sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

POESIA - ANGELINA E O FRUTO DA UTOPIEIRA - JOÃO BERNARDO HOFFMAN, POETA NEGRO, PETER PIRES & THIAGO LUCARINI





Angelina foi uma garota boa
Mas cresceu sob o julgo perverso
Oprimida perdeu suas pétalas de inocência
Comparada com a beleza alheia
Perdeu a imagem própria, e
Desenvolveu o vazio vermelho
Seu coração sangrou lágrimas.
Angelina cresceu; agora mulher
Encheu a taça do desespero
Colecionando tristezas
Passou a viver em função dos outros
Solitária e perdida, o vazio nunca enchia
A ferida escarlate crescia a cada dia                                   
Ela não se achava nos padrões
Não gostava da própria forma espelhada
Pobre, Angelina
Prego martelado pela vida entortou
Tornou-se uma prostituta da aceitação.
Vendeu sua alma ao nada
Por uma moeda velha e enferrujada
Esqueceram de lhe contar
Que a perfeição é fruto da utopieira.
Servindo-se do que a vida lhe deu
Tal como a humanidade se servia dela
Doce e amena conforme a exigência
Assim Angelina se moldava
Vendedora de sonhos e fantasias
Certo dia olhando-se no espelho
Desnuda de maquiagem e de roupas exuberantes
Notou que tinha mudado
Estava diferente
Viu uma imagem refletida de si mesma
Que a muito tinha sido apagada de sua mente
Algo dentro dela, fazia-a recordar
A essência, o encanto
Que perdera prematuramente
Dentro dela gerava um ser,
Uma vida, fruto da utopieira
Comido há tempos atrás
Angelina destemida e encorajada
Arregaçou as mangas do seu vestido
Pegou um machado
Correu para o campo-vida
E derrubou vorazmente a utopieira
Cansada, suada, mas feliz
Deixou-se cair na grama verde
Contemplou o céu azul infinito
Pela primeira vez na vida
Estava em paz.


1.      Utopieira: árvore da utopia, responsável por gerar os frutos da ilusão.

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