massa escura e sem forma parada atrás dele. Tremeu. A ilustração inacabada foi
se moldando, assumindo a forma de Maykon. Sem dar tempo para reação, a criatura
moldou seus braços em duas pontas de lápis e atravessou Maykon, que arquejou de
dor e cuspiu sangue. E então, o impostor, o empurrou através da tela do
computador.
RESENHA: O PANTEÃO DOS PESADELOS POR CHIRLEY COUTO
Hoje, apresento-lhes, a maravilhosa resenha para, O Panteão dos Pesadelos, feita pela leitora e amiga, Chirley Couto.
Sabe quando você começa a ler e de repente só percebe que não fez mais nada quando chega ao fim? Foi assim que me peguei ao prestigiar os 13 contos de terror do livro “O Panteão dos Pesadelos”de Thiago Lucarini, sabe aqueles contos que envolvem mistério, terror, magia, criatividade e toque de lucidez misturado ao delírio? Isso mesmo, consegui perceber tudo isso em um só livro, claro que teve contos prediletos, me coloquei no lugar da mãe do menino diante da situação inusitada do cofre e, confesso que até hoje após dias ainda me pergunto como seria se o conto virasse um filme, o que realmente haveria por trás daquele mistério! Mas aos apaixonados pela viagem que a leitura nos faz vivenciar podem ler sem medo, aliás, podem ler com medo kk, medo do mistério, medo dos delírios.
Outro elemento importante que não poderia deixar de citar é que os contos fazem uma releitura dos signos do zodíaco de forma inusitada, então, pensa na curiosidade para saber o terror que irá assombrar o seu signo!Não sei dizer se depois de ter lido o livro vou encarar os músicos da mesma forma, conto “O músico” rs, rs, rs, mas este não foi o conto destinado ao meu signo. Merecido repouso aos maridos que educam suas esposas na retidão da moral, me marcou o conto “O Construtor”, mas os detalhes caros leitores confiram fazendo vocês mesmos a leitura, este conto me confirmou que para cada ato praticado, uma consequência nos espera. Poderia descrever aqui a magia de cada conto, gastaria milhares de palavras, colocaria milhares de sentimentos, porém, digo apenas que valeu a leitura, valeu o tempo dedicado a esses relatos literário ficcional de terror. Deixo aqui como sugestão para quem já gosta da literatura de terror e deixo como sugestão para quem diz que não gosta, porém está aberto a novas descobertas por meio da leitura ficcional. E para quem ficou curioso meu signo é sagitário.
Chirley Couto
quarta-feira, 21 de outubro de 2020
MINICONTO: VOZES - THIAGO LUCARINI
“Eu morri.” Dizia uma voz masculina
captada durante a gravação do podcast. Renata e Juliana não perceberam
aquilo durante o trabalho, a anormalidade só foi notada na edição, e não era a
única. Mais a frente “Ajudem-me.”, as garotas se encararam receosas. Naquele
episódio, em questão, falavam de rotinas de preparação da pele antes da
maquiagem. “Não me ignorem.” O recinto onde editavam, ficava gradualmente mais
frio, porém curiosas continuaram a escutar. A voz do além aparecia ao fundo num
tom mais baixo. Ambas já tinham ouvido falar de transcomunicação instrumental,
porém achavam pura besteira. “Este é meu último aviso.” Entreolharam-se
desconfiadas, no entanto, tinham ido longe demais para desistir, nos últimos
segundos da gravação só estática decepcionante... Riram. “Eu estou aqui!” A voz
reverberou pelo ambiente como um trovão. Aquilo trouxe o fim ao podcast,
REJUntas. Porém Renata de Juliana, ainda hoje, ouvem aquela voz.
terça-feira, 20 de outubro de 2020
MINICONTO: BOCYDIUM GLOBULARE - THIAGO LUCARINI
Era tarde. Diogo,
como doutorando em entomologia, ficou para terminar de catalogar os insetos que
chegaram. Sonolento, manuseava um Bocydium Globulare, um inseto brasileiro esquisito, parente da
cigarra, que estava mais para um pesadelo ambulante. Diogo pregado do dia
exaustivo acabou dormindo sobre a bancada, e sem perceber, espetou-se nos
processos espinhosos do Bocydium. Antes de amanhecer, o biólogo acordou
com uma tremenda dor de cabeça, levantou-se e bateu as costas no armário, o que
era impossível. À meia-luz do ambiente, viu sua imagem refletida nos imensos
painéis de vidro das coleções, não pôde gritar. Seus olhos tinham uma coloração
amarelada com pupilas horizontais como os das cabras. Sobre sua cabeça havia uma
crista bifurcada espinhosa com bolas peludas, na parte de trás dela, uma
espécie de ferrão espiculado descia até pouco abaixo dos seus joelhos. Do seu
dorso pendiam asas translúcidas e pares extras de patas saíam de debaixo dos
braços. Sua boca era agora um longo probóscide. Diogo era uma aberração
repugnante. Se pudesse, teria chorado feito um humano.
