segunda-feira, 30 de novembro de 2015

POESIA - TOMBO - THIAGO LUCARINI


"Tombo" em japonês é libélula
"Tombo" em português é cair.
Sendo assim, eu escolho
Tombo que ruma ao alto.

POESIA - DESORIGINAL - THIAGO LUCARINI

FOTO: Thiago Lucarini


Original: só meus dedos
Mesmo assim, são iguais
A tantos outros pares.
Sem novos ares, 
Minhas palavras
São reciclagem.

POESIA - POESIA - POEIRA - THIAGO LUCARINI

FOTO: Thiago Lucarini

nunca sei ao certo
se sou um menino de dúvidas
ou um homem de fé

certezas o vento leva
só dúvidas continuam de pé
Paulo Leminski

Poesia é a poeira do cosmo.
Criacionista primeva, o esperma
Derramado na cama de hélio das estrelas.
Poeira esta que é captada pelos olhos
E outros órgãos-sentidos e guardada na alma.
A alma condensa a poeira,
Em fusão e faz frágil vidro. 
Adicionando mais pressão,
Carbono e tempo de ciência
O vidro se faz diamante.
Algo totalmente sem sentido
Eu sei! Assim é a poesia
Do impossível e infinito
Uma religião de fé fundamentada
Nas dúvidas e incertezas do eu.
E este diamante vai parar
No papel virginal-templo e quebrar-se
Nos olhos do crédulo leitor,
Uma joia voltando a ser poeira
Voltando a ser parte, arte
Indissociável e cíclica deste universo
Para ser recapturada por outra alma
Estabelecendo dogmaticamente
O culto de refazer-se sob a face

De diferentes verdades pessoais.

POESIA - A MULHER DE PASÁRGADA - THIAGO LUCARINI


quando confusas
mesmo as exatas
medusas
se transmutam
em musas
Paulo Leminski

Seguiu a fila do ônibus
Uma mulher de cabelos louros.
Reparei num acontecimento inusitado
A cada estação de parada
A cor do cabelo da mulher mudava.
Ora preto, ora ruivo
Ora castanho, ora azul
Ora louro de novo.
Encantei-me com tal enigma
Aproximei-me e perguntei:
“De onde vens e para onde vais?
Ela sorriu cordialmente e respondeu:
“Venho de Pasárgada e para lá me vou.
A mulher tinha uma voz de doce encanto.
Não pensei em mais nada
Seu cabelo transmutava.
Ela era uma medusa moderna
Que não transformava nada em pedra.
Larguei tudo e fui-me embora
Junto com ela para Pasárgada

Envolver-me naquele mistério poético. 

POESIA - FOGO-FÁTUO - THIAGO LUCARINI

FOTO: Thiago Lucarini

Fogo-fátuo
De fato é fago
De gases e ais
Vindos da
Sepultura
Incendiária.
É fato que o fogo
É fardo da
Combustão
Espontânea
Sem comparação
Com qualquer outra
Queima aleatória
Sui generis.
O fogo não é fátuo
Pois sabe exatamente
O que deve consumir.
Todavia, fogo-fátuo
Não é nem de perto
Um fátuo fogo
Desde que,
Permaneça
Gravado na retina
O momento
Em que este,
Incendeia-se
Feito um breve
Espirro das estrelas

Congêneres.

POESIA - OVO - THIAGO LUCARINI


apenas o mesmo
ovo de sempre
choca o mesmo novo.
Paulo Leminski

Enigma barreira
Casca-crosta
Gema-ilha flutuante
Clara-águas sem sal
Quando chocadas
A ilha brilha como o sol
E ascende rompendo o mistério

Na forma de pinto amarelo.

POESIA - HÍFEN + MAR - THIAGO LUCARINI

Beira-mar
Alto-mar
Aquém-mar
Um elogio
Equóreo de sal.
Eu também
Quero ser e ter
Um hífen + mar
No nome na pele
Para fazer-me
Águas de
Profundidade
        e

Imensidão.

