sexta-feira, 30 de outubro de 2015

POESIA - COMPOSTAGEM - THIAGO LUCARINI

O que não parece vivo, aduba.
O que parece estático, espera.
Adélia Prado

Vou catando os destroços
Os pedaços esfarelados
Os cacos quebrados
Aquilo que caiu de mim
Feito uma árvore se desfolhando
Para ser nua no límpido outono.

Vou catando os despojos
Os restos de guerra interna
Os dentes pousados no chão
O líquido jorrado do coração.

Vou catando sem ser estático
Sem deixar nada para adubar
O rastro deixado. Tudo o que caiu
De mim é meu! Serve apenas
Para compostagem própria.


POESIA - CATEDRAL - THIAGO LUCARINI

O carvão correu o papel
Riscando palavras gentis,
Porém cortantes; o carvão
Escreve e tatua o papel
Útero branco, ying yang
Equilíbrio criacionista

Da estética catedral. 

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

SONETO - POETA APÓCRIFO - THIAGO LUCARINI

FOTO: Thiago Lucarini

Apóstolo da poesia com autenticidade
Chegou a uma terra distante para pregar.
Pregar pode ser um ato agressivo sem amar
Mas o poeta tinha amor além da adversidade.

No início fora taxado de antinatural
Sem vínculo ou prova cabal de poética
Inquestionável, indubitável, ele usou a dialética
Para convencer a todos que era um alguém original.

O certame durou longos dias e o poeta abatido
Não tinha mais forças, sua voz valia menos que um latido.
Ninguém nele cria. Provar-se não é algo fácil ou gentil.

O poeta apócrifo então vencido parou de argumentar
Começou a escrever e a sua humilde poesia alimentar.
Pouco depois pousou nos seus ombros um elefante amarelo.

POESIA - IMPROFERÍVEL - THIAGO LUCARINI

FOTO: Thiago Lucarini

Minhas palavras secaram
Minha boca murchou
Virou um rio de pedras
Saliva não há, é asco em pó.
Nada mais é proferível
Nesta boca marcescível
Indiscreta com dentes
Arrancados, lavrados
Desta terra do mal, maldita
De maldizer mesmo.
É feito as trevas das palavras
O tempo da mudez chega
Com o santo ofício do silêncio.
Sepulto o dizer em papel
Para nascer à sabedoria no ser.


POESIA - PRATA LÍQUIDA - THIAGO LUCARINI

FOTO: Thiago Lucarini

Eu já não sabia se a chuva constante
Vinha das altas nuvens ou de mim.
Não havia mais qualquer diferença
Eu chovia, chovia e chovia
Gotas de prata líquida
Desfazendo a alma
Em pura água sem ofício
Água que não mata sede
Nem abastece rios ou mares.
Essa chuva é de mim para mim,
Alaga apenas este corpo seco,
Molha os pulmões cinzentos
E quase afoga o coração.
Sou uma chuva persistente
Sem previsão de passar.
Estes olhos são a parada derradeira
Destas águas melancólicas e internas.
Só me resta chover, na esperança

De algum dia ser tempo de sol. 

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

POESIA - CORAÇÃO ARTIFICIAL - THIAGO LUCARINI

Medicado com ópio e lítio
Pílulas de felicidade fabricada,
O poeta segura, empunha
A espada e o bálsamo
Recebendo a alcunha
Distinta e instintiva
(de outrem)
De nobre vagabundo.
Emblema, este, inexato
Mancha no imaculado.
Afinal, o poeta gira
O maquinário industrial
Sem um coração artificial
Mas sentimental,
Moendo homens
Carne rasa de gado
E deuses castigados em santidade.
Utopia concreta, eufórica
Sem freio é diabólica
Repleta de pecados bêbados de fel.
Coroada com espinhos
Fica de joelhos e é crucificada
Assim, ganha um corpo
Substancial e santo.
Última pena de escrever, de dor
Pena Capital para as artérias
Do coração poético e utópico
Para se ter um epitáfio

E enfim, elevar-se ao céu.

* Poesia que recebeu DESTAQUE ESPECIAL no certame de poesia da Editora Literata.

