Ela não sabia exatamente quando o seu casamento
azedou. O tempo não tem piedade nem os homens. No pueril início, não havia flor
que murchasse, sorriso que não se abrisse, desejo que não ardesse, estrela que
não brilhasse. Ele mudou. Esqueceu-se das rotinas do amor e caiu nas rotinas
lodosas diárias, daquelas que matam possibilidades e afetos. Desapareceram os beijos
de bom dia, ligações ao meio-dia, o toque espontâneo, a procura a partir da
necessidade da carne, casualidades. Em vã tentativa, ainda dividiam “eu te
amos” ditos ao vento mais por convenção que convicção. Ela se viu acorrentada a
uma união de um só, e insistiu até dar-se por vencida e render-se a mesmice.
Acabou presa à rede da rotina corroída por dentro, envenenando-se ao tentar
entender o porquê da mudança, nunca soube.
Não a traia, por sorte, não era gay. Só era um homem
de plástico, estéril nas relações.
A vida tornou-se dilatada, feita de compromissos
obrigatórios e enfadonhos. Não existia felicidade, apenas comodismo, desgraçada
estabilidade. Ele a renegou à castidade de mãe, a negou a puta entre quatros
paredes. Beijava-a feito filha e estendia-lhe a mão em público pelas aparências
menores, mas em casa, a esquecia, nada de cuidados maiores. Por sua vez, ela já
não se importava em tirar o cheiro de cebola ou de outros suados condimentos,
pois por mais temperada que estivesse, ele quase não a comia, e quando, pela
obrigatoriedade nupcial mensal cedia o pau a boceta, gozava rápido, já que
estava sempre cansado e precisava trabalhar cedo no outro dia. Era trabalhador,
de fato. Este era um dos maiores erro dele: acreditar que ter a mesa cheia era
o suficiente, prover o básico não alicerça cumplicidade, confiança, loucura
abissal. Existem outras fomes, tão maiores e violentas, quanto à fome do corpo.
Esquecia ele que um coração relegado ao vazio igualmente derrubava um lar.
Em algumas noites em orações frias, mas não de todo
mentira, ela suplicava aos bons anjos que mandassem a morte a ele, e desse-lhe
liberdade, quem sabe, nova vida. Ambiguamente, já não sabia viver sem ele e nem
o suportava, mas como boa senhora e cristã, o respeitava, uma vez feitos os
votos perpétuos. Achava indigno até tocar-se sozinha tendo um homem. Via as manhãs e tardes passarem
tendo por companhia a solidão, durante a noite, lá também estava à solidão
entre eles na cama, lugar de repouso e silêncio e não de amor.
Miúda, ela foi murchando à sua sombra ausente e ainda
onipresente. Infalivelmente, ela era dele. Ele não dava sinais de compreensão
da situação ou fez-se entender, ela orgulhosa não perguntaria ou confessaria a
dor da intocabilidade. Nunca reclamou em sociedade nem a sós. Este fora seu
erro. Ao outro, o silêncio pode significar paz e regularidade, aceitação.
Ele a amou pouco, ela ansiou demais. Eram planetas em
órbitas opostas em que o alinhamento ocorre por poucas horas apenas uma única
vez, e depois, seguem trajetórias separadas sem se lembrarem da gravidade de
atração inicial.
Ela desejava
que ambos não pertencessem ao mesmo Céu, queria um Paraíso livre para si, sem
ele, só ela. Refeita. Renascida sob outros signos mais alegres.
Covarde, viveu fiel ao seu tédio e amargor até o fim,
por azar, se foram juntos, não se sabe se para lugares distintos ou iguais. O
destino não permitiria tamanha afabilidade em irem desconexos como foram em
vida.
Que Deus possa ceder grata separação aos infelizes.