segunda-feira, 19 de outubro de 2020
MINICONTO: BOA VIAGEM - THIAGO LUCARINI
domingo, 18 de outubro de 2020
MINICONTO: COISA DA SUA CABEÇA - THIAGO LUCARINI
Era uma mulher
vaidosa, gostava de cuidar do seu cabelo grisalho e cacheado, o espelho, a cada
dia, tornava-se mais seu amigo. Graciete, ao acordar, naquele dia, sentiu algo
diferente e viscoso sobre seu couro cabeludo. Levou a mão para coçar, mas
recuou com dor, pois sua mão foi queimada. Levantou às pressas e indo até o
espelho do banheiro. Desconcertada, viu que no lugar dos cachos vistosos, agora
estavam corós rechonchudos, peludos e listrados presos a sua pele. Eles se
esticavam e ondulavam, caminhavam até onde podiam, com suas patinhas pegajosas.
Desesperada, Graciete pegou uma tesoura e cortou um dos bichos, a dor foi tanto
dele quanto dela. Seu marido bateu à porta do banheiro. A mulher não ousou
abrir, seu nojo e asco, misturados ao pavor a paralisou. Em meio às lágrimas,
uma forte dor floresceu no seu peito. Graciete notou que os corós farfalhavam e
a encaravam com assombro, ela fechou os olhos e entregou-se a liberdade
vindoura.
sábado, 17 de outubro de 2020
MINICONTO: DIA DE CHUVA - THIAGO LUCARINI
No alto dos seus oito
anos, Chirley adquiriu um medo mortal do período de chuva. Dias atrás, durante
um evento líquido no meio da noite, seres brilhantes, com corpos anormais em ziguezague
e cabeças retangulares, surgiram para ela. Anunciaram que não a machucariam, muito,
pois precisavam da sua chuva particular, por isso, logo voltariam.
Chirley sentiu a
mudança no vento no final de tarde, seus olhos marejaram. Seus pais afirmaram
que ela estava crescidinha demais para inventar tais bobeiras. Já deitada para
dormir, a chuva assolava sua janela. Um trovão ribombou, ela suava de nervosa,
um raio foi seguido por um clarão que trouxe ao seu quarto os seres da
tempestade. Havia dois deles, sem delongas, eles se aproximaram de Chirley, um
de cada lado da cama. Instintivamente, ela cobriu a cabeça, porém ainda podia
vê-los através do cobertor devido à luminosidade intensa emitida pelas
criaturas. Os seres, sem anúncio, a tocaram. Chirley gritou em desespero, eles
a queimavam profundamente, fazendo-a chover.
sexta-feira, 16 de outubro de 2020
MINICONTO: BONECA-DE-MILHO - THIAGO LUCARINI
Aquele seria seu
último São João. Lamentou, amargamente, ter feito a brincadeira idiota de
invocar a Boneca-de-milho, uma entidade sádica e cruel, que caçava suas
vítimas, até o último grito. Sua irmã, Elis a alertou do perigo. No meio da
festa, Eloanne esbarrava num e noutro, reconheceu rostos familiares e outros tantos
estranhos. E pior, viu a Boneca-de-milho, ela tinha uma aparência infantil e
carunchosa, porém era um ser infernal e ancião. Usava um vestido feito da palha
de milho. Não possuía um dos olhos, no lugar havia uma rodela de espiga de
milho. Eloanne deixou sua pamonha cair ao vê-la e começou a correr entre a
multidão, que por vezes, reclamava. Sem fôlego e desesperada, parou por um
instante, e odiou ser sedentária. Em meio àquelas pessoas, sentiu duas mãos
frias agarrar suas pernas. Um portal escuro cobria o chão a sua volta e dele
emergia parte da Boneca-de-milho. Mesmo cercada por uma multidão, ninguém
escutou os gritos de Eloanne ao ser arrastada para o submundo. Elis, longe
dali, chorou sem saber o porquê.
quinta-feira, 15 de outubro de 2020
MINICONTO: QUEBRA-CABEÇA - THIAGO LUCARINI
Leonardo sentiu todo
seu corpo enrijecer. Um punhado de seu cabelo foi erguido. Perplexo, Léo olhou
no espelho da sala de jantar. A personagem mais cruel que sua escrita já criou,
estava bem ao seu lado. Mayanna ou a Quebra-cabeça lhe sorriu, com sua aura
densa e maligna de bruxa. Os cabelos do escritor foram puxados com mais
violência por May. Ele não gritou. Era o que ela queria.