POESIA - SAGRADA LEITURA - THIAGO LUCARINI

FOTO: Thiago Lucarini

Creio que ler é um ato sagrado
Tanto quanto comer e beber.
Afinal, o corpo lê o alimento
A alma lê a Deus
Os amantes leem o amor
O pecador lê o pecado
O escritor lê a imaginação
O adeus lê o fim
O morto lê a morte,

E eu leio indiscriminadamente.

terça-feira, 27 de outubro de 2015

POESIA - CARTA PARA AMÉLIA - THIAGO LUCARINI

FOTO: Thiago Lucarini
            Vida minha:

“Amada Amélia escrevo-te em nome do meu amor inconcluso devido ao oceano entre nós, em nome desta vontade de estar com a graça e beleza da sua pessoa única e muito me aprazível. Reforço que te amo como um louco-sensato, uma confusa antítese, que agita as paredes tectônicas deste coração apaixonado e a espera do dia do regresso.
Morro de saudades do teu riso, canto de mil sóis e do toque celestial do teu corpo primaveril, do qual, meu próprio corpo é satélite, relembro colérico e inebriado dos ocasos em que líamos seus poemas preferidos no jardim e que acabavam impreterivelmente em sua cama já à noitinha onde trocávamos carícias e juras de um amor poético; e por que não dizer profético, pois creio eu, que sempre estivemos destinados um ao outro. Somos um estigma de amor, uma marca indelével no tempo dos amantes.
Hoje, a distância imposta pelo destino, maligna, porém necessária, nos impede de estarmos diariamente juntos, porém voltarei a tua ternura Amélia, aos seus olhos de estrelas que são a base lógica de mim, o centro deste eu, um cosmo completo que não se compara a nenhum outro, o centro gravitacional desta alma que pouco queima, sem sol, sem tua inestimável presença amada minha. Sou grato escravo deste desenfreado sentimento sem sigilo ou pudor que infla este peito e todas as fibras e células deste confesso amante que lhe fala através destas palavras saídas de um sincero e sofrente coração.
Sabes bem que sou teu, inegavelmente teu, meu céu, amor meu. Conto os dias, as horas para lhe reencontrar (sorte dos deuses que a têm), para voltar ao melhor de mim, que é você; eu te amo razão do meu viver pleno e eterno. 
Chego em breve; feche os olhos e num sussurro dos anjos estarei de volta; por inteiro seu, Amélia, ao teu lado é o lugar, ao qual, pertenço e de onde não devo jamais sair outra vez.”

Carta em sinal de devoção, promessa, compromisso e respeitável amor.

Do sempre seu:

Alberto Pennaforte.

POESIA - PARABÉNS - THIAGO LUCARINI

I

Hoje faz um ano
Um ano de comemoração
De felicidade e alegrias.
Completamos aniversário
Parabéns amada da vida.
Balões, bolos e velas
É festa, nossa, do amor.
Meus cumprimentos sinceros
A nossa louvável união.
Parabéns, um ano juntos
Da eternidade pela frente.

 II

Como eu queria que tudo fosse diferente
Um ano passou rápido, o ano mais feliz
Desta miserável vida, por que você se foi?
Deixando este vazio, outro ano se passou.
Aniversário fúnebre, um ano sem você
Amada minha, parabéns, hoje é o nosso
Aniversário de despedida, uma cova entre nós,
Rosas, caixão, somente as velas continuam
Mas com propósito diferente.
A eternidade humana findou-se na esquina dos olhos.

III

Pôr do sol, ocaso em fogo, júbilo
Lágrimas nos olhos, fim da minha vida
Machucado, porém feliz, sigo para o outro lado.
Fecho os olhos, reabro: o infinito, e ela sorrindo
Recebe-me no Paraíso, é festa novamente
No Céu, no Ser, no Cerne.
Parabéns a nós, juntos outra vez, amor reatado
Amor, almas, velas (iluminam o imortal)

Nesta eternidade irrevogável.

POESIA - HÁBITO E COSTUME - THIAGO LUCARINI

FOTO: Thiago Lucarini

A tristeza muitas vezes é
Uma roupa fácil de vestir,
Até mesmo mais fácil que a felicidade,
E para alguns ela caí bem
Com certo comedimento
Causa elegância e densidade,
Após algum tempo de uso
Seu usuário sequer a percebe:
Fria, pesada ou incômoda,
Tudo é apenas uma questão

De hábito e costume.

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

POESIA - INSUBSTANCIALIDADE - THIAGO LUCARINI

Há um engano permanente
De saberes e escolhas.

Há uma disfunção do contexto
Do eixo e da singularidade.

