(Crônica Em Feitio De Carta)
Há
muito, me tens pedido que te transmita minhas sinceras impressões acerca da
consagrada frase “O que os olhos não veem, o coração não sente.”.
Pois
bem. Assim o farei. Todavia, solicito-te que não procures compreender minha
opinião como o fruto de um conceito geral. Afinal, há muitos cegos de nascença
que, talvez, por não serem artistas, não pensam como eu.
Penso,
primeiramente, que, na referida frase, o termo “coração” atua como uma
representação, não sei se metafórica ou metonímica, do termo “alma. Podendo-se,
portanto, reescrever o período dizendo: “O que os olhos não veem, a alma não
sente.”
Admitindo-se
tal possibilidade, não hesito em afirmar-te a incorreção da frase e assim
procedo pela seguinte razão:
Entendo que
cada sentido físico se apresenta como um correspondente imperfeito e incompleto
de um sentido maior de raiz anímica.
Deste modo,
levando-se em consideração o caráter íntimo do vínculo existente entre as
instâncias física e anímica do ser, tem-se, por exemplo, a visão do corpo como
uma representação imperfeita e incompleta de uma visão maior originária da
alma.
Sendo
assim, torna-se compreensível que, se um sentido falta ao corpo, o sentido
anímico a que ele corresponde se desenvolva com maior intensidade, buscando
preencher-lhe a ausência.
Plausível
aos que creem na existência da alma e inconcebível para os que a consideram um
elemento fixional, este raciocínio conduz à ideia de que aquilo que os olhos
não são capazes de ver é, justamente, o que o coração pode sentir de maneira
mais completa, mais perfeita e mais intensa, o que vem comprovar a
insustentabilidade dos argumentos que servem de base ao dito popular em
análise, uma vez que, o que o corpo experimenta nada mais é do que somente uma
pequena amostra das sensações que, de modo bastante amplificado, atingem a
alma.
O
corpo é, simplesmente, um instrumento da alma. Capta-lhe as vibrações, mas é
ela quem o rege.
A
alma sobrevive à a cessação das atividades do corpo e, ao sobreviver, não deixa
de sentir.
A
alma é a sede de todos os sentimentos e, por conseguinte, de todos os sentidos
e de todas as sensações, seus desdobramentos.
Espero
que tenhas compreendido minhas considerações e que, caso não tenhas concordado
com elas, pelo menos, não as leve a mal.
Envio-te,
anexo a estas linhas, um fraterno abraço.Observação do Blogger: Hebane Lucácius, escritor inhumense, mestrado pela Universidade Federal de Goiás, autor do livro Afrofilia (2012) publicado pela Editora Multifoco. Um grande escritor, que encanta com suas palavras, apesar de toda adversidade (deficiente visual de nascença). Está crônica surgiu a partir de um questionamento pessoal sobre o que os 'cegos' pensam a respeito do ditado popular "O que os olhos não veem, o coração não sente".
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