terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

POESIA - PRESENÇA FANTASMA - THIAGO LUCARINI

Cálidas mãos fantasmas
Que árduos mistérios guardam?
Como conseguem ainda preservar algum calor?
Será isso resquício de um passado amor?

Ternos braços fantasmas
Que meu corpo abarca
Como posso eu sentir tal toque abstrato?
Talvez, sejam meus sentidos de vício
Esperando achar um novo indício
Nestes dias funestos de duro martírio.

Lágrimas fantasmas
Estas não estão além do irreal
São minhas. Derramam-se invisíveis
Por dentro. Meus olhos áridos
A vista alheia, porém sensíveis, e em silêncio

Choram por um alguém apagado do tempo. 

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

POESIA - PENSAMENTO ABSTRATO - THIAGO LUCARINI

Sem imagem
Foco desestabilizado
Pelas ondas sem quebra-mar
Seguindo eixos diversos.
Fumaça esvaindo-se,
Dispersando a todo instante
Sua forma nebulosa
E fumarenta. Facilmente
Dissolvida nas marés do tempo.
O pensamento sem definição,
Abstrato, é a maior
Obra de arte da mente.
Capaz de se reagrupar
Nos momentos necessários
De consciência e tornam após
A ser parte de uma odisseia
Enigmática. Sopesada apenas
Pela balança da mente,
Que determina para que lado

Da abstração o fiel deve pender.  

POESIA - CRIATURA DESFIADA - THIAGO LUCARINI

Estou me desfazendo
De baixo para cima
De fora para dentro
Como um tapete velho.
Estou desfiando
Definhando ao pouco
Solto linhas velhas
O vento leva os fiapos
Deste farrapo desfeito
No qual me tornei.
Me desmancho aos poucos
Toda a criatura que fui
Se desfaz, para ser
Nada mais,
Que um amontoado

Desgastado e inútil.

POESIA - PEIDO - THIAGO LUCARINI

Explosão interior
Fermentação bacteriana

Big bang sem criação,
Da natural digestão.

Resíduo do processo
De geração de energia.

Produção de gases
Mas sem estrelas no lúmen

Intestinal. Desagradável, fétido
Em junção metano e gás sulfídrico

Formam o temido peido
Tão naturalmente reflexo

Daquilo que vive e respira.
E que coroa a obra-prima


Dos vivos: a merda.

POESIA - LEGITIMIDADE DESTE INFERNO - THIAGO LUCARINI

Logo quanto mais rezo
Mais me incito e padeço.
J. Azevedo

Estou numa linha
Subversiva do pensamento.
Sou um trágico tolo
Palhaço roto
Dado ao repúdio de si
Sem poder rir
Sem convalescença
Definho a passos largos.
Comum acordo, de igual,
Legitimidade, bilateral
Não há. Tenho meu
Inferno particular
Recheado de falsos prazeres
Recoberto de redes
De intrínsecas mentiras
Para me prender aqui
Entre as chamas e o medo.
Logo quanto mais rezo

Mais me incito e padeço.

POESIA - FOGO INOMINÁVEL - THIAGO LUCARINI

FOTO: Kirsty Mitchell

Há fogo neste coração.
Um fogo sem chama,
Porém mais quente
Que qualquer outro.
Há fogo neste coração
Que o faz pulsar
Com uma força vermelha
Mágica, além de
Qualquer descarga elétrica.
Há fogo esquentando
O sangue vertiginoso
Espesso, carregado
De oxigênio e inspiração.
Há um fogo invisível
Indelével. Feito de partículas
De um sol próprio e que queima
Em concílio com a alma.
Há um fogo inominável
Dentro de cada ser
Queimando perpétuo

Sem jamais produzir cinzas.