Há uma ilusão do olhar
Vê, mas de fato não enxerga.

Há um fim pouco dito
Mas que virá mesmo se não proferido.

Há uma dor no coração e na alma
Que não passa, nem passará, é pássaro engaiolado.

Há um buraco negro que engoli tudo
Aquém de qualquer sentimento ou tempo.

Há um “não haver” prematuro

Consistente e perene.

POESIA - TRÂNSITO - THIAGO LUCARINI

As luzes da cidade se acendem
Os carros seguem o trânsito
Todos com farol baixo,
Baixo meu coração sem luz.
Há muito do mesmo feito em linha
Fabricado, pré-moldado, pré-conscientizado
Nada original ou dono de singularidade.

Há uma brisa fria         
Cotidiana e vulgar neste
Preâmbulo de entardecer.
Vulgar, sou eu, sem encaixe
Sem fluxo ou sequência
No trânsito, no entardecer, na vida
Me sinto só, me sinto só

Seguindo a maré de ferro sem rumo.

POESIA - CANTO CEGO - THIAGO LUCARINI

O canto é cego
Mas não esbarra nos cantos
Pois preenche com harmonia
O espaço que detém.
Uma vez saído da boca
Ele segue sua trajetória
Sem jamais se perder.
E quando se encerra
Volta a sua origem nascente
Que por tempo de revezamento
Ora é útero ora é sepultura

Deste canto cego esplêndido.

POESIA - ORAÇÃO DOS ANJOS - THIAGO LUCARINI

IMAGEM: Tomasz Alen Kopera 

Sussurros cochichados em ventania
Ladainha dos anjos em prece
Soprando proteção, quanto
Mais forte são os ventos
Maior a chama da oração.
Orem anjos!
Orem homens!
Oro eu!
Façamos uma bela ventania
De palavras sussurradas

Um ato de devoção e fé.

POESIA - IMPERTURBÁVEIS - THIAGO LUCARINI

O que mais me intriga
Não é Deus nem a morte.
O que mais me intriga
São os amantes imperturbáveis
Plenos e conscientes do seu amor
Aquém e além de qualquer

Divindade ou fim pré-definido.  

POESIA - BRINDE DE ÚLTIMO ATO - THIAGO LUCARINI

Pousa o teu véu sobre meus olhos
Aplaca a cegueira deste coração
Com um pouco de terra e velas.
Flores, daí-me flores perfumadas
Um brinde de último ato
De vaga e serena lembrança.
Dê um beijo no rosto do morto
Deixe cair sua chuva fina
E vá em paz levando agora

O véu da vida contínua contigo.

POESIA - ANTAGONISTAS - THIAGO LUCARINI

FOTO: Thiago Lucarini

A faca caiu sobre a flor
Abrindo um sulco profano.
Tira a pétala decepada e come-a
Absorvendo o melhor
Da flor abstraída pela faca.

A faca não age sobre a Palavra
A Palavra é que atua sobre a faca,
Em conjunção com o Tempo cegam
O gume afiado, matando a função
Da faca, apagando o canto do corte.

A flor caiu
A faca cortou
A Palavra e o Tempo
Negaram utilidade a faca.

São antagonistas, um a espera do outro.

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

POESIA - CATIVA PROMESSA - THIAGO LUCARINI

Um dia chegarei
Depois de há muito ter ido
Voltarei sem descanso
Sem qualquer parada.
Outra vez estarei lá
No meu lugar de direito
Tão feliz quedarei
Por voltar. Quando penso
Neste regresso, lágrimas
Tomam-me os olhos baços.
Há uma saudade crescente
Uma distância pouco vencida hoje
Entre estas quatro paredes cinzas
Mas que será minada, mirrada
Com o tempo. Um dia
Darei passos largos para fora
Deste meu cárcere solitário.
Um dia voltarei...
Um dia chegarei...
Um dia...

Isso não será mais uma promessa.

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

POESIA - O ESPAÇO DE SETE PALMOS - THIAGO LUCARINI

Tudo deu errado
Quando lhe dei espaço.

Dei espaço
Continuaste o passo.

Dei espaço
Criou-se a distância.

Dei espaço
Estabeleceu-se o vácuo.

Dei espaço
Ledo engano de regaço.

Dei espaço
E um sinônimo de tal ato.

Pois o espaço dado
Converteu-se em corda.

