quarta-feira, 16 de julho de 2014

CRÔNICA: O QUE OS OLHOS NÃO VEEM - HEBANE LUCÁCIUS



(Crônica Em Feitio De Carta)

    
            Há muito, me tens pedido que te transmita minhas sinceras impressões acerca da consagrada frase “O que os olhos não veem, o coração não sente.”.
            Pois bem. Assim o farei. Todavia, solicito-te que não procures compreender minha opinião como o fruto de um conceito geral. Afinal, há muitos cegos de nascença que, talvez, por não serem artistas, não pensam como eu.
            Penso, primeiramente, que, na referida frase, o termo “coração” atua como uma representação, não sei se metafórica ou metonímica, do termo “alma. Podendo-se, portanto, reescrever o período dizendo: “O que os olhos não veem, a alma não sente.”
            Admitindo-se tal possibilidade, não hesito em afirmar-te a incorreção da frase e assim procedo pela seguinte razão:
Entendo que cada sentido físico se apresenta como um correspondente imperfeito e incompleto de um sentido maior de raiz anímica.
Deste modo, levando-se em consideração o caráter íntimo do vínculo existente entre as instâncias física e anímica do ser, tem-se, por exemplo, a visão do corpo como uma representação imperfeita e incompleta de uma visão maior originária da alma.
            Sendo assim, torna-se compreensível que, se um sentido falta ao corpo, o sentido anímico a que ele corresponde se desenvolva com maior intensidade, buscando preencher-lhe a ausência.
            Plausível aos que creem na existência da alma e inconcebível para os que a consideram um elemento fixional, este raciocínio conduz à ideia de que aquilo que os olhos não são capazes de ver é, justamente, o que o coração pode sentir de maneira mais completa, mais perfeita e mais intensa, o que vem comprovar a insustentabilidade dos argumentos que servem de base ao dito popular em análise, uma vez que, o que o corpo experimenta nada mais é do que somente uma pequena amostra das sensações que, de modo bastante amplificado, atingem a alma.
            O corpo é, simplesmente, um instrumento da alma. Capta-lhe as vibrações, mas é ela quem o rege.
            A alma sobrevive à a cessação das atividades do corpo e, ao sobreviver, não deixa de sentir.
            A alma é a sede de todos os sentimentos e, por conseguinte, de todos os sentidos e de todas as sensações, seus desdobramentos.
            Espero que tenhas compreendido minhas considerações e que, caso não tenhas concordado com elas, pelo menos, não as leve a mal.
            Envio-te, anexo a estas linhas, um fraterno abraço.

Observação do Blogger: Hebane Lucácius, escritor inhumense, mestrado pela Universidade Federal de Goiás, autor do livro Afrofilia (2012) publicado pela Editora Multifoco. Um grande escritor, que encanta com suas palavras, apesar de toda adversidade (deficiente visual de nascença). Está crônica surgiu a partir de um questionamento pessoal sobre o que os 'cegos' pensam a respeito do ditado popular "O que os olhos não veem, o coração não sente".

Nenhum comentário:

Postar um comentário