POESIA - ACERVO DE IMPRESSÕES - THIAGO LUCARINI

FOTO: Thiago Lucarini

Surreais são as ambições
Das coisas mortas e belas.
Por inveja, o cetim, amadureceu.
João Bernardo Hoffman

Meu acervo de sensações
Tão gasto e parco
Tem muitas limitações
E poucas experiências guardadas
Muitas ainda sem metabolização
Do dia a dia. Vou-me
Confeccionando, absorvendo
Impressões destes dois mundos:
Interno e Externo
Em mútua confluência
Através deste acervo
Servo do meu eu de sensações
Aprimoradas e justificadas

Na vivência cotidiana humana. 

POESIA - SAPO - THIAGO LUCARINI

O girino
Dono do seu destino
Confeccionou patas
Perdeu a cauda
Deixou seu desatino
Juvenil de lado.
Hoje, velho,
O sapo
Pobre batráquio
Solitário
No frio lago
Vive coaxando
Para a lua distante
Sonhando ser
Outra vez

Pequenino.

POESIA - TECNICALIDADE - THIAGO LUCARINI

FOTO: Kirsty Mitchell

Naquela ocasião
Tudo dependeu da retribuição

De um momento
De reciprocidade.

Um singular instante
O brilho no olhar

Um detalhe
Especial.

Tudo pendeu no fio
De uma mera tecnicalidade.

Esperei a bênção das estrelas
O ciciar das folhas ao vento

A inspiração de uma poesia.
Mas não houve nossa junção

Aquém de qualquer tecnicalidade

Seguimos órfãos de amor naquela noite.

POESIA - PRIMA-DONA - THIAGO LUCARINI

FOTO: Kirsty Mitchell

Minha prima-dona independente
De força e caráter autossuficientes

Senhora do seu destino sobre a terra
Mulher revolucionária do século XXI.

Mas que também é doce, prima
Entre as outras flores descoloridas.

Dona régia de o seu caminhar sutil
Entrementes, não deixa de ser primaveril

Guardando em si a essência da graça
E ainda assim toda a potestade

De ser uma prima-dona dos sonhos

Com um toque de sobrenaturalidade. 

POESIA - QUILÔMETROS - THIAGO LUCARINI

Você está a quilômetros.
Vivo nesta amarga distância
Quilômetros não físicos
Nem mundanos nem mesuráveis
Nem apagáveis. Os quilômetros
Que se interpõem entre eu e você
São cruéis sem margem,
Orla ou qualquer meio de vencer.
Nossa separação definitiva,
O marco zero destes nossos
Quilômetros inexpugnáveis
Começam tristemente
Numa fria lápide

De falsos quilates.

POESIA - BEIJA-FLOR INDECENTE - THIAGO LUCARINI

Beija-flor indecente
Introduziu seu bico fálico
Sob uma saia de pétalas
Indo ao fundo do gineceu
Rompendo o hímen de pólen
Da virginal flor, estremecendo
Sua base e sua corola sem pudores
Roubando seu doce mel
Com sua língua comprida
Lambendo-a sem remorso
Deixando-a mole e liberta

Dos seus antigos gozos reprimidos.

POESIA - CONFORTO E ALEGRIA - THIAGO LUCARINI

FOTO: Kirsty Mitchell

Deitei minha cabeça
Em travesseiros macios

Recobertos de verdes pastos,
Numa cama de conforto e alegria.

O Senhor me deu este bálsamo
Na árdua lida da vida diária.

Daqui posso ter uma visão
Plena do Teu eviterno amor.

Aos seus filhos é dado
A relva do mundo para descanso

Pouso a sombra da Glória
Contemplando uma eternidade

De Graças e prazeres celestes

Deste aconchego ofertado pelo Senhor. 

POESIA - CARNAVAL - THIAGO LUCARINI

FOTO: Thiago Lucarini

[..] Que importa? Ao menos o teu ser [...]

E eu, vagabundo sem idade,
Contra a moral e os códigos,
Dar-te-ei entre os meus braços prodígios
Um momento de eternidade...
Manuel Bandeira

A Colombina despiu sua máscara
Da vida real pondo a fantasia

Sobre toda a paresia do seu ser
Em primeira instância irrevogável.

