quarta-feira, 30 de maio de 2018

POESIA - INCOMPETÊNCIA HUMANA - THIAGO LUCARINI

Detesto cair.
Não pelos joelhos ralados
Não pelas mãos feridas
Ou pela dor em eco depois.
Mas pela falha no andar
Pela incapacidade própria
De manter-me absoluto de pé,
Pela inconstância do ritmo.
Cair é sempre resultado de alguma
Distração traiçoeira imposta pelo caminho
E a queda autentica minha incompetência
Mundana em ser mais que humano.

domingo, 27 de maio de 2018

POESIA - DANÇA NO ESCURO - THIAGO LUCARINI

Dançamos onde os olhos não veem.
Corações cruzados tecem nova trama
Os pés enroscados apreendem o ritmo invisível
De uma composição desconhecida e calma
Nascida do atrito sem guerra dos nossos corpos.
Olhos cobaltos, mar índigo e o céu de velho anil
Escurecem para velar o segredo maior de nós.
Somente as estrelas confessam nosso amor,
Pois dançamos onde os olhos não veem.

segunda-feira, 21 de maio de 2018

POESIA - FLORES BRANCAS - THIAGO LUCARINI

Feito as flores brancas
Eu amarelo, amarelo-tempo
Corrido, passado sobre a pétala,
Por cima da pele, defronte os olhos.
Pela ordem prima da natureza
Eu e a flor deixaremos a beleza
De receptáculo virginal, noiva,
E cearemos amarelo-vencido, prescrito,
Fecundos em novos frutos, vida.

domingo, 20 de maio de 2018

POESIA - A HISTÓRIA DOS LENÇÓIS - THIAGO LUCARINI

Meus lençóis
Imaculadamente assépticos
São estéreis a qualquer
Outra vida além da minha.
Sou seu céu de Sol único
Fonte de calor restrita, molde.
Além da brancura pressuposta
Acumulam algumas manchas salinas
E outras amareladas de outros prazeres,
Neles só cabem meus cheiros e devaneios.
Contam histórias poucas, porém precisas
Sabem que, por vezes, a solidão nos basta
E que despidos da cama, são páginas ricas.

quinta-feira, 17 de maio de 2018

POESIA - MINERADO - THIAGO LUCARINI

Não permita
Que roubem
O ouro do teu coração
Ou escavem tua alma.
Muitos escravos escuros de si
Em busca daqueles que brilham
Virão com pás e picaretas
Com a única intenção
De deixar o vazio poeirento,
O ser extraído de essência.
Cuidado! Pois uma vez oco e seco
Nenhum quilate puro regressa.

quarta-feira, 16 de maio de 2018

POESIA - ÓCIO E AGONIA - THIAGO LUCARINI

Das agonias da alma
O ócio é o pior, pois
Apesar da ausência de dor
Cria monstros, distorções completas
Sobre idealizações perniciosas.
O ócio tóxico apodrece
Desde a carne aos ossos,
Insidioso consome toda fibra.
É lento, porém fatal.

sábado, 12 de maio de 2018

POESIA - CANÁRIO - THIAGO LUCARINI

Canário amarelo de canto sábio
Pequeno sol dos prados e vales

Canta suas alegrias em verões áureos
Levando alegria e sutileza à vida

Todos os outros animais param sua missão
Para ouvir aquilo que o pequenino canário ressoa do coração

As flores caem em regozijo, às árvores dançam
O vento embala sua sinfonia distinta

Que se enraíza na natureza primal e dos homens.
Canário amarelo, pequeno rei das aves, quilate,

Sua canção é do alto astro-solar
Inveja, a noite e suas estrelas têm por não te ouvirem

Pequeno Eldorado voante banhado em pó de ouro
A Terra toda vibra com tua ressonância essencial

Venha canarinho pouse em minha janela
E cante sonhos dourados a este coração cinza

Traga seu halo, sua coroa de luz amarela, primavera.
Seu canto santo e aqueça a noite sem fim do meu ser

quarta-feira, 9 de maio de 2018

POESIA - OLVIDA-TE ESQUECIMENTO - THIAGO LUCARINI


Esquecer é andar entre destroços
Que além se multiplicam,
Sem reparar na lividez dos ossos
Nem nas cinzas que ficam...
Cruz e Sousa

Plácido esquecimento férreo
Dor poente dos olhos lacrimosos
De alma dolente, enferma
Esperando solene extrema-unção
Ou algum tipo de última beleza.

Esquecimento: olvida-te de mim
Deixe-me ser eterno nos braços
Tépidos da memória de diafaneidades.
Olvida-me e queda-te em outros tantos
Pois sou só mais um poeta
E todos nós somos
Naturalmente
Destinados a ti.

