sexta-feira, 26 de junho de 2020

POESIA - IDENTIDADE ROUBADA - THIAGO LUCARINI

(Pintura: Tomasz Alen Kopera)

e disseram-lhe:
"aí de ti, pois jamais serás flor.
tuas pétalas são falsas, teu perfume
é delírio, teu fruto pura imaginação,
não há dor em ti só contravenção."
tentaram determinar seu sentir,
plastificar sua identidade
sem saberem que a flor
era sua impressão de alma,
a (trans)formar a dor em si
em amor e compaixão.

segunda-feira, 22 de junho de 2020

POESIA - CADÁVER - THIAGO LUCARINI

(Pintura: Brad Gray)

como um coveiro avesso,
às vezes, eu brinco de te desenterrar
apenas para saber qual seu estado
dentro de mim, depois de tanto tempo passado.
encaro o cadáver sem vida, frio,
e percebo que não é muito diferente
de quando andava ao meu lado.

sexta-feira, 19 de junho de 2020

POESIA - FRÁGIL FANTASMA - THIAGO LUCARINI

(Pintura: Tomasz Alen Kopera)

é estranho e esperado
como vou te amando mais
a cada final de tarde.
todo minuto é soma
da minha vida de subtração.
talvez a noite me obrigue
a te amar, pois só assim
não vejo o quanto sou frágil longe de ti
e prefiro criar um fantasma
para não ter que encarar
nesses poucos metros quadrados
a metade que falta.

quinta-feira, 18 de junho de 2020

POESIA - POSTES DE LUZ - THIAGO LUCARINI


O poste vivia solitário.
Acreditava existir
Espaço demais
Entre ele
E seus vizinhos.
O poste nunca
Era visitado
E nunca visitava.
Não recebia ou dava
Bom dia ou boa noite.
Seus semelhantes
Eretos e altivos
São duros e frios.
Mal se ligavam por fios.
Podia fazer chuva,
Sol, nenhum dos dois,
Ficar doente, estar sadio.
Nenhuma boa política
Amenizava aquela
Distância imposta.
Apesar de os postes
Serem de Luz
Tinham condutas
Escuras e avessas.
Mesmo nas noites
Quando um poste
Ficava sem luz
Outro jamais
Visitava aquele apagado.
E não existe maior
Tristeza a um poste
Que não ter luz.
Nada os compadecia,
Nada. Aos postes
Solitários, não resta
Muita saída
Têm que se contentar
Com algum humano
Usá-los de encosto,
Um pássaro
Fazê-los de poleiro
Ou esperarem
O carinho quente
Do xixi de um cachorro
Ou mais asperamente
Um carro mandá-los aos céus
Livres dos seus.
Dos outros
Estes são os afetos mais gentis
Que podem os postes ansiar,
Pois com seus iguais
Continuam a ter
Milimetricamente
O disposto espaçamento,
Afinal, fincados em sua convicção
Nada podem fazer.

POESIA - CICATRIZ DA MODERNIDADE - THIAGO LUCARINI


(Pintura: Brady Gray)

A cidade se derrama pelas beiradas
Saindo de sua orla e limites
Levando em sua onda de barracos
E asfalto, a cicatriz da modernidade.
A cidade avança sobre o natural
Com um mar de concreto asfixiante.
O monstro feito de aço se ergue
Vazio de alma, expelindo fome e fumaça.
A cidade virulenta se derrama sobre tudo,
Comendo pelas margens, a vida.
Embalando em suas sombras
Homens e vermes
Um sem distinção do outro.

segunda-feira, 15 de junho de 2020

POESIA - FELIZ ANIVERSÁRIO - THIAGO LUCARINI


(Pintura: Tomasz Alen Kopera)

Feliz aniversário, amor.
Faz um ano que não te vejo,
A última chama de vela soprada
Apagou muito mais que a luz
Da lembrança de uma data guardada.

POESIA - QUERER DOS CÉUS - THIAGO LUCARINI

(Pintura: Tomasz Alen Kopera)

O tempo cruel dos homens
Prevê que existem muitas razões
Para eu evaporar-me e desaparecer.
Quando sem precisão
Em inúmeras vezes
Acredito nessa previsão.
Porém depois de desfeito

Acabo voltando como chuva,
Pois acho no querer dos céus 
Outras tantas razões
Para eu ser oceano.

