quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

MINICONTO: CATIVEIRO - THIAGO LUCARINI

 

Fazia anos que eu não via qualquer nesga de sol. As correntes que um dia me prenderam, hoje, me libertaram. Enquanto aqueço meu corpo, adaptando-me novamente à vida, um desgraçado esfria no porão.

sábado, 26 de dezembro de 2020

quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

MINICONTO: OPINIÃO - THIAGO LUCARINI

 
        Tudo o que me disseram durante toda a minha vida sobre o meu corpo, plantou em mim uma insatisfação permanente com minha imagem. Nunca entendi o porquê de as pessoas não guardarem o que pensam para si, e infelizmente, certos danos são irreversíveis. Olho-me no espelho com a faca em mãos, começo a destacar a pele em volta do meu rosto, sangue escorre. Não grito apesar de aquilo queimar. Eu iria até o fim para descobrir debaixo de toda dor um novo eu.

POESIA - VÍCIOS DA SOLIDÃO - THIAGO LUCARINI

 

A solidão é cheia de vícios

E ela traz sobre a vida de quem a aceita

Suas manias tantas.

Estar sozinho é deixar crescer asas

Difíceis de serem podadas.

terça-feira, 22 de dezembro de 2020

PODCAST - SIGA A LUZ

           

         Para quem gosta de ouvir contos de terror/horror e relatos sobrenaturais das pessoas, agora, você tem a opção de ouvir o meu podcast: Siga a Luz. Um lugar, onde, eu, Thiago Lucarini, seu host, contos histórias fictícias minhas e relatos assombrosos dos meus ouvintes. Abra o podcast no seu agregador de preferência e divirta-se entre sustos e arrepios.


sábado, 19 de dezembro de 2020

POESIA: PREVISÃO CLIMÁTICA - THIAGO LUCARINI

 
Longe de mim

Também chove?

Vejo relâmpagos

Ouço trovões

Horizonte escuro,

Mas não sei

Se longe de mim

Também chove,

Pois tantas vezes

A chuva parece pertencer

Apenas ao meu céu.

MINICONTO: FURÚNCULO - THIAGO LUCARINI

 

O furúnculo na perna latejava e doía há dias, incomodando, A erupção avermelhada e cheia de pus estava muito grande, deixando a pele febril, brilhante. Sentou-se com as pernas cruzadas pronta para dar fim ao tormento, colocou gazes ao redor do caroço, fez um pique na parte superior e começou a espremer, sangue coagulado e detritos saíram, vazando. Quase no fim do processo, algo surgido do pus agarrou-se ao polegar dela, emitindo um choro sinistro, era uma criatura viva, pequenina e de aparência larval e humanoide ao mesmo tempo. Ela gritou assustada e perdeu os sentidos. Quando acordasse, descobriria que o furúnculo apenas havia se mudado de lugar.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

CRÔNICA: CADEIA ALIMENTAR - THIAGO LUCARINI

 

Estava eu com vontade de comer peixe. Cansado dos mercados e seus frescos ou enlatados prontos para consumo, fui a uma venda de peixes vivos. No tanque, escolhi do cativeiro aquele que mais me agradou, o vendedor, um rapazote, o pegou com uma rede e rapidamente lhe deu um golpe com uma ferramenta de claro uso em abate, da qual, desconheço o nome. Naquele instante, pensei que meu jantar tinha ido por água abaixo, pois um grande remorso me invadiu. De forma planejada, contribuí com a morte de um ser. Silenciosos, peguei meu pacote e fui embora. O peixe nos seus últimos suspiros pulava na sacola, movimentos involuntários de resistência, porém não existia firme linha para se segurar, se livrar da panela. Meu coração igualmente pulava, eu sabia da necessidade, um só haveria de viver.

 Em casa, me apressei a arrumá-lo, escamar, estripar e todo o restante do processo. Eu sentia-me um pleno maníaco assassino com a mão num corpo de água tão frio. A vida rápida e pronta do cotidiano dos açougues e ilhas de congelados nos tiraram o horror da morte de outros seres com intuito de sobrevivência própria. O peixe com seus espasmos involuntários insistia em algo que não tinha mais volta, já estava morto, e contraditoriamente, o corpo recusava-se de algum jeito a deixar a alma ir totalmente. Sem eu perceber, levei meu dedo à boca espasmódica do falecido que muito do vingativo me mordeu. Quase xinguei, contudo, não o fiz, pois sentia-me merecedor de tal punição do morto.