Esquecimento...
Esfriamento da carne crua e morna...
Cimento do tempo...
Que enterra e cauteriza todos nós.

terça-feira, 8 de maio de 2018

POESIA - ENCAIXE - THIAGO LUCARINI

O encaixe na palavra
Depende do dia em uso
Do tempo externo e interno
Do estado sólido ou fútil do coração. 
A poesia faz uso destes artifícios
Deliciosamente enigmáticos 
De significar tudo num dia
E absolutamente nada noutro.

segunda-feira, 7 de maio de 2018

POESIA - DISTRAÍDOS DO MAL - THIAGO LUCARINI

Ouse a acreditar:
Há mortos que vagam
Sob as estrelas da noite
Na tentativa de amenizar
Seu rigor e ciana escuridão.
Perambulam distraídos do seu mal
Dos buracos que abrem no caminho
Das feridas que deixam abertas
Ao serem horrivelmente belos.
Creem que a das estrelas
Pertence-lhes e, portanto, são menos fétidos
E mais brilhantes do que aqueles que conquistaram
Luminescência, vida própria na suspensão do breu.
A queda é cova da qual não se levantarão jamais.

sábado, 5 de maio de 2018

CRÔNICA - CADEIA ALIMENTAR - THIAGO LUCARINI

Estava eu com vontade de comer peixe. Cansado dos mercados e seus frescos ou enlatados prontos para consumo, fui a uma venda de peixes vivos. No tanque, escolhi do cativeiro aquele que mais me agradou, o vendedor, um rapazote, o pegou com uma rede e rapidamente lhe deu um golpe com uma ferramenta de claro uso em abate, da qual, desconheço o nome. Naquele instante, pensei que meu jantar tinha ido por água abaixo, pois um grande remorso me invadiu. De forma planejada, contribuí com a morte de um ser. Silenciosos, peguei meu pacote e fui embora. O peixe nos seus últimos suspiros pulava na sacola, movimentos involuntários de resistência, porém não existia firme linha para se segurar, se livrar da panela. Meu coração igualmente pulava, eu sabia da necessidade, um só haveria de viver.

 Em casa, me apressei a arrumá-lo, escamar, estripar e todo o restante do processo. Eu sentia-me um pleno maníaco assassino com a mão num corpo de água tão frio. A vida rápida e pronta do cotidiano dos açougues e ilhas de congelados nos tiraram o horror da morte de outros seres com intuito de sobrevivência própria. O peixe com seus espasmos involuntários insistia em algo que não tinha mais volta, já estava morto, e contraditoriamente, o corpo recusava-se de algum jeito a deixar a alma ir totalmente. Sem eu perceber, levei meu dedo à boca espasmódica do falecido que muito do vingativo me mordeu. Quase xinguei, contudo, não o fiz, pois sentia-me merecedor de tal punição do morto.

Em meio a dor e frustração, percebi o quanto sou grato pelo tempo em que vivo. Deus me livre ser preciso eu matar uma vaca, um porco, uma galinha, outro peixe.  Estou seguro, uma vez que não preciso sair à caça todos os dias, ter que matar consciente e regularmente. Gosto da morte que não suja as minhas mãos, da ilusão dos pedaços fatiados e pendurados em ganchos, que não confessam qualquer traço de vida escondida ou preexistente. Já abatidos é mais fácil ignorar sua história, sua dor, e isso, egoistamente, me basta, posto que asseguram a minha sensação de inocência. Matar para comer é necessidade, mas ter essa experiência, assim, nascida de um simples desejo para o jantar é amedrontador, é confirmar o que sabemos desde sempre: a vida sustenta-se sobre os ossos dos mortos. É questão de tempo até eu ser o abatido, ser comida da natureza. Parte do ciclo em contínuo processo.

De volta ao conforto e comodidade, meus incapacitantes naturais, olhei o peixe pronto na panela. Estava com uma cara maravilhosa. Se o comi? Claro! Custou caro. Em mim não restava qualquer lembrança do prévio remorso. Não há moralidade na fome. Acabou que o peixe rendeu não só um prato delicioso como uma crônica de brinde.

sexta-feira, 4 de maio de 2018

POESIA - NATUREZA DIÁFANA - THIAGO LUCARINI

Sonhos naufragam.
É da sua natureza diáfana
Não rumar a lugar algum.
A ilusão gira em torno
Da loteria de um acerto
Que acaba por ser estaca,
Âncora, mágica realização
Após incontáveis noites
De infinitos erros tentados.

quarta-feira, 2 de maio de 2018

POESIA - FULCRAL - THIAGO LUCARINI

Morada imbuída
Com desejo de fuga
Não é lar é apenas teto.
Meu canteiro de flores
Além da janela aberta
Arde em chamas rubras,
As pétalas não queimam
São de pura resistência.
O horizonte é caco e corte
Fugir do fulcral é intolerável
Porém a fumaça de ilusões
Será agradavelmente perfumada.