Arlequim cheio de júbilo vivo
Sob chuva de confetes e serpentina

Dança ao som de marchas, sobre
Noites esquecidas de qualquer sono.

Porta-bandeira levanta a flâmula
Entre giros e rodopios. Branca

A liberdade em estandarte de poucos dias
Passista, bailarina, cortesã, pierrô sem contravenção

As ruas são tomadas de desfiles abertos
Enfeitados de falsas plumas de Livre-arbítrio.

A alegria queima feito uma fênix em final de carreira
Convertendo-se em cinzas na quarta-feira

Voltando a renascer  em nova alegoria somente no próximo

Fevereiro carnavalesco. Seguem onze meses tristes.   

POESIA - A MAÇÃ, O ROSÁRIO, A FACA E O GRAMADO - THIAGO LUCARINI

FOTO: Thiago Lucarini

A maça
O rosário

A faca
E o gramado

Coisas poeticamente
Contrárias.

Mas dotadas
De pleno significado.

A maçã
É o pecado

O rosário
A fé

A faca
A mão de corte do Todo-Poderoso

E o gramado

O corpo onde se situa tudo isso.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

POESIA - ALIEN, SUPERNOVA DA VIDA E TERRENA UNIVERSAL - THIAGO LUCARINI

Veio de longe,
Das terras do espaço sem fim
Além da Andrômeda coroada
Será que veio de tão longe por mim?

Estranho, sobrenatural
A vida desabrocha nos recôncavos
Cândidos do universo em
Explosões atômicas, cômicas, cósmicas.

Disco rígido imaginário, estático, quebrado
A vida não é estacionária, nem passageira, placa-mãe
Não se fixou em raízes únicas, seus galhos crescem
Pelo sistema, deve ter frutos a mais, separados da Terra.

Gravitacional, bilateral
Ignorância e descobrimento, fora de órbita
Navegação ao infinito, sem prova ou convencimento
Acima de qualquer santuário desconexo, sem nexo.

Roda celeste, espaçonave, elegia
Da conjunção divina, feitiço marciano
Cigano, humano abstrato
Sem extrato bancário diário do espaço.

Estrelas derramadas na Via Láctea
Discos voadores, sondadores, sonhadores
Da existência terrena, olhos grandes e curiosos,
Aliens seriam verdes? Marrons? Invisíveis?

Teriam um só coração ou múltiplos?
Será que podem amar, nestes tantos corações?
Vêm de longe, mas sem pressa
Estou aqui ávido pela descoberta.

Humanoides, multiformes
Braços, tentáculos, auréolas, chifres
Dariam-me um abraço ou morte?
Possibilidades sem qualquer prumo ou norte. 

Amigos? Inimigos? Indiferentes?
Não sei como nomeá-los, rastreá-los
Num encontro causal, nas areias do cosmo
Será eu, o alien, ou eles?

Primazia, azia sentimental, dança de poderes
De um lado, leitura da mente, lasers
Do outro, o encanto humano, soberano, singular
Mas, por hoje, sem competição, só diálogo à beira mar.

Façamos nosso castelo no ar, neutro, sob o luar
Amar, vigiar, o continente inexistente, pendente.
Além-existências extraterrestres enfeitemos
O firmamento com Ovinis ou ovos de Páscoa?

Faremos festa? guerra? Questão pra outra hora
Seresta de estrelas cadentes; chegam os convidados
Sol rachado, lua pálida, olhos da galáxia em vigília
Abdução: confraternização de criaturas puras.

Lhes mostrarei nossos costumes,
Sofreres, alegrias e perfumes
Iremos à feira, brasileira, comer pastel
Enquanto me oferece um néctar do céu.