Este é o meu tempo.

quinta-feira, 11 de junho de 2020

POESIA - PALHAÇO ABATIDO - THIAGO LUCARINI

(Pintura: Brad Gray)

como um palhaço de repertório batido
meu corpo ainda conta histórias
de um ato acabado, amor findo.
minhas mãos traiçoeiras tremem
quando escuto aquela música,
acordo de sobressalto quando na noite
faróis param em frente ao portão,
o cérebro organiza os dias
sem a necessária subtração: 2-1,
o coração insiste em doer
como se sofresse por dor nova,
e no silêncio da vida, da cama vazia,
os olhos tentam limpar a casa, a vida
para que eu possa ensaiar o corpo
a sentir algo diferente de solidão.

sábado, 6 de junho de 2020

POESIA - JOÃO E MARIA - THIAGO LUCARINI


(Pintura: Tomasz Alen Kopera)

Deixei palavras pelo caminho
Uma trilha para você chegar até mim
Mas a espera devorou
Minhas pistas espalhadas.
Sou criança burra em busca
Da casa de doces, felicidade.
Na inocência de um dia amar
Como aqueles que têm fé.

POESIA - CHOVE DE NOVO? - THIAGO LUCARINI


(Pintura: Tomasz Alen Kopera) 

Olhei para o céu
E não havia sinal
De que choveria de novo.
Talvez fosse estiagem,
Talvez fosse felicidade,
Talvez.

POESIA - PEDACINHO DE LAR - THIAGO LUCARINI


(Pintura: Tomasz Alen Kopera)

Nunca houve um lugar
Para onde eu ir,
Nenhuma bússola,
Sol ou lua para guiar,
Abraço para fixar.
À deriva, vago sem achar
Terra céu ou mar,
Qualquer pedaço
De calmaria
Para chamar de lar.

quarta-feira, 3 de junho de 2020

POESIA - ATLAS - THIAGO LUCARINI


Feito Atlas
O peso da ruptura
Do velho pilar social
Está sobre nossas costas.
Vagar pelos dias
Tem sido tarefa sofrida,
Mãos sangram,
Joelhos doem,
Os olhos não creem,
Muitos lutam outros morrem
Na conquista de derrubar estruturas
Que tornem o mundo adiante mais leve.

POESIA - AMOR - THIAGO LUCARINI


Quem busca amor,
Busca aceitação em si,
Nova condição de ser no ser.
O amor é grandiosidade,
Pois é pá que desenterra
Preciosidades das almas.
É a chave do Céu
Espalhada na Terra.
Só o amor pelo amor
Justifica a vida.

POESIA - RUPTURA DE DIAS RUINS - THIAGO LUCARINI


(Pintura: Brad Gray)

Existem sóis terrenos
Que nos faz esquecer a chuva
Na ruptura de tempos ruins.
São como um protetor guarda-chuva
Que nos permite ter sorrisos secos
Em meio a aguaceiros próprios.
São sóis que fazem dois
E nos livra da eternidade
Embaixo de constante umidade.

segunda-feira, 1 de junho de 2020

POESIA - FELICIDADE PASSADA - THIAGO LUCARINI


(Pintura: Sisil Dave) 

Nós não devemos nada
A quem um dia nos fez feliz,
Uma vez que felicidade é uma ação conjunta.
Fazer alguém feliz não deve ser um ato
Que gera dívida para depois.
Logicamente, é preciso respeito
Por quem um dia desenhou estrelas no nosso sorriso,
Mas felicidade passada não pode ser fardo,
Principalmente, quando os caminhos se dissociam.

POESIA - AFOGADOS - THIAGO LUCARINI


(Pintura: Brad Gray)

Esqueça o que eu disse,
Pois era noite no céu da minha boca,
Noite de temporal quando a língua
Revolta-se feito mar e acaba por machucar
Com ondas de palavras sem qualquer ar
Vindas do fundo, de um mundo escuro,
Por favor, esqueça o que eu disse
Se eu não te afoguei.

POESIA - ASCENSÃO - THIAGO LUCARINI


A escada encostada na parede
Não leva ao Céu, a jornada é muito mais árdua,
Por mais que por ela se alcance
Certa altura, jamais será suficiente,
Uma vez que o Paraíso não permite
O uso de apoio, encosto, escada
Para aqueles que desejam entrar.

POESIA - A ENGENHARIA DOS DIAS - THIAGO LUCARINI

(Pintura: Brad Gray)

O concreto é sempre mais duro
Quando feito para enterrar.
É o medo daquilo que está lá embaixo
Voltar à superfície e quebrar velhas correntes
Que enrijece a massa despejada.
O concreto para manter de pé
É sempre mais fraco, pois é preciso
Deixar a possibilidade de derrubada em aberto.
Enterrar é sempre perpétua prisão
Erguer jamais será permanente condição