Quanto maior o espaço
Ás vezes, maior é a corda.

Dei espaço
E abri, sem querer, a sepultura.

Dei espaço

Hoje, temos entre nós, o espaço de sete palmos.

POESIA - O CHORO DA ALTA NOITE - THIAGO LUCARINI

O choro da alta noite
Escondido em muralhas de travesseiros
No silêncio da madrugada
Em horas inconfessas e sonolentas
Tendem ser o resultado de algo maior.
O sofrer noturno é para aquele
Que não quer ser incomodado
Suas lágrimas (o mar de si) são somente suas
E de mais ninguém. Seu soluçar
De embargo frenético, de desespero
Não é para ser ouvido, mas olvidado.
Aquele que chora sozinho à noite
(o afogado do breu líquido) 
É o mais corajoso, o mais orgulhoso
O mais destemido e o mais propenso

A corda, a ponte e ao veneno.

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

POESIA - MAÇÃ ENVENENADA - THIAGO LUCARINI

FOTO: Thiago Lucarini

Ignota terra lodosa e pantaneira
Raízes fincadas no solo do nada
Árvore dos mortos sem coordenada
Recordo solenemente da funesta macieira.

Macieira de tenras maçãs envenenadas
Tão belas em seu vermelho brilhante de pecado
Plantadas num adro que não as redime do fado
De tirar vidas por asfixia sem auxílio de negras fadas.

Não se trata de uma macieira de um conto normal
A tragédia, a beleza da morte sob o prisma original
Alimentam os falsos vivos com o consolo da sepultura.

Certamente que aquilo que mata é mais gostoso
Pois livra o corpo do fardo e embate oneroso

De viver; seja, com ou sem, maçãs envenenadas.

terça-feira, 20 de outubro de 2015

POESIA - O CANTO DAS LÂMINAS THIAGO LUCARINI

FOTO: Thiago Lucarini

Todas as coisas afiadas cantaram
Uma sinfonia aguda e cortante.
Os gumes vibraram em harmonia
Ressoando o aço inoxidável
Ora cego, ora surdo, ora afiado.
O fio assobiante do corte
Mordeu o tempo moroso,
Mordeu a carne não comportada
Com notas de falsa cortesia.
Contudo, o corte fora limpo e preciso
Sem mácula ou desilusão
Matou de uma vez só, certeiro,
Sem derramamento de sangue inútil.
As lâminas continuam famintas
No seu tilintar de canto ao vento
Arauto para carne mole e viva
Ou fria em rigor mortis, o último rigor,
E outras coisas duras desavisadas.
Pois as lâminas quando cantam
Estremecem as altas nuvens
E o ácido fundo do poço.
Cortam tudo, absolutamente tudo

Diante do seu som desprovido de piedade.

POESIA - FEITOS PARA A MORTE - THIAGO LUCARINI

FOTO: Thiago Lucarini

Não são raros os relatos
Daqueles que parecem
Mais vivos na morte que em vida.
Tal fato, talvez, se deva
A não identificação destes
Ex-vivos com o viver
De miséria e padecer terrenos.
Hoje, mortos estão, enfim,
No devido lugar de pertencimento.
Por isso, o rosto feliz
Foram feitos para a morte
A vida somente os usurparam
Por um curto período.
A morte sempre reclamará
Aqueles que são seus por direito
Concedendo felicidade

As suas crias da sepultura.

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

POESIA - LÍQUIDO POÉTICO - THIAGO LUCARINI

FOTO: Thiago Lucarini

Líquido: 1. Que flui ou corre, tomando sempre a forma dos recipientes em que se encontra.
Definição: Dicionário Aurélio

Poético: Relativo a, ou próprio da poesia.
Definição: Dicionário Aurélio

Atmosfera adequada
Gotículas internas
Acumulando-se
Por toda parte
Líquido fluindo
Em correnteza
Pelas paredes internas
Do corpo-nuvem.
Tomando forma
Ocupando espaço.
Princípio lírico
Em evaporação
Sublimação
Do pensamento
Sólido e cru.
A energia corre
No leito neural
Acarreando estática
Relâmpagos, raios
Iluminadores.
Chega o momento
Exato de acúmulo
Poético e inspirativo
Descarga criativa
Na nuvem estufa.
Abrem-se as comportas
Precipitação vem do alto.
É chuva graciosa

De líquido poético.