Descontente, a bruxa
bateu sua cabeça com na mesa. A comida quente no prato recém posto entrou em seus
olhos, queimando. Concomitante, o utensílio se quebrou, cortando sua testa. May
o puxou de volta. Não ousou gritar.
Sua cabeça foi
arremessada de novo, dessa vez sobre as lascas de porcelana. Os cacos retalharam
seu rosto como se tivessem fome. Seu nariz balançou por um fio de pele. Só
então, Leonardo gritou. Era mais fácil dar o que May ansiava. Afinal, ele a
conhecia melhor do que ninguém.
quarta-feira, 14 de outubro de 2020
MINICONTO: PARANOIA - THIAGO LUCARINI
Júlia encarou-se no
espelho, apalpando a barriga como tantas outras vezes.
— Amor, não há nada
dentro de você.
Independente do que
Agenor dissesse ou os médicos e seus exames falhos, Júlia sabia que tinha algo
dentro dela, crescendo, expandindo-se. Não era um bebê. Era algo mais,
inexplicável, fora da realidade.
Tateou sua carne
morna um pouco mais.
Agenor a observava,
descrente.
— Eu não estou louca
— retrucou.
Já à mesa, Júlia
tomava seu café em silêncio, Agenor mexia no celular. De repente, ela sentiu
aquela coisa andar por baixo da sua pele. Sem pensar, pegou uma faca de serra
que havia deixado próxima.
— Te peguei,
desgraçado. — Berrou Júlia, enfiando a faca na própria barriga.
Agenor correu para
socorrê-la e em meio ao sangue, ele viu parte de algo não humano que Júlia
acertou.
terça-feira, 13 de outubro de 2020
MINICONTO: ACESSO NEGADO - THIAGO LUCARINI
segunda-feira, 12 de outubro de 2020
MINICONTO: MÃO AMIGA - THIAGO LUCARINI
Deixou o copo cheio cair e se espatifar. Gritou por socorro, mas lembrou-se que estava sozinha. Uma mão cadavérica, arroxeada, com pedaços faltosos de pele e carne, saía de dentro do bolo na geladeira e segurava o braço de Taize com firmeza. Ela se sacudia, tentando desvencilhar-se, porém a mão sobrenatural era muito mais forte. Mais cedo, naquele dia, recebeu de Letícia, aquele bolo. Talvez, Leti, não fosse tão sua amiga assim.
Aflita, Taize deu um solavanco para trás, escorregou num caco de vidro e tombou, batendo a cabeça na borda da pia. Notou, mesmo zonza, que estava livre, porém cheia de marcas. A mão podre devagarzinho fechou a porta da geladeira. Taize em pânico e receosa, só pensava em como a tiraria de lá sem ser arrastada para o seu mundo frio e sombrio.
MINICONTO: BARBA, CABELO E BIGODE
domingo, 11 de outubro de 2020
MINICONTO: O LAMBE-PÉS - THIAGO LUCARINI
Espantado, eu não
conseguia me mexer. Algo estava aos pés da minha cama. Na penumbra da
madrugada, eu via sua cabeça desproporcional, emoldurada por olhos vermelhos
assustadores, presa a um corpo diminuto.
Aquilo, seja lá o que
fosse, ante minha imobilidade, descobriu meus pés com nítido prazer. Abriu sua
bocarra com dentes finos e pontiagudos, e dela deslizou uma língua comprida com
protuberâncias rugosas. Saliva escorreu sobre meus pés. Eu tremia, e diante meu
desespero, a criatura abocanhou meus dois pés de uma vez só. Lambendo-os,
mordiscando-os. Até que eu senti uma dor insuportável. Sangue esguichou nas
paredes. O monstro mastigava meus pés com satisfação enquanto eu gritava,
perplexo.
quarta-feira, 7 de outubro de 2020
POESIA - ETERNO - THIAGO LUCARINI
No oculto das palavras
Reside todo o dom da criação.
A essência da palavra é significar
Aquilo que de outro jeito não teria forma.
A palavra é o sopro,
É a origem, é o eterno,
É em nós
O começo e o fim.