Em meio a dor e frustração, percebi o quanto sou grato pelo tempo em que vivo. Deus me livre ser preciso eu matar uma vaca, um porco, uma galinha, outro peixe.  Estou seguro, uma vez que não preciso sair à caça todos os dias, ter que matar consciente e regularmente. Gosto da morte que não suja as minhas mãos, da ilusão dos pedaços fatiados e pendurados em ganchos, que não confessam qualquer traço de vida escondida ou preexistente. Já abatidos é mais fácil ignorar sua história, sua dor, e isso, egoistamente, me basta, posto que asseguram a minha sensação de inocência. Matar para comer é necessidade, mas ter essa experiência, assim, nascida de um simples desejo para o jantar é amedrontador, é confirmar o que sabemos desde sempre: a vida sustenta-se sobre os ossos dos mortos. É questão de tempo até eu ser o abatido, ser comida da natureza. Parte do ciclo em contínuo processo.

De volta ao conforto e comodidade, meus incapacitantes naturais, olhei o peixe pronto na panela. Estava com uma cara maravilhosa. Se o comi? Claro! Custou caro. Em mim não restava qualquer lembrança do prévio remorso. Não há moralidade na fome. Acabou que o peixe rendeu não só um prato delicioso como uma crônica de brinde.

POESIA - SUPERSTIÇÃO - THIAGO LUCARINI

 

Eu acreditei que você me amaria,

Fiz benzedura e banhos de ervas e sais

Na lua cheia à meia-noite de primavera

Na expectativa de trazer seu coração.

Mas o amor não se presta a superstição

Nem a minha crendice do que deveria ser.

Não há ritual, atalhos para o amor brotar,

Ele tem seu próprio tempo, basta aceitar.

sábado, 12 de dezembro de 2020

MINICONTO: O ACUSADOR - THIAGO LUCARINI

 

A própria besta aconselhava o líder daquela nação, deu a ele suas filhas em casamento, a insensibilidade e a ignorância. O maligno vestiu o rei com o manto prateado da falsa messianidade tecida nos fornos do inferno, brilhante e mortal. Assim, seus servos iam atrás do mito de retidão e bondade como gado atrás do sal, não tardou e o reino caiu em ruínas e, enquanto ruminavam o abate, todos dançavam no compasso orquestrado pelas esposas. Sucedeu que só restou o diabo enganoso com riso fácil por tantas almas que arrecadou.

MINICONTO: VELA AOS ANJOS - THIAGO LUCARINI

 

Eu andava pelas cinzas do que restou do barracão. Tijolos enegrecidos pelo fogo pareciam olhos atentos a me observar, mas não podiam me julgar, não há condenação maior do que aquela dentro de mim. Fumaça sobe do rescaldo, eu sinto frio apesar do calor residual. Os moveis são esqueletos de toda uma vida deposta, a casa agora é um caixão selado em ruínas, altar do medo infantil do escuro. Meus pés vacilam ante toda a cena. Não tenho lágrimas suficientes para apagar a memória. Eu não devia ter deixado a vela acessa junto aos anjos levados de mim.

MINICONTO: VARAL - THIAGO LUCARINI

 

Eu gritei assustada e paralisada de medo. Os prendedores do varal começaram a saltar dos arames feito sapos em fuga, indo ao chão. Minhas roupas recém-lavadas caíam, pois os arames se agitavam e vibravam tensionados por uma forte opressão. Enquanto um dos lençóis despencava ele pairou no ar ao encontrar uma resistência não natural. Logo o lençol seguiu o curso inevitável da gravidade, mas antes de ele tocar o solo totalmente, eu vi pés sumirem sob sua contraditória brancura floral. Desmaiei.

MINICONTO: DESPEDIDA - THIAGO LUCARINI

 

Seu marido chegou sem ela percebê-lo e a beijou afetuosamente. Sentou-se no sofá e pediu para que Suzana sentasse ao seu lado. Não era incomum, pois ele sempre foi muito amoroso. Na televisão passava o jornal local. Logo ela fez menção de se levantar, mas Milo segurou sua mão e na tevê entrou um link ao vivo, noticiando um grave acidente na rodovia que havia acabado de ocorrer, tinham identificado um dos motoristas e o jornalista disse o nome completo de Milo. Suzana trêmula se virou para seu marido, que com olhos marejados e um sorriso, desaparecia.