POESIA - ANA MARIA DOS PIOLHOS - THIAGO LUCARINI

Ana Maria tinha fixação por piolhos
Antes de tê-los ansiava achar um para criar.
Quando foi para a escola finalmente
Atingiu seu objetivo tão sonhado
Ganhou uma lêndea de uma solidária amiga.
Ana cultivou e cuidou da lêndea
Até ela romper num belo piolho.
A criação da menina multiplicou
Como fogo em líquido inflamável.
Ela adorava aquele coça, coça e coça
Em sua cabeça, vivia com as mãos nos cabelos.
Com o tempo e com tantos piolhos e lêndeas
O cabelo negro de Ana Maria tornou-se branco
E ela amarela de anemia, porém a menina
Não aceitava perder sequer um único piolho.
Dava para ver as filas indianas dos insetos
Andando pela cabeça dela, era piolho sobre piolho
As lêndeas formavam elos em corrente nos fios
Ou agregavam-se às placas de caspa dura.
Ana Maria tinha mais de 3 kg de piolhos
Um recorde de criatório humano, apesar
De toda nojeira Ana Maria estava feliz
Com seu coça, coça e coça sem fim.
Os piolhos, por sua vez, logicamente
Amavam devotamente Ana Maria.

Afinal, foram feitos um para o outro.

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

POESIA - QUEM DERA PODER EU VESTIR-ME DE METAMORFOSE - THIAGO LUCARINI


A Pepita de Oliveira

If this is my last night with you
Hold me like I’m more than just a friend
Give me a memory I can use
Take me by the hand
While we do what livers do
It matters how this ends
Cause what if I never love again?
Adele – All I Ask

A noite tombou do céu
Depois de alguns goles de alvor
Indo despencar no Oriente alegre.
Enquanto isso, eu fiquei aqui
Deste lado do mundo claro
Remoendo o que a noite não levou.
Lembro-me perfeitamente do seu toque
Do seu gosto, do seu cheiro
De tudo aquilo que compõe você.
Tudo poderia lindo, se não fosse o oposto.
Daqui da minha janela
O vi pela última vez
Sair rua afora sem medo.
A memória que deixaste
Para ser usada é um bêbado adeus
Uma piada sem graça quebrada aos meus pés.
Eu te pedi em nome deste amor:
“Fique! Fique pelo nosso bem
Não enterre os restos mortais de nós.
Você não ouviu. Creio que jamais ouviu.
Aquela fora nossa última noite.
Você se foi para os braços de outra.
Resta-me de alguma forma beber
Minhas lágrimas amargas em suplício
E após isso, poder quem sabe
Um dia me reerguer do amor escorrido
Numa taça de vinho sobre a toalha branca
Agora manchada de irrevogável separação

E vestir-me dignamente de metamorfose.

POESIA - CURVATURA DO TEMPO - THIAGO LUCARINI

Ela andava com as costas curvadas
Não era maldição ou espírito morto
Tratava-se apenas do peso do tempo
Vergando, arqueando sua espinha dorsal
E que trazia em sua sábia gravidade
A sabedoria, o discernimento e a paciência.
A curvatura do tempo era diretamente
Proporcional ao seu ganho de saber.
Havia logicamente um desconforto
De se andar com a cara quase no chão
Mas as vantagens da curvatura
Superavam tudo, e de certa forma
Aquilo tinha sua beleza, só era
Preciso ignorar a estética e a dor.
Saindo totalmente da via de regra
Ela forte preferiu carregar a gnose
Nos ombros dobrados a somente
Sopesá-la nas frágeis e delicadas mãos.
No mundo não houve mulher mais sábia.
.

POESIA - DEPRESSA! UMA FOTO COM O MORTO - THIAGO LUCARINI

Acho incompreensível a força
Sedutora e hipnótica
Do sangue e da tragédia reais.
O que leva uma pessoa a parar
Sua vida, sua rotina para tirar
Fotos de acidentes com vítimas fatais
Assassinatos, suicídios, entre outros.
Quanto pior, melhor, isso é tão baixo.
A tragédia alheia para alguns carniceiros
Parece ser um reforço de sua supremacia
De felicidade inabalável e intocável.
É preciso racionalizar, achar empatia.
Se não vai ajudar não tire fotos
Creio que isso é o mínimo da decência.
E vale lembrar que amanhã pode ser:
Seus pais, seu irmão, seu amor, você
A estar numa selfie fatal viralizada.
Prefiro optar pelo horror e terror
Da fantasia literária e cinematográfica.
Ficarei bem sem fotos de cadáveres

No meu celular e na minha vida.

POESIA - O DESACORDO PESSOAL DO ESCRITOR (UM SER EM CONFLITO CRIATIVO - THIAGO LUCARINI

Pensamento inicial:
“Escrever duas linhas que representem meu posicionamento.
Resultado final:
“Meia página com acusação, defesa, réplica e tréplica.