Seres distantes, aliens, ETs
Que marcham sobre a vastidão do tempo,
Nos trilhos das estrelas, na esquina do Universo,

Estamos nós, a Terra, a espera, do surreal.

* Poesia publicada originalmente na coletânea Contatos Imediatos de Primeiro Grau, Darda Editora, 2016.

POESIA - NATUREZA MORTA DO MEU QUARTO - THIAGO LUCARINI

FOTO: Kirsty Mitchell

Lloraré, llorarás, sufriendo en soledad
Tú vuelve a mí y yo te haré feliz.
Canção: Isabel. Intérprete: Il Divo.

A primeira lágrima caiu
E de longe não foi à última.

Você se foi deixando para trás
Uma casa reagrupada em cinzas

Ficou meu coração em flagelos
Um órgão morto-vivo sem alma.

Padeço em solidão sem o teu sorriso
Para iluminar este eu escuro e falho.

Perdido, vago solitários pela
Natureza morta do meu quarto

Esperando nascer uma flor do abajur
Ou calor natural destes lençóis de aço

Flutuo pela desesperança e apatia
Delirando sobre poemas velhos.

Perdoe-me amor meu. Sou culpado
De joelhos e abnegado do mau ato

Peço-te pela última vez. Regressa.
Volte, volte, e eu te farei feliz.

Meu mundo é triste demais

Sem teu brilho você ao meu lado.

POESIA - PHALLUS - THIAGO LUCARINI

O falo é o poder
Nas mãos do homem

Representação da soberania
E repressão feminina.

É certo que o homem, quase sempre
Está mais preocupado com o próprio pinto

Do que com qualquer outra coisa, mas de fato
Quem tem falo mesmo são as mulheres

Castradas, com sua inversão do pênis
Criaram a Fala. E a mulher fala, fala e fala.

Enquanto o poder do homem está naquilo
Que lhe vem de nascença, uma herança

Patriarcal. E de direito certamente questionável
A mulher desenvolveu seu domínio próprio

O poder da palavra para sobrepujar o masculino
Dificilmente o falo ganha da fala

Não há resistência (Phallus), que não murche
Diante da envolvente e dominante (Parabola).

Uma vez que o falo rompe o hímen, este
Abre o vaso natural, que por sua vez, deságua

Toda a criação do palavreado de constelação uterina

A Caixa de Pandora do falo, então, vencido.

POESIA - TATUAGEM - THIAGO LUCARINI

FOTO: Kirsty Mitchell

Impresso de forma inatural
Com cores de tons especiais

Fora marcado além da pele
Um sentimento eternal

Brasa ou ferro quente
Não se podem comparar

Pois as cicatrizes mesmo coloridas
Da epiderme se vão quando esta apodrece

Já essa tatuagem desenhada na alma
Com tamanha sutileza e carinho

Nem mesmo a morte pode apagar.
É um estigma, um sinal, um memento

Adiante de qualquer tempo e espaço
Marcado, grafado, impresso, impregnado

Neste ser raso com sua profundidade.

Uma tatuagem indelével de amor.

POESIA - PARAGEM E ESTALAGEM - THIAGO LUCARINI

Subindo a estradinha do céu
Na encruzilhada da Ascensão
Há uma paragem a altura das nuvens

Ali se pode descansar da subida
Olhar o capim orvalhado pela manhã
Ver o sol desmanchar a escuridão no horizonte

Naquela paragem conjugada a ela
Funciona uma estalagem de conforto
De notória fama. A estalagem

É sem dúvida um pedacinho do céu
Uma amostra calorosa com o cheiro
Daquilo que mais aquece o coração

Da alma em levante contínuo
Muitos quase sempre ficam
Mais do que deviam na paragem de Ascensão.

Porém sem choro. Todos seguem
Nada de ficar estagnado, tudo tem seu ciclo
Portanto, a rigor, deve ser cumprido

Aquém de qualquer paragem
De intermédio no caminho.

A estalagem segue aberta.