MINICONTO: LABIRINTO - THIAGO LUCARINI

 

Os elevadores estavam desativados àquela hora da madrugada. Xinguei alguns bons palavrões. Cambaleando, comecei a subir as escadas até o 13º andar. Em alguns momentos escutei portas se abrindo, passos próximos, vozes distantes. De uma forma incomum para o horário o prédio estava bastante agitado. Continuei a subir, meu andar não chegava nunca, e depois de um tempo, percebi que algo estava errado, pois continuei a subir sem jamais chegar ao meu apê. Eu não acho saída. Meu celular não tem sinal aqui, olho o relógio e fazem 24 horas que estou preso nas escadas.

MINICONTO: VIGIADO - THIAGO LUCARINI

 

Sentia-se vigiado. Não havia lugar dentro de sua casa que não sentia aquela presença. Estava constantemente arrepiado, calafrios percorriam seu corpo. Detestou estar sozinho naquela noite. Conferiu por mais de uma vez os cômodos e a área externa da residência. Trancou todas as portas e janelas. O silêncio que se seguiu era reconfortante. Concluiu que estava apenas sendo paranoico. Sucedeu que após se deitar não passou sequer um minuto completo e escutou o som de uma respiração pesada ao seu lado na cama.

MINICONTO: BANQUETE - THIAGO LUCARINI

 

Certamente é a refeição mais gostosa que terá a chance de provar. É a mais cara também. Para estar no banquete exige-se vestimenta adequada, requinte e elegância. Pela raridade do prato eventos como esse acontecem de uma a no máximo duas vezes por ano. Há anos de total escassez também. Observamos todos os preparativos, pois tudo deve ser feito na primeira hora. Estamos perto, apesar de já passar das quatro da manhã. Todos os presentes estão eufóricos para experimentar aquela iguaria. Ouvimos um grito. Salivamos. Finalmente a bolsa rompeu.

MINICONTO: DISTORÇÃO - THIAGO LUCARINI

 

Sempre que me coloco diante do espelho vejo aquele monstro de feições desproporcionais sem qualquer semelhança com uma imagem real. O maldito tem aspecto apodrecido e sujo, cheio de feridas espalhadas pelo corpo ressequido. Eu não conseguia me pentear, me barbear direito, escovar os dentes em paz, tirar uma simples foto. A criatura horrorosa não me dá trégua nunca. Sinto nojo e asco dela. Eu tenho saudades de me ver, ver o eu e não a substituição, mas todo reflexo é morada dele. Jamais me vejo. O abominável nunca me machucou nem se insinuou, no entanto, me privou de mim, do amor e, por isso, eu o odeio.

MINICONTO: ROUPA SUJA - THIAGO LUCARINI

 

Eu gostava de lavar minhas roupas na mão com sabão caseiro. Na ocasião, eu lavava algumas peças e aos poucos a água antes límpida se enchia de espumas brancas. Havia tantas que quase nem dava para ver as roupas, era a vez de esfregar a cueca do meu namorado, assim que a peguei do monte submerso, surgiu uma cabeça feminina que segurava a outra extremidade da peça com os dentes, a coisa avançou sobre minha mão e me mordeu. Eu gritei de dor, logo já não havia nada ali, porém as espumas antes alvas tingiam-se de vermelho com o sangue que escorria do rasgo aberto na minha mão.

MINICONTO: DECOMPOSIÇÃO - THIAGO LUCARINI

 

O sol a pino fazia as larvas se agitarem sobre o meu corpo e caçarem um lugar mais ameno do calor escaldante entre minhas entranhas frias. A quentura fervia os líquidos da morte dentro de mim, fazendo sangue coagulado e chorume escorrerem pelos poros. Uma bola de gás subiu pelo meu estômago, empurrando restos de comida apodrecida garganta acima, Merda saía por baixo também. Insetos desfilavam em passeata sobre minha carne lamacenta. Aves carniceiras bicavam as partes moles. Eu podia sentir tudo, não havia dor, porém, era bastante incômodo estar preso ao meu corpo em acelerada decomposição.