Pensamento inicial:
“Escrever um soneto (14 versos são fáceis).
Resultado final:
“Uma prosa poética de 3 páginas.

Pensamento inicial:
“Escrever um conto de 4 páginas.
Resultado final:
“Um conto de 12 páginas.

Pensamento inicial:
“Escrever um livro de 90 a 100 páginas.
Resultado final:
“Um livro de 230 páginas.

Pensamento inicial:
“Não escrever nada.
Resultado final:                          
“Escreveu tudo e mais um pouco.

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

POESIA - SÍNDROME DO HERÓI - THIAGO LUCARINI

Esperar que a vida lhe trate bem porque você é uma boa pessoa, é como esperar que um tigre não te ataque porque você é vegetariano.
Bruce Lee

Temos a Síndrome do Herói,
Pois esperamos ser ou acreditamos ser
O escolhido de um propósito maior.
Esperamos ser a diferença mundana
Neste confinamento animalesco.
Aguardamos a vida ser boa, privilégios
Por portar-nos bem em nossas condutas.
Todavia a vida ilusória só sorri
Para aqueles que são eficientes em vivê-la.
Infelizmente bondade não é um requisito
Decisório para se conquistar algo.
Quando alguns percebem isso
Estes derrubam seu pedestal de retidão
E assumem um novo caminho: matam o herói.
Deixam de ser presa para ser tigre faminto.

POESIA - QUANDO A MANHÃ CHEGA - THIAGO LUCARINI

A alva rasgou o horizonte
Limitando o ciclo solar e noturno.
Quando a manhã chega
Uma parte do mundo dorme
E outra desperta de suas letargias da noite.
Mundo, deus de duas faces: sol e lua.
No alvor os sonhos vão dormir
Pessoas vão trabalhar sonolentas
E o poeta continua acordado
Uma vez que ele não dorme, afinal
É dele o santo ofício contínuo
De traduzir o mundo com os olhos
Em palavras jamais ditas.
Quando a manhã chega
Num axioma com cunho de prova cabal
Mesmo quando refutado o dever
De se apresentar evidência.
Este é o sinal de que a singular vida
É a mesma apesar dos pesares
E que continuará a cada alvorecer
Independentemente de quem dorme
Ou de quem permanece acordado

Pois a manhã sempre chega.

POESIA - AXIOMA - THIAGO LUCARINI

FOTO: Thiago Lucarini

Nada disso é fenômeno,
variações ou contextos ocos
de um mundo poético
que desafio.
Sônia Elizabeth

Ele fora tido como oco
Incapaz de segurar sua essência.
Louco semeou suas lágrimas
Nos campos de uma vida
Sem qualquer premissa ou arauto.
Ele era quieto e tímido
Pouco falava de sua arte
Que arrebatava a quem olhasse.
Ele vagou pelo mundo
Acareando sentimentos
De todas as formas e fôrmas.
Não cedeu a qualquer instinto
Venceu seus desafios e fez
Sua derradeira obra-prima
De um coração natimorto, 
Quem a contemplasse
Imediatamente sucumbia
Arrancava os olhos
Pois se negava a ver qualquer
Outra coisa. O mundo
A partir de então somente
Poderia mostrar horrores.
Ele venceu; sua obra imortal
Tornou-se máxima verdade
Um axioma para os tempos

Muito maior que o humano original.