MINICONTO: AMEAÇA - THIAGO LUCARINI

 

Sou médico socorrista dos bombeiros. Um dia após chegar do plantão e dar um beijo de boa noite na minha filha, eu me deparei com a Morte em seu berço. Ela me alertou de que eu estava interferindo no seu trabalho e que nem todos deviam ser salvos. Agora toda vez que há uma chamada de resgate, devo estar atento à maca na ambulância, pois se a Morte estiver sobre ela, eu não devo agir, mas se a maca estiver vazia, posso seguir com a rotina de salvamento. O que me amedronta é que sempre a Morte aparece, ela segura uma das bonecas da minha filha numa ameaça clara a sua vida mal iniciada.

MINICONTO: ANA DO BALÃO - THIAGO LUCARINI

 

Ana do Balão, como ficou conhecida, era uma criança mimada e birrenta, que morreu no dia do seu aniversário num trágico acidente de carro. Dizem que seu espírito vaga pelas estradas, arrastando um balão murcho. Se ela aparecer no seu carro como uma carona indesejada, Ana irá te perguntar: “Hoje é seu aniversário?” Se sua resposta for “não” você perderá o controle do veículo, sofrendo algum revés. Se sua resposta for “sim” você terá um mal súbito ao volante, causando um acidente. Relatos afirmam que a resposta para tentar escapar da Ana do Balão é: “Eu não faço aniversário.” Ou perguntar ao fantasma: “Quando é o seu aniversário?” Fica o aviso!

MINICONTO: O BATEDOR DE PORTAS - THIAGO LUCARINI

 

Não é só o vento, dizem isso apenas para nos acalmar ou negar a situação real. Eu também desacreditava, mas tudo mudou. Eu fui banhar e deixei a porta encostada, não demorou muito e ela começou a bater repetidamente, continuei meu banho ao som das batidas. Já enrolado na toalha peguei na maçaneta e puxei a porta entreaberta para abri-la totalmente, porém uma força contrária à minha travou a porta, coloquei toda a minha energia, mas não consegui movê-la. Coloquei a cabeça pela fresta e vi um ser encarquilhado segurando a maçaneta do outro lado. Ele ria sem me perceber, eu gelei. A seguir a porta se escancarou, rangendo no vazio.

MINICONTO: VISITA - THIAGO LUCARINI

 

Eu fiquei responsável por cuidar da minha sobrinha de três anos naquele dia. Por volta do meio-dia e meia, ela me encarou, apontou o dedinho para a rua e disse: “Vovó chegô, vovó chegô.” Eu olhei para fora e não havia ninguém. Minha sobrinha começou a conversar sozinha como se minha mãe estivesse realmente ali. Minutos depois, meu celular tocou, no visor apareceu “Mãe amada” atendi: “Falo com o filho da senhora Paula?” Receoso, confirmei e a voz séria e formal me informou: “Lamento dizer, mas a Paula sofreu um acidente e veio a óbito...” Tremendo e sem chão, mirrei minha sobrinha, que brincava inocentemente com a “vovó”.

MINICONTO: COELHO - THIAGO LUCARINI

 

Aquele coelho de pelúcia não é um simples brinquedo. Muitos riem de mim, mas falo sério. Eu o peguei andando pela casa algumas vezes. Meu marido diz que eu estou ficando louca. Só eu ver não significa que é menos verdade. Já tentei me livrar dele de tudo quanto é jeito, porém nada adiantou. Durante o dia deixo o coelho preso pelas orelhas no varal, isso o irrita. Contudo, pelo menos eu sei exatamente onde ele está. Algo que não posso dizer durante a noite, quando escuto seus passos macios pelo telhado, dentro de casa. Tirei uma foto dele e se você tiver coragem de encará-lo por algum tempo, verá que ele se mexe. Por favor, diga-me que não estou louca.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

POESIA: A COVARDIA DOS DIAS SEGUROS - THIAGO LUCARINI

 Tenho pés que se prenderam 

No meio do caminho como se fossem raízes

Já não sigo não avanço.

Parado minhas raízes engrossam

E sussurram: "além do limite há perigo."

Prometem segurança e sombra

Não é fato não é verdade,

Pois coisas estagnadas também tombam.

Plantado no plano intermediário

Da total covardia dos dias seguros

Reconheço que o meio-termo

Não é lugar de voo não é vida.