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

POESIA - LOBO MAU HÁLITO DE ATÔMICO - THIAGO LUCARINI

O Lobo Mau nasceu bom.
Desde sempre fora magro e franzino
O elo mais fraco de sua matilha
Ele era uma vergonha axiomática, pois
Sequer conseguia uivar para lua.
Seus vizinhos, os três porquinhos
Faziam dele a chacota da floresta.
O lobinho cresceu, mas não ficou
Muito mais forte e valente, para piorar
Desenvolveu asma crônica, fato este
Que acentuou o bullying sobre si.
Como se não bastasse o estado
Debilitado de saúde do lobo incapaz
Os nefastos porquinhos gabavam-se
Demasiadamente da sorte que tinham.
Eram cruéis. Implicavam com o pobre lobo
Por ele não conseguir uivar devido os pulmões fracos
E por ter sido abandonado ao relento da relva fria
Pelo seu bando. Enquanto eles em sua vara
Viviam em luxuosas casas sendo
Uma de palha, uma de madeira
E a outra de maciços tijolos.
O lobo cansado de tantas humilhações grunhidas
Foi até a cabana de uma bruxa longínqua
Pediu um feitiço para que pudesse
Obter o pior sopro de todos.
A bruxa compadecida da agonia do animal maltratado
Cedeu ao lobo um objeto chamado bomba atômica
Vindo de um reino distante e tirano.
Ela disse: “Como este presente que lhe dou
Tornarás-te o lobo mais poderoso deste mundo
Ninguém será capaz de deter teu hálito de morte.
Sem pensar duas vezes o lobo engoliu a bomba.
Imediatamente o objeto encantado
Deu-lhe vigor e força, pela primeira vez
Sentiu-se poderoso, estufou o peito
E uivou como nunca rasgando a noite em duas
Fazendo todos os bichos tremerem.
Nasceu naquele instante um novo lobo
Empertigado de valentia o novo ser
Foi atrás dos seus antigos opressores.
Ele bateu na primeira casa, a de palha.
Toc, toc. Nada. Bateu de novo e disse:
“Saia, saia ou vou soprar e soprar até tudo voar.
O porquinho não se atreveu a abrir a porta
Pois havia saído pelos fundos indo se esconder
Na casa do irmão ao lado.
O lobo impaciente com a espera inflou
Os pulmões poderosos. Ele soprou e soprou
Sentindo a bomba se agitar em seu estômago
Como borboletas maldi... benditas.
Seu hálito tornado, atômico varreu
A tímida casa de palha sem resistência.
E assim passou pela casa de madeira
Até chegar a sólida casa de alvenaria. 
Toc, toc. Nada. Bateu de novo e disse:
“Saiam, saiam ou vou soprar e soprar até tudo voar.
Os porcos tremiam de pavor dentro da falsa fortaleza
Sem saída acabaram fugindo
Pela porta de trás rumo à floresta.
O lobo então soprou seu hálito atômico reduzindo
A casa de tijolos e metade da floresta a nada.
O lobo apagou todo o orgulho dos porquinhos marrentos
Nunca mais se teve notícias dos três por aquelas bandas.
O lobo franzino e patético ganhou a partir deste ato
A temida e reluzente alcunha de:
“O Lobo Mau de Hálito Atômico.” 
Ninguém jamais ousou a zombar dele de novo.
E hoje, quando se escuta o uivo do Lobo Mau

Na noite fendida. Todos tremem de absoluto pavor.

POESIA - APÓSTOLO - THIAGO LUCARINI

Ele seguiu os mandamentos
Daquela cultura tão distinta
Envolveu-se tanto com aquele povo
Que passou a professar seus ensinamentos.
Tornou-se um nobre apóstolo
Daquela verdade atômica
Que uma vez soprada
Reduzia tudo a cinzas.
O apóstolo pregou aquilo que aprendeu
Agregando rebanho, multiplicando
Os fiéis do credo vicioso
Tão bizarro e estranho, e ainda assim belo.
O apóstolo juntou milhares de pessoas
E as reduziu a poeira com seu soprar
Axiomático irrevogável e os levou ao Céu

Aonde encontraram derradeira felicidade.

terça-feira, 24 de novembro de 2015

POESIA - KAJIU - THIAGO LUCARINI

Tenho um emaranhado dentro de mim
Crescendo, expandindo, envolvendo-me.
Encaro estes fios que se desenrolam
Como as víboras da cabeça da Górgona
E que se configuram num monstro
Expressivo, dominador, opressor
Uma criatura sobrenatural composta
Por aberrações e perfume mitológico
Que me transforma em pedra vulgar.
Meus demônios são grandiosos
Vezes maiores do que o singelo humano
Chamado: Eu. Por vezes, acredito que eles
Sejam intransponíveis, pois se agarram a beira
Da minha alma suja de lama, fortes e altos
Fazem sombra no meu sol interno
Viro estátua coberta de musgo e pesares.
Na maior parte do tempo parece tudo perdido
Mas então, me livro do pensamento rebanho
Imposto por eles, e oro em busca de salvação
Quebro a crisálida pétrea e sufocadora.
Neste instante, desce fogo do céu vindo da espada
De São Miguel Arcanjo. Fogo este que corta
Queima e derruba todos os meus opressores.

Somente a fé é maior que qualquer monstro.